Desde 1997, ano em que o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou uma lei definindo o que é tortura e qual sua punição, agentes públicos estão sujeitos à prisão e perda do cargo caso condenados.
A determinação, porém, não tem sido cumprida, segundo estudo inédito apresentado na abertura do Seminário Internacional sobre a Tortura que começou segunda feira, em São Paulo.
“A Justiça não tem sido imparcial como deveria”, lamenta a coordenadora da pesquisa, a socióloga Maria Gorete Marques, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV). De acordo com o levantamento, apesar da maioria (68%) dos casos de tortura denunciados pelo Ministério Público envolver agentes do Estado, a maior parte das punições (66%) é de agentes privados.
Dos policiais, guardas e agentes penitenciários denunciados por tortura, 76,6% são absolvidos e 23,3% condenados. No caso de agentes privados, a proporção praticamente se inverte: 30% são
absolvidos e 70% condenados. “A abordagem é diferente. Quando se trata de um caso de violência doméstica, por exemplo, a punição costuma ser bastante severa. Quando é uma denúncia contra um agente penitenciário, o tratamento na Justiça é muito diferenciado”, diz
Maria Gorete.
O estudo foi feito com base em processos do Tribunal de Justiça paulista. Procurado pela reportagem, o presidente do TJ-SP, Roberto Antonio Vallim Bellocchi, não se posicionou até o fechamento desta edição.
Violência globalizada Para Cecília Coimbra, presidente do grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, há um movimento internacional a favor da tortura, com forte influência dos Estados Unidos. Recentemente, o presidente do país, George W. Bush, declarou-se favorável ao afogamento como tática para conseguir informações de terroristas. “A tortura está se globalizando. Está nos filmes e seriados, passa a ser vista como algo aceitável”, diz, defendendo que o filme Tropa de Elite, que mostra criminosos sendo mortos e torturados pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) é um exemplo disso. “O filme faz a denúncia sobre a atuação da PM, mas apresenta a questão como se a vida não tivesse nenhum valor. É como se somente algumas vidas pudessem ser vividas. Isso é perverso.”
Por Daniel Santini/F.U