Uma data para marcar. Na última semana, em 27 de abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestou pela primeira vez sobre a adoção de crianças por homossexuais. Por unanimidade, os ministros entenderam que é direito de um casal de lésbicas do Rio Grande do Sul registrar os filhos adotivos no nome das duas.
“Agora somos as duas mães”. Assim Luciana Madana, de 35 anos, definiu a situação dela e de Lídia Guterres, 44, mãe e mãe de um menino de 6 anos e outro de 7. Inclusive para a Justiça. “Nosso objetivo principal sempre foi resguardar os nossos filhos. Nossa bandeira é a proteção deles”, afirmou Lídia.
A decisão é histórica e, nas palavras da vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a desembargadora Maria Berenice Dias, “é um efeito que se expande”. Juristas acreditam que está sinalizada a jurisprudência. Agora, tribunais de 1ª e 2ª instâncias devem dar a casos semelhantes ao de Lídia e Luciana o mesmo entendimento do STJ.
Revolução silenciosa
A vitória das mães do Rio Grande do Sul não tira, porém, o Brasil do atraso em que se encontra quando o assunto é homossexualidade e direito. As conquistas têm sido pontuais.
Como em 2000 quando o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que as questões relativas aos relacionamentos homossexuais não seriam mais julgadas nas varas civis, mas, sim, nas de família. “O casal gay passou a ser visto como uma entidade familiar”, diz Berenice. A decisão, porém, não foi estendida a outros tribunais brasileiros. Ou em 2007, quando o Rio de Janeiro foi o primeiro Estado a conceder pensão a parceiros e parceiras homossexuais.
Levantamento coordenado por Maria Berenice em tribunais de todo o país mostra 700 causas ganhas em favor de casais gays. Entre as conquistas estão a união estável, a partilha de bens após separação, pensão por morte do companheiro, dependência em plano de saúde e adoção de crianças. Em relação à adoção, foram feitas cerca de 20 em todo o País.
É uma revolução silenciosa feita por juízes de diversos tribunais para legitimar o direito dos homossexuais, já que nem a Constituição e nem o Código Civil asseguram essas questões aos casais gays. O Rio Grande do Sul em sido pioneiro, seguido do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Segundo a desembargadora, a justiça paulista é a mais conservadora.
“Ainda estamos péssimos em termos legislativos”, diz Maria Berenice. Não há, por exemplo, nenhuma lei federal que torne homofobia crime. No máximo, há o projeto de lei número 122 que propõe equiparar a discriminação contra gays a de raça, cor, etnia, mas que se arrasta há quatro anos no Congresso. Hoje, só existem leis estaduais que podem propor apenas multas.
Sócios pela lei
O Brasil também se distancia de outros países quando o assunto é união homossexual. A lei brasileira não permite o casamento de pessoas do mesmo sexo. “Estamos muito atrasados”, afirma o advogado do Movimento GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transsexuais), Pedro Lessi.
Na década de 90, vários países concederam proteção jurídica às uniões homoafetivas. A vanguarda foi assumida pela Dinamarca, em 1989, que aprovou lei referente à convivência registrada. Em 2001, na Noruega, foi autorizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com iguais direitos e deveres, bem como consequências jurídicas idênticas às dos casamentos heterossexuais. O exemplo foi seguido por diversos países na Europa. Nas Américas, destacam-se Canadá, Argentina e Estados Unidos.
No Brasil, o que é possível a homossexuais que moram juntos é firmar um acordo de união estável. Uma sociedade. Apesar de não assegurar qualquer direito aos parceiros, como previdência ou convênio médico, ele é a base para se pedir benefícios na Justiça. “É um grande ganho porque, se um morre, fica a polêmica se era ou não uma união. Ficam-se anos discutindo. O documento comprova a existência da relação”, explica Maria Berenice.
Ainda assim, há casos de tabeliães que não fazem a escritura com base na lei que lhes permite negar registro de casos que não estejam de acordo com a “moral e os bons costumes”.
“Estamos carentes de leis e direitos. Falta coragem para um político bater no peito e falar que apóia. Eles não querem perder os votos de quem têm preconceito. Falam que apóiam, mas não fazem nada”, diz Munira El Ourra, de 28 anos, que teve gêmeos com a companheira Adriana Tito Maciel. “A decisão do STJ foi um lacinho. E um vai puxando o outro”.
Casais gays, por exemplo, apostam os juristas, deverão ser ao menos vistos pela sociedade como uma família. Espera-se ainda que no novo Estatuto das Famílias, que será discutido em audiência pública no dia 12, a comissão volte a debater o direito do homossexual. Em 2009, o tema sobre homoafetividade foi retirado do estatuto e incluiu-se a proibição da adoção de crianças por gays.
Esperança
Apoiados também nos argumentos dos ministros do STJ, de que “não se pode supor que o fato dos adotantes serem duas mulheres possa causar algum dano (à formação das crianças)”, centenas de casais homossexuais acreditam que o fim da espera está próximo.
“Fomos um dos primeiros a entrar com um pedido de adoção. O juiz não tinha muito no que se basear”, relata o tradutor David Harrad, de 52 anos, que está na fila desde 2005, junto com o companheiro, o professor Toni Reis, 46, para adotar uma criança. “Em 2008, tivemos um parecer favorável, mas com a condição de que fosse uma menina e maior de 10 anos. Achamos a decisão discriminatória e recorremos”. Agora, eles aguardam o parecer também do STJ.
“A vitória delas é a nossa. Também estamos esperando por isso”, conclui Murina.