Um dos maiores obstáculos ao tratamento de doenças psiquiátricas é a inexistência de testes laboratoriais capazes de confirmar os diagnósticos. Hoje, a identificação dos casos se dá por meio de avaliação clínica, o que deixa margem a erros desastrosos. Muita gente sai sem saber que está doente, enquanto outros podem ser medicados sem necessidade. Por essa razão, centros de pesquisa do mundo todo buscam desenvolver exames simples por meio dos quais seria possível fazer a detecção da depressão, por exemplo, a partir de uma amostra de sangue ou de urina.
Na semana passada, pesquisadores brasileiros da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) anunciaram a criação de um desses exames. É o primeiro desenvolvido no País. O recurso diagnostica transtorno bipolar e esquizofrenia e utiliza uma pequena quantidade de sangue como base. Por meio do teste, são identificados diferentes grupos de lipídios (moléculas de gordura) associados previamente às duas enfermidades.
O teste foi desenvolvido com a participação de 150 pacientes atendidos na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e na Unifesp. Ele afere a quantidade das substâncias relacionadas às doenças ou registra a sua presença. No primeiro caso, concentrações diferentes das encontradas em indivíduos saudáveis confirmam o diagnóstico. No segundo, a simples existência de determinado composto já é suficiente para dar a resposta.
Os cientistas já pediram a patente do exame. Eles calculam que, após o desenvolvimento da tecnologia por alguma empresa interessada, ainda serão necessários pelo menos mais cinco anos antes de o teste ficar disponível. “Mas é um recurso muito promissor”, diz a psiquiatra Elisa Brietzke, da Unifesp, uma das participantes do trabalho que levou à criação do exame. “É uma esperança para ajudar no diagnóstico precoce e mais preciso das doenças mentais.”
“O exame é uma esperança para a detecção mais precisa das doenças”
Elisa Brietzke, Unifesp (SP)
A identificação do transtorno bipolar figura entre as mais difíceis pelos médicos. Isso porque o paciente pode alternar momentos de mania, euforia, com períodos de depressão. Esta é uma das razões pelas quais encontrar exames específicos tornou-se um dos principais projetos na área da neuropsiquiatria, um ramo relativamente novo da ciência médica que investiga as conexões entre as bases fisiológicas cerebrais e o surgimento de enfermidades mentais.
Depressão como alvo
Há pelo menos mais dois testes em desenvolvimento, além do criado pela parceria Unifesp-Unicamp. Na Inglaterra, cientistas da University College of London trabalham em um exame capaz de apontar o risco de uma criança se tornar bipolar na vida adulta. O recurso mede a concentração da interleucina-6, composto produzido pelo corpo para induzir uma resposta inflamatória depois de uma infecção ou trauma.
Estudos anteriores demonstraram uma relação entre a substância e a doença. No experimento inglês, 1,7 mil pessoas foram acompanhadas em dois momentos: aos nove anos e depois, aos 22. Os pesquisadores constataram que, quanto mais elevada a quantidade de interleucina-6 na infância, maior o risco de as crianças manifestarem a doença quando adultas.
Cientistas da Turquia acabaram de publicar na revista científica Neuropsychiatric Disease and Treatment os resultados de uma pesquisa apontando de que maneira medir a concentração de células sanguíneas – entre elas as células brancas – pode servir para diagnosticar a enfermidade.
Avanços semelhantes são observados contra a depressão. Como na maioria das doenças psiquiátricas, há extrema dificuldade no diagnóstico e no tratamento – em média, apenas 30% dos pacientes respondem bem aos antidepressivos. Recentemente, pesquisadores da Medical University of Graz, na Áustria, divulgaram a descoberta de uma cadeia de aminoácidos associados à doença. A informação servirá de fundamento para um teste diagnóstico.
Na Inglaterra, o King´s College London produziu um exame de sangue que auxilia o médico a encontrar o melhor antidepressivo para o paciente. Segundo o teste, aqueles com maior concentração de uma substância inflamatória provavelmente não responderão bem aos antidepressivos antigos e precisam de drogas mais potentes. São recursos como esses que tornarão o combate às doenças mentais muito mais efetivo do que o praticado hoje.
BEM MAIS SIMPLES
Há diversas pesquisas no mundo para a criação de testes sanguíneos e de urina que detectam transtornos mentais
COMO FUNCIONAM
Identificam no sangue ou urina substâncias associadas às doenças
TRANSTORNO BIPOLAR
• Uma das substâncias detectadas é a interleucina-6. Trata-se de um composto fabricado para estimular uma resposta inflamatória a um trauma ou infecção. Quanto maior sua concentração na infância, maior a chance de sintomas na vida adulta
• Também há pesquisas que relacionam as concentrações de células sanguíneas, como plaquetas e células-brancas, à manifestação da doença
ESQUIZOFRENIA
• Nos Estados Unidos, cientistas estudam teste que mede a quantidade de um fator de crescimento de vasos sanguíneos (VEGF) vinculado ao aparecimento da enfermidade. Quanto maior, mais elevado o risco
• 15 marcadores de inflamação, estresse oxidativo, metabolismo e hormônios relacionados à doença estão sendo usados em teste desenvolvido na Universidade da Carolina do Norte
TRANSTORNO BIPOLAR E ESQUIZOFRENIA
• O teste criado pela Unicamp e Unifesp usa a ressonância magnética nuclear para identificar marcadores presentes no sangue e associados às duas doenças
DEPRESSÃO
• Uma cadeia de aminoácidos (BCAAs) foi relacionada ao surgimento da doença em estudo recém-publicado por pesquisadores austríacos. Os cientistas acreditam que poderá ser um indicador da enfermidade
• Outro trabalho levantou marcadores em amostras de urina. A medição das substâncias ajudou na diferenciação entre depressão e transtorno bipolar
Foto: Felipe Gabriel/Ag. IstoÉ