Analistas calculam que modificações feitas devem reduzir a economia de R$ 1,2 trilhão para algo próximo de R$ 800 bilhões
As modificações feitas no texto original do relatório da reforma da Previdência ajudam numa aprovação mais rápida do texto na comissão especial e aceleram a tramitação, mas trazem o risco de uma nova desidratação antes da votação ao plenário da Câmara e no Senado.
Embora as mudanças tenham sido discutidas com líderes de partido, a base política fraca no Congresso e a falta de liderança do governo são apontadas como fatores de risco para que o governo tenha que ceder em novos pontos da reforma e a economia inicial de R$ 1,2 trilhão prevista pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, seja bastante reduzida. A exclusão de estados e municípios é avaliada como negativa pelos analistas ouvidos pelo Globo, já que quebrados, eles podem pedir socorro ao governo federal no futuro.
Para André Marques, coordenador do Centro de Gestão de Políticas Públicas do Insper, as modificações apresentadas no texto original da reforma da Previdência foram facilitam a aprovação na comissão especial da Câmara , mas acabam desidratando a economia prevista para a próxima década. Para Marques, trata-se de uma questão de escolhas, mas é preciso ter consciência que cada ano de idade mínima reduzido, seja para homens, mulheres, servidores públicos, representa uma economia menor no futuro.
“É preciso ter em mente que a economia que a reforma da Previdência trará é de longo prazo. A reforma é essencial, mas é preciso a reforma tributária e outras que tenham impacto no curto prazo e reduzam a velocidade do deficit nas contas públicas”, diz o professor do Insper.
Marques observa que o texto original criava a possibilidade da capitalização, portanto, sua retirada, não afeta a economia prevista, assim como a não inclusão dos estados e municípios.
“Mas será que os estados, especialmente os que estão em maiores dificuldades financeiras, vão ter força localmente para fazer as reformas necessárias em seus sistemas de previdência? Historicamente, os estados não têm essa força e isso aumenta o risco de pedirem, no futuro, ajuda ao governo federal”, analisa Marques.
O professor do Insper também alerta que cedendo em alguns pontos para tornar o relatório “aprovável”, o governo corre o risco de uma segunda desidratação no plenário. Como não existe uma liderança forte do governo e a base política é instável, a chance de que isso aconteça é real: “e a soma dessas desidratações será um cenário muito ruim”.
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a economia projetada com a proposta relatada nesta quarta-feira deve ficar em R$ 800 bilhões em dez anos. O resultado é considerado “bom” por Vale por trazer mudanças que já estavam na conta do mercado, como a saída da capitalização e do BPC da atual proposta de emenda constitucional e as mudanças nas regras de aposentadoria rural. O ponto problemático é a saída de estados e municípios. Para o economista, há pouco tempo para estados e municípios colocarem o tema em discussão antes do calendário eleitoral de 2020, que deve começar já no último trimestre deste ano.
“O esquema de esperar até seis meses depois de aprovada no Senado para cada estado decidir sobre suas reformas (proposta similar à que estava na reforma do governo Temer) não daria mais tempo por causa das eleições ano que vem. Ao invés de seis meses, talvez fosse o caso de dar um ano e meio de adaptação. Aí passa a eleição municipal e esses entes poderiam aprovar em 2021. O que não dá é para estados e municípios ficarem totalmente de fora. Seria um tiro no pé total”, diz Vale.
Para Pedro Galdi, analista da Mirae Asset Wealth Management, o mercado financeiro já operou no vermelho, nesta quarta, por conta das modificações que seriam feitas no texto original. Numa estimativa, inicial analistas calcularam que a economia de R$ 1,2 trilhão em dez anos cairia para algo perto de R$ 800 bilhões.
“Este ainda é um patamar aceito pelo mercado. Mas o mais importante agora é que a votação flua porque a reforma da Previdência é apenas uma de outras reformas que precisam ser feitas, como a tributária, as privatizações. E enquanto ela não sair, o país fica paralisado”, observa Galdi.
Numa estimativa inicial feita pela consultoria Eleven Financial Research, o impacto econômico das mudanças no projeto original reduzirá a economia prevista pelo governo para algo entre R$ 800 bilhões e R$ 900 bilhões nos próximos dez anos. Mas, de acordo com o economista, o impacto só ser sabido quando o relatório for apresentado, nesta quinta. Ele avalia que as mudanças tiveram cunho muito mais político do que econômico.
“Nesta primeira etapa, avaliamos que as mudanças feitas ficaram dentro do esperado. Elas são muito mais de cunho político do que econômico”, disse Sarquis.
A exclusão de estados e municípios não afeta diretamente a economia prevista pelo governo, mas traze um problema, na avaliação do economista da Eleven. Como a maioria do estados está quebrada, os serviços básicos oferecidos à população. como saúde, segurança e educação continuarão sem investimentos e – portanto – de qualidade ruim. O economista acha difícil que a inclusão dos Estados e municípios aconteça na votação em plenário.
Em relação à capitalização , que deve ficar fora do relatório, Sarquis avalia a retirada como positiva. Ele explica que o governo teria um custo financeiro para bancar a transição entre o atual sistema e o de capitalização, recursos que, neste momento, podem ser usados em melhoria de serviços, como infraestrutura ou educação.
“Num cenário de crise fiscal, usar recursos para bancar a transição para o sistema de capitalização contraria o discurso do governo de austeridade. Quando o quadro fiscal melhorar, no futuro, faz sentido voltar a pensar em capitalização”, disse Sarquis.
Sobre a redução da idade mínima de aposentadoria para professores, o economista da Eleven considera que a mudança abre precedente para que outras categorias profissionais que se consideram “especiais” também reivindiquem redução da idade mínima: “Isso também fere o discurso do governo de que a reforma traz equidade”.
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