O estudante de Engenharia S. S., 36 anos, ficou surpreso ao descobrir que pagava quase o dobro da mensalidade de outros colegas de curso. Aluno de uma faculdade de Ipatinga (MG), ele é um dos beneficiados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o que significa que os custos da sua formação são bancados pelo governo para que ele pague de volta depois que se formar, em parcelas corrigidas. S. S. percebeu que não dispunha de todos os descontos que os outros alunos do curso, pagantes normais, dispõem. Todo mês, seu débito com o programa aumenta R$ 1.500, enquanto que outras pessoas têm descontos que fazem a mensalidade chegar a R$ 750. Como no caso de S. S., outras instituições têm sido acusadas de não oferecer os mesmos valores de mensalidades para financiados e pagantes, ainda que a portaria do Ministério da Educação que regulamenta o programa estipule a obrigatoriedade de se praticarem valores iguais em ambos os casos. Como de praxe, a corda arrebenta do lado mais fraco: com dívidas que podem ultrapassar os R$ 100 mil, o estudante se forma e dá de cara com um mercado de trabalho saturado, sem perspectiva para pagar o que deve. Enquanto isso, as universidades continuam lucrando à custa dos cofres públicos.
A diferença na cobrança da mensalidade pode chegar a índices entre 40% e 50%. Bancadas pelo superfaturamento nos contratos do FIES, a instituição se permite dar descontos a outros alunos, em promoções que vão desde preços menores para quem vem de outras universidades a descontos para torcedores com carteirinhas do Palmeiras, São Paulo, Internacional e Ceará. Segunda graduação, indicação de amigo e parentesco com funcionários da instituição também garantem mensalidades mais baixas. Esses custos são repassados aos alunos financiados, ao mesmo tempo em que atraem mais pagantes. Os grandes grupos educacionais viram as suas taxas de lucro decolar desde que o FIES se expandiu, em 2010. Os ganhos chegam à casa dos bilhões. Esses grupos agem como grandes empreiteiras que superfaturam serviços prestados ao Governo.
ACESSO A DESCONTOS
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) explica que a diretriz do FIES assegura aos alunos acesso a todos os descontos concedidos aos estudantes regulares das instituições particulares (assiduidade, antecipação, entre outros). No momento que é feito o preenchimento do cadastro do aluno no SisFies, os descontos já devem ser considerados pela instituição no cálculo das mensalidades dos alunos do Fies. Afirma, ainda, que foi acordado entre as instituições e o governo federal um desconto de 5% do valor praticado nas mensalidades para os alunos ingressantes no ensino superior por meio do FIES como forma de incentivo. Gustavo Monteiro Fagundes, advogado especializado em direito educacional e c onsultor jurídico do Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (ILAPE), fala ainda sobre o problema da inadimplência entre alunos já formados, o que impossibilita a continuidade do programa, já que ele se retroalimenta financeiramente. O aluno se forma, vai pro mercado e não consegue uma ocupação compatível com investimento que fez. Aí continua num emprego de nível médio, que mal dá pra sobreviver.
Bancadas pelo superfaturamento do FIES, instituições dão descontos a outros alunos
Gastos em alta
Programa de financiamento estudantil teve salto a partir de 2010 e é uma das maiores despesas do governo na área
R$ 50 bilhões
Já foram gastos com o programa
R$ 17,8 bilhões
Foi o montante gasto com o FIES em 2015. Para 2016, a projeção é de R$ 18,7 bilhões
30,75%
É a taxa de inadimplência
Quem lucra?
Com mensalidades superfaturadas para alunos financiados, universidades privadas têm lucro recorde à custa do governo
600%
Chegou a ser o crescimento da taxa de lucro dos grupos educacionais com maior número de contratos do FIES em três anos
40% a 60%
Dos alunos de universidades de grandes grupos educacionais são financiados, em média
60%
Chega a ser o aumento das mensalidades em um ano
40%
É a diferença do valor da mensalidade de um aluno do FIES e um aluno pagante
 
 
 
 
 
 
 
Camila Brandalise/IstoÉ