A criação do Parque Estadual Encontro das Águas e a determinação de sua preservação – via Resolução do Consema – é uma forma de compensação para desmate e mecanização de área idêntica de terras no Chapadão – região mais alta de Mato Grosso – para o cultivo de arroz, de soja e de outros produtos.
A denúncia partiu do vereador democrata Lauro Eubank, de Poconé (104 km da capital, no centro-sul do estado), que foi mais além ao alertar que essa compensação vai beneficiar “lavouristas” em prejuízos do povo de Barão de Melgaço (121 km, na mesma região) e de sua cidade.
Eubank revelou ainda – sem dar detalhes sobre o tipo de transação – que cento e tantos hectares de Porto Jofre já estão sendo “negociados” para serem transformados em parques.
“Se não conseguirmos chamar a atenção das autoridades federais, estaduais, municipais, o empobrecimento do homem pantaneiro vai continuar numa escala gradativa e muito rápida até a sua dizimação”, previu o parlamentar.
(*) Porto Jofre está localizado nas margens do rio Cuiabá, na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Um local distante e repleto de natureza. É considerado “ponto alto” para pescaria.
Prudente, a autora de dois pedidos de audiência pública para discutir o assunto – deputada Chica Nunes (PSDB) – prefere aguardar o desfecho dos encontros para se manifestar. Uma das audiências ocorreu em Barão de Melgaço, no último dia 17. A segunda será realizada no dia 28 que vem, em Poconé.
“Esses detalhes são graves e precisam ser confirmados, mas não devemos misturar as coisas. Tudo tem o seu tempo e – certamente – chegaremos a essas questões, assim como as levaremos adiante. Agora temos problemas mais urgentes que envolvem grandes prejuízos sócio-econômicos para toda uma grande região e seu povo, e estamos trabalhando para resolvê-los politicamente com a sensibilização do governador Blairo Maggi”, previu a parlamentar tucana.
A seguir, Lauro Eubank descreve para a Secretaria de Comunicação da Assembléia, com detalhes, a saga do Pantanal:
Secretaria de Comunicação da Assembléia Legislativa – Como começou a odisséia de prejuízos do Pantanal?
Vereador Lauro Eubank – Isso é histórico! Há 30 anos, 40 anos, quando o empreiteiro Sebastião Corrêa Camargo entrou no Pantanal – ele provocou o maior impacto ambiental no Pantanal – com os famosos aterros da Camargo.
Secom-AL – Quais são os números desses prejuízos?
Eubank – Envolve milhares de hectares de terra e de quilômetros de aterros lançados no Pantanal.
Secom-AL – Qual a megaobra envolvida e que terras foram compradas?
Eubank – Foi na época da Transpantaneira. E, além da Transpantaneira, eles adquiriram terras no Pantanal, que eram históricas, das origens do povo pantaneiro: o Rio Alegre, a Fazenda São João…
(*) A Rodovia Transpantaneira – ou MT-060 – é hoje uma estrada de terra que, segundo muitos “liga nada a lugar nenhum”. Ela tem 147 km de extensão e 126 pontes de madeira, quase todas em estado muito precário. Foi originalmente projetada durante a ditadura militar para ligar Corumbá – no sul do Pantanal – a Cuiabá – no norte, quando Mato Grosso e Mato Grosso do Sul eram um único estado. O objetivo era preservar a “soberania nacional” e sua construção começou ainda no início dos anos 70. Quando Mato Grosso foi dividido, em 1977, a capital do sul passou a ser Campo Grande e a estrada inacabada – de Corumbá para o norte – foi abandonada.
Secom-AL – Como se deu a migração de pessoas do Pantanal?
Eubank – Essas áreas, depois de aterradas – o perímetro dela – “quebraram” muitos homens pantaneiros, muitas propriedades como Praial e tantas outras, que ficaram inviáveis economicamente. Isso fez com que essas pessoas deixassem o Pantanal e viessem para a cidade. Indiscutível que, há 30 anos ou 40 anos, não se falou em indenizações, mas sabemos que – hoje – isso é possível.
Secom-AL – E hoje, o que está acontecendo de irregular?
Eubank – Hoje, estamos vendo essas mesmas terras da Camargo Corrêa se transformarem em um parque, por meio desse decreto do governador Blairo Maggi. Elas vão ser desapropriadas para se fazer compensações com áreas de lavouras em região firme, no Chapadão, em detrimento do prejuízo de famílias, dos pescadores, dos ribeirinhos.
Secom-AL – O que poderia ser feito na área do Encontro das Águas?
Eubank – Nesses quase 110 mil hectares não se pode pescar, caçar, criar gado, nada; a área tem que ser preservada. Ali poderíamos estar criando mais de 100 mil cabeças de gado, mas não se cria; ali era para estarem trabalhando as centenas de pescadores de Barão de Melgaço e de Poconé, mas já não pode; ali era para estarem empregados 100, 200 peões de fazenda, mas vai ser preservado.
Secom-AL – Mas essa realidade parece encobrir outra, certo?
Eubank – Sim. Enquanto se preserva essa parte do Pantanal – que, antes, foi criminosamente ocupada – lá no Chapadão, na parte mais alta de Mato Grosso, porção idêntica de terra será toda desmatada, mecanizada para produzir arroz, soja e por aí vai. Em resumo: lá sobra dinheiro e para nós sobra preservação. O que estão fazendo aqui, no Pantanal, é para compensar o que estão fazendo no chapadão.
Secom-AL – Quem está, realmente, ganhando com isso?
Eubank – O lavourista que vai estar muito bem em prejuízo nosso.
Secom-AL – Onde estão as reservas, no Pantanal?
Eubank – Se sairmos de Barão de Melgaço rumo a Poconé, Porto Jofre… vamos passar por várias delas. Podemos citar uma delas, como exemplo: a Reserva do Sesc – cujos benefícios sociais são grandes para Poconé e Barão. Isso é inegável. São mais de 300 pais de famílias trabalhando no Sesc Pantanal como garçons, guarda-parques, enfim… lá tem toda uma infraestrutura.
Secom-AL – Em contrapartida…
Eubank – Em contrapartida, não se cria uma cabeça de gado naquela região e, na época da seca, incêndios extraordinários mobilizam brigadistas, o Ibama, a Sema, todos enfim. E ali não está gerando qualquer emprego que não seja de campo, de Pantanal… gera na hotelaria e em poucas atividades similares.
Secom-AL – E o governo? Não oferece compensação como o ICMS Ecológico?
Eubank – O ICMS Ecológico é uma exceção, mas é muito pouco em relação ao que poderia ser gerado por meio do ITR (o Imposto Territorial Rural), por meio do emprego e da comercialização de gado.
Secom-AL – Qual é o valor da compensação?
Eubank – Na audiência pública realizada em Poconé disseram que a compensação do ICMS (Ecológico) gira em torno de 300 mil reais que não é suficiente para compensar o sacrifíco do povo poconeano e de Barão. Todos nós estamos sofrendo por falta de arrecadação e de emprego e de renda.
Secom-AL – Parece que tem uma região sendo negociada, é isso?
Eubank – É o Porto Jofre. Ele também está sendo negociado – são mais de cento e tantos mil hectares de terras que também se transformarão em parques.
Secom-AL – Voltando ao roteiro passando pelos parques…
Eubank – Se continuarmos essa viagem pelas águas do Pantanal, vamos encontrar o Parque Karakará – no Baixo Pantanal, em Poconé – que também é uma enormidade. São muitas terras onde não se pode pescar, caçar, criar. Isso desde há 20 anos ou 30 anos quando foi proibido. Só que, naquela época, existia gado de sobra no Pantanal.
Secom-AL – E depois?
Eubank – Quando proibiram a caça do jacaré, por exemplo, que eram mantidos em quase todas as propriedades, começaram a consumir esses bois. Naquela época, existiam bois de 12 anos, 14 anos. Hoje, o pantaneiro está pedindo pelo amor de Deus para a vaca parir logo para poder vender o bezerrinho para manter sua subsistência.
Secom-AL – O que vocês antevêem, hoje, em termos de futuro para a população ribeirinha e para a sociedade desta região como um todo?
Eubank – Se não conseguirmos chamar a atenção das autoridades federais, estaduais, municipais, o empobrecimento do homem pantaneiro vai continuar numa escala gradativa e muito rápida até a sua dizimação.
Secom-AL – Esse futuro pode vir a ser real?
Eubank – Sim. Vinte anos atrás, tínhamos cerca de mil propriedades ativas em Poconé. Elas possuíam em média dez peões, cada. Outras maiores tinham 20, cada. Hoje, essas mesmas propriedades ou outras um pouco menores têm um peão cada. E olhe lá! O nível de desemprego é muito grande porque se proíbe a criação de gado e se restringe a pesca, e a caça já está proibida.
Secom-AL – E se a caça fosse regulamentada no Pantanal?
Eubank – Há dez anos, fomos chamados para falar na Assembléia sobre a esse tema. Na oportunidade, também foram convidados clubes de caça do Rio Grande do Sul para virem dar palestras. A regulamentação seria uma fonte de renda para a região e não iria acabar com os jacarés do Pantanal porque se caçou jacarés nele por 200 anos e esses animais estão sobrando; e onça está “atropelando” gente no Pantanal. Essas considerações e expectativas são da população de toda esta região.
Secom-AL – Qual é a maior contradição sobre o assunto envolvendo o Parque Estadual Encontro das Águas?
Eubank – Vemos nossas autoridades preocupadas com a lavoura, que é importante e faz com que Mato Grosso seja campeão do agronegócio – afinal ele está despontando economicamente com essa condição, mas não podemos esquecer da Baixada Cuiabana, da Baixada Pantaneira, que são as origens do estado de Mato Grosso e que representa a sustentabilidade da população desta região e que depende dela.
Secom-AL – Considerando o que vem acontecendo e como vem acontecendo – do Estado para o cidadão pantaneiro, qual a expectativa dele para se manter no Pantanal?
Eubank – Aqui ainda vivemos da pecuária instintiva. Não temos como fazer a pecuária de confinamento, a pecuária de leite,… é um pouco mais difícil para todos nós, mas se muitas propriedades,… se nos derem meios de sobrevivência com recursos subsidiados – vamos dizer assim… ainda teremos condições de nos manter no Pantanal.