A primeira vez que vi Camila, ela estava dentro de um balde de gelo, numa foto que veio com a legenda: "Toda beleza e toda dor em ser bailarina". Ela estava com cara de sofrimento, a mão no rosto, vestindo um maiô verde elegante. Veio com a hashtag #pelaleveza.
A Camila é bailarina do Balé da Cidade de São Paulo, uma das maiores e melhores companhias de dança do país. Dançando, já conheceu o mundo inteiro. Outro dia, me disse que só falta conhecer a África – ela já fez piruetas por cima de todo o resto. Nascida no Rio de Janeiro, ainda tem aquele sotaque carioca puxado, e a pele morena. Sua mãe era bailarina também, e Camila começou a dançar ao mesmo tempo em que começou a andar. Além de ser pequeno e leve, seu corpo é bem brasileiro. Mesmo: tem bunda, tem coxa, tem músculos. Tem força. Mas a minha parte preferida nela são as sardas que tem no nariz.
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Às vezes, nas fotos, Camila parece uma mulher grande. No fundo, é mesmo uma grande mulher, daquelas que vão envelhecer com estilo e sabedoria, com sua postura reta e impecável aos 70 anos. As pessoas, porém, a chamam de pequenina, pois ela tem 1,60 de altura e é toda fina. Vê-la dançando é ver a arte encarnada, o que pode parecer clichê, mas é verdade.
Crédito: Autumn Sonnichsen
Ela trabalhou muito para ser da forma que você a vê aqui, batalhou mesmo para ter essa força elegante que agora vem naturalmente da sua pele. Ela me conta de como, quando criança, dormia na segunda posição, com os pés abertos e os calcanhares afastados, para alongar durante a noite, e que colocava o pé por baixo do sofá para esticar enquanto via TV.
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Crédito: Autumn Sonnichsen
O corpo de uma bailarina é cheio de histórias, cada movimento é trabalhado, conquistado, tem um porquê. Mas a idade chega, e o corpo se desgasta. Ela mesma já percebe: mesmo não querendo, mesmo com todo cuidado, o corpo se desgasta. Depois de mais de duas décadas de dança, chegou o momento em que Camila teve que pensar: o que fazer depois?
Ela resolveu que não vai ter um depois. Que a dança está dentro dela e que vai acompanhá-la a vida toda.
Crédito: Autumn Sonnichsen
O tempo, às vezes, parece que passa mais rápido para as bailarinas, assim como para os atletas, mas Camila já tem um plano para quando não puder mais viajar dançando. Virou empresária e abriu, com a amiga e também bailarina Shamara, o Be a Bá do Ballet, um projeto de aulas personalizadas de balé e contemporânea, e que também leva a dança para as crianças das comunidades de São Paulo.
Crédito: Autumn Sonnichsen
A Camila é daquelas bailarinas que apavoram, que quebram tudo, que dão o máximo de si.
Quando ela está triste ou magoada, você sente isso na sua dança. Quando ela está feliz, leve, na paz, também vemos nos seus gestos. Gosto de observá-la em casa, de noite, depois de ensaiar o dia inteiro, com um moletom e capuz gigante, costurando a sapatilha nova, cansada, com dores por todo canto. Não é muito legal falar que você gosta de ver uma amiga com dores no corpo, mas, no caso da Camila, me dá um certo prazer mesmo, pois as dores dela são tão específicas, ela sempre sabe qual parte de qual músculo ou osso está doendo e o que ela fez para ele doer dessa forma, é uma especificação de movimento tão precisa que dá uma alegria. E é isso que é tão belo nela. A precisão. O trabalho diário do corpo dela é tão integrado que vai até o osso, e é justo assim que a leveza vem, ela se concentrou tanto que é assim que se solta, assim que fica leve. É assim que ela voa.
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Crédito: Autumn Sonnichsen
Digo outra coisa. A Camila é brava. Também pode ser chamada de intensa. Eu a chamo de linda mesmo. Como toda mulher que presta, é medrosa, briga, sente ciúme, supera o medo, pede perdão depois da briga, ama fortemente e coloca um pé na frente do outro, sempre com aquela precisão e um pouquinho de magia. Não tem nenhum momento em que eu veja estas imagens e não me sinta abençoada por tê-la na minha vida, por ter esse presente de mulher, tão pequena e tão cheia de energia, tão presente. Às vezes, posto fotos dela com a legenda "euteamoeuteamoeuteamoeuteamo" – pois é a primeira coisa que sempre me vem em mente.
Crédito: Autumn Sonnichsen
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