Termina no próximo dia 31 a segunda fase da campanha do desarmamento, que teve início em janeiro. Até o final do ano, os brasileiros que têm armas irregulares podem cadastrá-las sem a necessidade de testes de capacidade técnica e psicológica, além de receberem indenização caso queiram entregá-las à Polícia Federal.
A partir de janeiro, o registro exigirá testes e o pagamento de taxas que vão de R$ 300 a R$ 1 mil. Quem é pego com armas irregulares pode ser condenado a até 6 anos de prisão, além de pagar multa.
Na primeira fase da campanha, entre 2004 e 2005, foram recolhidas 469 mil armas. Até 30 de novembro deste ano, o Serviço Nacional de Armas (Senarm) recebeu 16 mil armas e concedeu 21 mil registros novos, ou seja, há 5 mil armas legalizadas a mais do que no início do ano. Além de o objetivo de diminuir o número de armas em circulação não estar sendo alcançado, a lei do Estatuto do Desarmamento, que é considerada uma das principais responsáveis pela queda de 12% no número de homicídios por armas de fogo entre 2003 e 2006, corre o risco de ser esvaziada. Na Câmara dos Deputados, ao menos 20 projetos de lei pretendem torná-la menos rígida. Alguns dos deputados receberam das empresas Taurus (que fabrica armas) e Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) doações legais para as campanhas.
A proposta de Alberto Fraga (DEM/DF) – que recebeu declarados R$ 282,5 mil das duas empresas, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – presume a legítima defesa dos policiais mesmo quando eles atuarem em desacordo com o Estatuto. “Não existe possibilidade constitucional de presunção de legítima defesa, ainda mais se baseando no descumprimento da norma legal”, critica Heather Sutton, coordenadora do Instituto Sou da Paz.
Outra proposta, de Nelson Bornier (PMDB/RJ), permite que armas de calibre restrito (com alto poder de fogo), se registradas, possam ser usadas por policiais. “A arma se tornou, mais do que instrumento de trabalho, um fator de sobrevivência”, justifica Bornier no documento. Para Paula Ballesteros, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, as armas, que deveriam ser a última opção no combate ao crime, são o principal instrumento. “Há outras maneiras de enfraquecer os criminosos, como controlar o tráfico de armas e fiscalizar fábricas e lojas”, pontua.
Outros textos em trâmite na Câmara tentam ampliar o acesso da população em geral às armas. Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP) é autor do projeto que permite o porte para quem exerce atividade profissional de risco, para quem mora em locais violentos ou para quem sofre ameaças. Pela proposta, qualquer pessoa poderia pleitear o porte, mas o deputado garante que a intenção não é essa. “Pensei nos que recolhem dinheiro em estabelecimentos comerciais”, garante.
O deputado Aberto Fraga aguarda a aprovação de outro projeto, que autoriza o porte para oficiais de Justiça, fiscais do Ibama e fiscais do Trabalho. Rubens Moreira Mendes (PPS/RO) – que segundo o TSE recebeu na última campanha R$ 60 mil da Taurus e da CBC – usa a falta de segurança para justificar porte de armas para os residentes, trabalhadores e pesquisadores de áreas rurais ou florestais. “É inconcebível a vida ou a execução de trabalhos na região amazônica sem uma arma de fogo”, acredita. O veterinário e deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS) quer liberar o porte para advogados. Taurus e CBC doaram R$ 190 mil declarados para a campanha dele, de acordo com a página do TSE.
A pesquisadora Paula Ballesteros contesta propostas como essas. “Se o fator for insegurança, todo mundo terá uma justificativa. É função do Estado proteger as pessoas. Abrir exceções significa dar a cada um o direito de fazer as próprias regras”, critica.
Em 2006, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Armas apontou que 37% das armas apreendidas em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília possuíam registros, o que indica que, muito provavelmente, tenham sido roubadas. “As pessoas compram uma arma para se defender, mas acabam equipando o crime. Quanto maior a circulação de armas, maior é a possibilidade de elas pararem nas mãos de criminosos”, completa Heather Sutton. O número de registros no Senarm chega a 6,5 milhões, mas estima-se que entre 10 e 17 milhões de armas circulam no País, entre legais e ilegais.
Fernando Gazzaneo/F.Uni