O procurador do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Marinus Marisco, criticou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao artigo da lei que possibilitava ao TCU fiscalizar as contas de sindicatos, confederações e federações.
Segundo o “Jornal Nacional”, Marisco chamou a decisão de retrocesso. “São milhares de sindicatos, milhares de documentos de despesa. Se isso fosse sistematizado pelos sindicatos, naturalmente ficaria muito mais fácil fiscalizar”, afirmou o procurador do TCU.
O veto também foi criticado por especialistas. Para o professor Pedro Serrano, da PUC-SP, “deve ser papel do TCU fiscalizar a aplicação de qualquer verba pública, em especial em entidades que são privadas, mas têm caráter comunitário”.
Segundo Serrano, o ponto central está na obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical. “Qualquer contribuição compulsória do dinheiro das pessoas ao governo é dinheiro público. Seria diferente se fosse pagamento voluntário”, afirma.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que vetou o artigo do projeto de lei que determinava ao TCU (Tribunal de Contas da União) o poder de fiscalizar as centrais sindicais por acreditar que os trabalhadores podem desempenhar essa função –por meio das categorias e entidades sindicais. Segundo ele, sua decisão foi tomada porque, assim, os trabalhadores ficarão resguardados.
“Não tem porque não acreditar que o trabalhador não é capaz de fazer a fiscalização. Por isso que eu vetei. É um mérito da persistência de vocês”, disse o presidente, no encontro que reuniu líderes de diversas centrais sindicais, no Palácio do Planalto.
Em março, a Câmara aprovou o projeto de lei que regulamenta as centrais sindicais. O texto previa que o TCU passaria a fiscalizar o uso do dinheiro arrecadado com o imposto sindical.
“Se nós não tomássemos o cuidado de vetar a fiscalização, eu já fico sabendo em cima de quem e em que momento iria a fiscalização”, afirmou o presidente, na cerimônia, referindo-se indiretamente às ameaças a que estariam submetidos os trabalhadores.
Em seguida, Lula afirmou: “Imagina se a cada vez que chegar uma eleição, uma campanha eleitoral no sindicato, alguém toma a decisão de fiscalizar, quanto nós estaremos tirando do trabalhador o direito de propor em assembléia mecanismo de fiscalização”.
Anteontem, ao anunciar o veto, o presidente contou ter sido influenciado por sua história como sindicalista. “[Quando] vieram me trazer para assinar, eu me lembrei que passei 30 anos da minha vida lutando por liberdade e autonomia sindical, e eu não podia compactuar com o fato de tirar do Ministério do Trabalho e colocar no Tribunal de Contas da União, para ficar fiscalizando o sindicato”, disse.
Opinião
Professor de direito constitucional do Mackenzie, João Antonio Wiegerinck diz que as centrais têm de prestar contas. “À medida em que a União coopera com elas, entendo que o Tribunal de Contas, quando provocado, tem autonomia para uma fiscalização. O que não cabe é punição”, diz.
A avaliação, no entanto, não é unânime. O advogado Marthius Savio Lobato, da UnB (Universidade de Brasília), afirma que quem vai fiscalizar é o próprio trabalhador, os associados de cada entidade.
Ele diz que, em casos de abuso, eles podem recorrer ao Ministério Público do Trabalho.
“A Constituição de 1988 impede a intervenção e interferência nas entidades sindicais, que passaram a ter personalidade jurídica de direito privado. Então, não cabe ao TCU essa fiscalização, porque caracterizaria uma interferência”, afirma. “Apesar da contribuição sindical ser de natureza compulsória, isso não transforma um dinheiro privado em dinheiro público.”
A análise é semelhante à do presidente da CUT, Artur Henrique. Segundo ele, “o dinheiro de que trata o reconhecimento das centrais não é dinheiro público, é dinheiro privado, vem do trabalhador”. A CUT diz que a fiscalização do TCU é inconstitucional, por ser uma “ingerência indevida do governo sobre as entidades”.
Wiegerinck diz que os trabalhadores também podem fiscalizar o uso do dinheiro, mas que essa tarefa cabe a órgãos como o TCU.
Com Folha de S.Paulo