Cerca de 2 mil alunos indignados, universitários e secundaristas, ocuparam a reitoria da UFMT, em protesto contra a adesão imediata ao novo modelo de vestibular unificado. O movimento estudantil impediu, com o protesto, a segunda reunião deliberativa do Conselho Superior de Ensino,
Pesquisa e Extensão (Consepe) de pauta única.
A UFMT tem até a próxima sexta-feira, dia 15, para dar uma posição ao Ministério da Educação (Mec). A reitora afirmou que vai convocar nova reunião do Consepe.
Os estudantes afirmam que vão acompanhar e alegam que, após um grande debate
sobre o assunto realizado no último dia 5, no Teatro da UFMT, articulado pela Associação dos Docentes da UFMT (Adufmat), ficou claro que a comunidade acadêmica ainda tem dúvidas sobre o que será melhor para a sociedade mato-grossense, precisa debater mais e que qualquer posição tomada agora pela instituição será vertical e não contemplará o povo.
Com megafone e faixas, lideranças estudantis cobraram do Conselho, o qual a reitora Maria Lúcia Cavalli Neder preside, democracia real e não a representativa que ignora a voz das bases.
A reitora, sob total pressão, vaiada e chamada de “golpista”, chegou a propor a representação estudantil na reunião. A plenária desaprovou e
resistiu no local, entendendo que o Consepe está instruído a votar com a reitora e que apenas um estudante lá não faria diferença. Maria Lúcia já se posicionou publicamente pró-vestibular unificado. As lideranças estudantis
avaliaram que, se saíssem da sala de reunião, seria inevitável a adesão da UFMT. E fizeram uma contraproposta: sair da sala sim, mas com uma
carta-promessa indicando a data da realização de uma Assembléia Geral Universitária para que todos juntos tratassem de fato democraticamente do assunto. A reitora vetou veementemente a contraproposta e disse que, enquanto for reitora, as entidades representativas é que decidem tudo na UFMT. “Eu suspendo a reunião”, disse ela. Os estudantes, irritados, fecharam
a porta da sala e ameaçaram não permitir a saída dos representantes do Consepe. Mas os conselheiros acabaram entrando na sala em anexo.
Não houve, no entanto, nenhuma agressão por parte dos alunos, nem nada foi destruído na reitoria. Os estudantes disseram no megafone que a intenção ali era cobrar, ideologicamente, que a comunidade seja ouvida.
Perguntado se há a possibilidade da UFMT parar caso o Consepe aprove a adesão ao vestibular unificado, Jelder Pompeo, do DCE da UFMT, disse que “esse foi um primeiro ato, para mostrar que os estudantes não estão parados, mas sim atentos a todas as políticas que estão sendo adotadas pela UFMT e podem sim parar a universidade”.
“Somos contrários, primeiramente, porque não teve discussão. Essa é uma proposta que vem com menos de dois meses e a reitoria já sinalizou que quer aprovar e nós não podemos deixar que isso aconteça, sem debate, até porque o
Reuni foi aprovado ano passado e agora estamos vendo várias medidas que estão piorando nossa vida aqui na UFMT. E agora, mais esse outro decreto, com o mesmo intuito de agravar ainda mais a situação”, defendeu Jelder.
“Somos contra o vestibular unificado porque as federais vão servir apenas a quem tem dinheiro para fazer a mobilidade”, disse ele, se referindo à possibilidade dos candidatos escolherem até cinco instituições e cinco
cursos. “Outra questão é o uso apenas do Enem, porque nós, de Mato Grosso, temos a menor nota do MEC e então temos que ficar preocupados com isso, porque será que vamos ter como concorrer com alunos de outros lugares?”
Para Sidnei Roberto Dias de Carvalho, 18 anos, que faz o primeiro semestre da Computação na UFMT, “a unificação vai trazer o pessoal de outros estados mais desenvolvidos e onde os alunos têm melhores condições”. Ele tem um
irmão de 15 anos que ainda planeja entrar na federal.
Segundo diz, a sua família não tem condições de pagar pela mobilidade, nem para ele, nem para o
irmão.
Luíza Helena da Silva, 17 anos, está no 3º ano e vive a pressão do vestibular. Quer fazer direito na UFMT. “Não sei por que discutir isso tão
rápido. Quero saber ainda sobre uns poréns. Há alguns pontos positivos no novo modelo? Há. Mas há outros negativos”, pondera. “Há muita desigualdade de qualquer jeito”, lamentou.
O estudante de História da UFMT, Luiz Cláudio dos Santos, 19, avalia que o ponto central é a pressa. “Antes de colocar o que é bom e o que é ruim, primeiro temos que garantir a abertura para discussão”.
“Esse novo vestibular não torna o acesso mais democrático como tem sido enfatizado pela reitora e alguns grupos que representam aqui o governo federal”, defendeu o estudante Iran Dias Costa, 27 anos, do curso de Ciências Sociais. “O Reuni foi aprovado dessa mesma forma arbitrária, sem discussão nenhuma”, lembra. Perguntado se o vestibular de hoje é excludente, ele disse que sim. “A meu ver, historicamente a universidade vem se tornando e continua sendo elitista, infelizmente a maioria que chega aqui é filho da
elite e são educados sob uma perspectiva branca e dominante. Pergunte a eles se querem ser torneiros mecânicos e trabalhar em chão de fábrica. Não
querem”.
Jales Hornick, 22, do CA de Economia, explica que “esse ato tem dois temas.
Contra a privatização do RU e para adiar a decisão sobre o vestibular unificado, porque a reitora não puxou a discussão sobre o assunto, quem fez isso foi a Adufmat. A reitora fez sim reuniões só com quem é a favor, na verdade reuniões de campanha pró-vestibular unificado”. Segundo Jales, o ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Federais), antes mesmo de
qualquer debate, já se posicionou a favor do vestibular unificado. “É lógico que eles têm a posição deles e isso é legítimo. Mas também é verdade que eles têm se preocupado em aprovar as matérias de qualquer jeito, sem chamar
os debates”, critica.
A professora de Política da UFMT, Juliana Ghisolfi, avalia que o papel dos professores é exigir a discussão dentro da entidade, coisa que não acontece na UFMT. “Os órgãos colegiados não pautaram o debate, o meu departamento não
pautou. Nós fomos apenas comunicados pela reitoria. E isso é uma prática
aqui na UFMT, da antiga reitoria e que essa nova tem mantido. A não
discussão efetivamente democrática com a comunidade acadêmica e com a
sociedade como um todo, porque afinal de contas trata-se de uma universidade
pública”. Juliana disse que essa é a UFMT que ela conhece. “É um discurso
democrático e uma prática autoritária”.
A representante dos professores associados no Consepe, Maria Luzinete Alves,
na entrada para a reunião do Conselho, avaliou que, após mandar um documento
por e-mail à sua base, percebeu, com as respostas, que há um número pequeno
de professores que diz sim, absolutamente sim; um número pequeno de
professores que diz não, absolutamente não; e grande número de professores
que diz não sei. “Se uma categoria como a dos associados, que é uma mostra
da universidade inteira, demonstra essa dúvida, então significa que a gente
deveria discutir um pouco mais. Isso penso eu”.
A melhor decisão do Consepe, na opinião do professor Roberto Boaventura,
seria por uma não deliberação agora, até porque os debates ocorridos foram
insuficientes por conta do tempo. “Cancelar por hora essa discussão e
fomentar o debate, para que a universidade possa decidir com mais
conhecimento das conseqüências que uma decisão como essa pode causar. Se a
universidade insistir, e a reitora insistir, ela poderá carregar sozinha um
ônus político”. Ele destaca que esse é um momento rico, de mobilização, para
discutir não só a questão do vestibular, mas a Educação de modo geral. “A
UFMT, se adiar essa decisão, apostará na democracia, e a democracia tem um
tempo”.
A reitora, em entrevista a toda a imprensa que cobriu o protesto, disse que
“os estudantes estão no direito deles de protestar, mas, como reitora da
universidade, eu tenho a obrigação de garantir a democracia, que se faz com
a representação nos órgãos colegiados e eu não abrirei mão do espaço
democrático que essa universidade construiu ao longo dos seus 39 anos.” Ela
disse que os estudantes poderiam participar, por representação, “porque é
impossível fazer uma reunião em uma sala com 200 pessoas, os conselheiros
não teriam ambiente para se manifestar, não havia possibilidade acústica
nenhuma, porque é impossível fazer uma reunião com esse ambiente”.
A maioria dos conselheiros, na sala anexa à de reunião após o protesto, não
quiseram dar entrevista. Com exceções.
A conselheira Maria Benício, do Instituto de Educação, perguntada se ainda
falta debate ou o Consepe já está pleno para decidir, ela disse que “na
última reunião deliberou-se que cada representante mobilizaria suas bases
para fazer uma discussão. No meu instituto foi feito. Nós tomamos uma
posição pela adesão, com garantia de 50% das vagas para o Centro Oeste nos
cursos mais concorridos”.
A conselheira Carmem Ortiz, do Instituto de Biociências, avaliou que o
Consepe não deve levar em consideração um protesto feito dessa forma. “Era
impossível de falar”. Segundo ela, houve debate nos departamentos que ela
representa e na área de lazer, promovido pela diretoria do IB. “Tiramos uma
posição pela adesão ao novo modelo, com ressalva”. Ela entende que as
pessoas não conhecem bem o teor da proposta que é maleável.
Para o professor Juacy da Silva, diretor de Imprensa e Divulgação da
Adufmat, justamente esse desconhecimento é que indica para a necessidade do
debate. Na visão dele, o Consepe deve sim levar em consideração o protesto,
já que ficou faltando o debate com a sociedade. Se não houver debate,
segundo ele, qualquer ato pode ser considerado arbitrário. “Protestos como
esse, dos estudantes, são normais numa democracia, em que todos têm o
direito de se manifestar e não houve qualquer excesso. Estamos aguardando a
próxima reunião do Consepe”.