Por unanimidade desembargadores anularam parte do artigo 39 do Código Tributário da Prefeitura de Cáceres, em vigor desde 2019
A pedido da Defensoria Pública de Mato Grosso, o Tribunal de Justiça anulou, parcialmente, artigo de lei municipal da Prefeitura de Cáceres, 219 km de Cuiabá, que exige certidão negativa de débitos fiscais para que o cidadão assuma cargo público. O texto impedia, por exemplo, que devedores do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) trabalhassem na Administração local.
A legalidade e constitucionalidade de trechos do artigo 39 da Lei Complementar 148/2019, o Código Tributário de Cáceres, foram questionadas numa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), assinada pelo defensor público-geral, Clodoaldo Queiroz, e pelo defensor público que atua naquela comarca, Saulo Castrillon, no ano passado.
O Órgão Especial do TJ julgou, por unanimidade, procedente o pedido da Defensoria Pública, ao considerar a cobrança inconstitucional, por confrontar os artigos 1º, caput e 129, caput e inciso I, da Constituição do Estado de Mato Grosso.
“A cobrança do crédito tributário deve ser feita mediante o lançamento e a sua execução, não se podendo obstar o exercício de cargo público como via oblíqua para cumprimento da obrigação tributária”, diz o voto do relator, desembargador Orlando Perri, seguido pelos outros 12 colegas.
O trecho que faz a exigência foi analisado pelos defensores como ilícito, ao ser observado a partir do que define a Súmula 547 do Supremo Tribunal Federal (STF), que veda impedir pessoas de exercerem atividades profissionais, por terem dívidas fiscais.
Os defenores ainda apontaram que o trecho do artigo é ilegal, inconstitucional e tido como gerador de punição desproporcional, por representar “coação” por parte do Estado, ao cobrar suas dívidas por meios indiretos.
Eles explicam que o alvo da ação viola processos legais de cobrança de tributos, o que na prática, impede o cidadão de exercer seu direito de defesa. E apresentam outras duas súmulas (70 e 323), além de decisões do STF em mandados de segurança, como argumento para evidenciar que jurisprudências consideram essa forma de cobrança como “desmedida” ao ponto de destruir a capacidade econômica do contribuinte.
As súmulas do STF, aplicadas em ações de outras natureza, afirmam que essa é uma forma “inadmissível” do Poder Público fazer uso de “meios gravosos e indiretos de coerção, destinados a compelir o contribuinte a pagar tributo”. A 547 diz expressamente: “não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.
Voto do ministro Celso de Mello, no qual ele nega um agravo interno em recurso extraordinário, também foi citado: “A prerrogativa estatal de tributar não pode comprometer a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria do contribuinte”.
Motivação – Castrillon afirma que ao observar as ações do Estado, percebe que ele é o maior violador de direitos. “Aquele que tem o dever de zelar pela legalidade, por garantias fundamentais, é o maior violador delas, garanto por experiência. Em diversos mandados de segurança, inclusive nos que usamos na ação, cidadãos tiveram que cobrar o direito para tomar posse em concursos públicos, porque o edital viola a lei exigindo certidão negativa de débito fiscal, e até do Serasa, dos candidatos. E isso é um absurdo”.
Os defensores lembram que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso também tem jurisprudência firmada sobre o tema, em mandados de segurança de aprovados em concursos, rechaçando a exigência e a caracterizando como sem razoabilidade.
“Exigir certidão negativa fiscal, como condição para fins de posse em cargo público, viola o princípio da razoabilidade, uma vez que a ação de execução fiscal, na esfera civil, em nada desabona a moral do candidato, tampouco o impede de exercer regular e satisfatoriamente as atividades inerentes ao seu cargo”, diz trecho da ação.
Trecho Ilícito – O artigo 39 da Lei Complementar 148, de 26 de dezembro de 2019, traz: Os contribuintes que estiverem em débito com a Fazenda Municipal, no que diz respeito ao IPTU, ficam impedidos de receber créditos de qualquer natureza, participar de licitação, bem como gozar de benefícios fiscais, ocupar cargos na administração municipal e obter certidões negativas relativas ao IPTU.
“Tal restrição estatal, portanto, limita, indevida e injustificadamente, o pleno exercício do direito de livre acesso ao cargo público dos contribuintes, sobretudo o economicamente carente, para forçá-lo coercitiva e indiretamente a recolher tributo pendente de quitação”, afirma Castrillon.
Meios Legais – O defensor lembra que a Fazenda Pública já conta instrumentos legais para cobrar créditos tributários do contribuinte e um deles é a ação de execução fiscal, pela qual o Estado pode até expropriar bens do devedor, para cobrir a dívida. Mas que, sempre que houver a possibilidade de usar medidas menos graves contra o infrator, elas devem ser usadas como opção, para cumprir o princípio constitucional da proporcionalidade em seu aspecto de necessidade.
A ação foi protocolada no final de agosto e tramitou no Órgão Especial do TJ, com o número 1017627-22.2020.8.11.0000.