quinta-feira, 21/11/2024
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Sem investigação, grupos armados e ciclos de vingança se fortalecem nas quebradas

um sábado à tarde, dia 26 de agosto, o adolescente Thiago Freire Lima, de 16 anos, foi morto com diversos disparos. O corpo foi deixado na rua entre as casas pobres do bairro Cidade Nova, em Aracaju, capital de Sergipe, que no ano passado ocupou o primeiro lugar no ranking dos estados mais violentos do Brasil. O crime teve características de execução, o que aumenta sua gravidade, já que foi praticado por alguém em busca de se impor à bala naquela quebrada.

Dois meses e meio depois, a polícia não tem pistas sobre a autoria do crime nem sabe dizer por que o jovem foi morto.

Casos semelhantes se repetem nos bairros mais violentos do país – que a literatura especializada chama de hotspots (ou bairros quentes) por concentrarem elevada proporção de homicídios de uma cidade.

Em Alagoas, o segundo estado brasileiro com maior taxa de homicídios em 2016, dois jovens foram assassinados no domingo, dia 27 de agosto, no bairro de Benedito Bentes, em Maceió, que concentra cerca de 30 núcleos de conjuntos habitacionais e se tornou um território estigmatizado pela violência.

Morreram Jonnathan Kleverton Silva de Oliveira, de 24 anos, e Thanydia Milena Costa da Silva, de 21, que, segundo a polícia, foi usada como escudo pela primeira vítima. O departamento de homicídios identificou três suspeitos, mas todos continuam soltos até hoje. Os investigadores apuraram que eles foram executados por disputas de poder no bairro.

Neste segundo superesforço de reportagem, o Monitor da Violência, uma parceria do G1, NEV-USP e FBSP, mostrou como andam as investigações das 1.195 mortes violentas ocorridas no Brasil entre os dias 21 e 27 de agosto – apresentadas numa primeira série de artigos em setembro.

Passados dois meses e meio desses homicídios, ficam claras as dificuldades da investigação de mortes violentas no Brasil. A equipe de reportagem teve acesso a 1.014 inquéritos. Dos que foi possível checar a autoria com a polícia, em 42% houve a identificação de pelo menos um suspeito. Além disso, 15% resultaram em prisões de suspeitos (em flagrante, temporária ou preventiva).

 

À primeira vista, os resultados não parecem tão baixos. O problema ocorre ao longo do caminho, quando o inquérito vira processo e vem à tona a fragilidade das provas produzidas pela polícia e pela perícia, que dificultam a vida do Ministério Público na definição de autoria e no pronunciamento e condenação dos culpados no júri. É uma espécie de funil da impunidade.

Uma pesquisa feita pela socióloga Ludmila Ribeiro, em 2014, sobre os processos de homicídios em cinco capitais brasileiras, mostrou que a demora entre a descoberta do crime e a sentença do júri levava, em média, de 5,3 a 9,6 anos, evidenciando a lentidão desse percurso na Justiça.

No cenário geral revelado pelo levantamento do Monitor, faltam inteligência e capacidade técnica para polícia e Ministério Público identificarem as redes de conflitos que atuam nesses bairros quentes. Os homicídios das grandes cidades brasileiras, principalmente aqueles com características de execução, costumam ser praticados como instrumento de intimidação e de busca de poder nas quebradas.

Como esses casos costumam ser tolerados pelas autoridades, já que envolvem vítimas pobres em bairros distantes, acabam produzindo efeitos perversos nos territórios. Já que os homicidas não são punidos, a vingança acaba sendo estimulada. Em São Paulo, nos anos 90, rivalidades entre jovens de bairros vizinhos, decorrentes de um primeiro homicídio, chegavam a durar dez anos, produzindo inúmeras vítimas, como acompanhei em pesquisa e reportagens.

Grupos se articulam para se defender dos homicidas e também passam a matar para sobreviver. Com o tempo, redes de conflitos se armam para lidar com essas rivalidades. Os homicídios se multiplicam rapidamente, em curvas com perfil epidêmico, como temos testemunhado em diversas partes do Brasil. Nesses hotspots, a Lei do Silêncio – que impede testemunhas de denunciarem ou reclamarem publicamente – e a Lei do Mais Forte passam a oprimir a absoluta maioria da população, que é obrigada a ver seus jovens tombarem diariamente.

Os grupos violentos podem se aglutinar em torno de policiais, que matam em serviço alegando que assim conseguem reestabelecer a ordem; de seguranças privados, que viram espécies de justiceiros e ganham dinheiro com o medo; ou de criminosos, que lutam por mercado ou pela soberania territorial. As milícias no Rio de Janeiro, formadas por policiais, e os grupos armados no México e Colômbia dão a dimensão do risco político de fechar os olhos para esse problema.

 (Foto: Alexandre Mauro/G1) (Foto: Alexandre Mauro/G1)

(Foto: Alexandre Mauro/G1)

Os departamentos de homicídios, por enquanto, têm mais facilidade em identificar crimes mais óbvios, apesar de igualmente graves. Casos de homicídios entre familiares, por exemplo, que muitas vezes contam com a confissão do autor. Quanto mais distante das quebradas e mais próximo dos bairros centrais, maior parece ser o empenho para que a Justiça seja feita.

O trágico roubo seguido de morte de Luiz Eduardo da Silva Rover, de 21 anos, filho do prefeito de Vilhena, em Roraima, José Luiz Rover, foi um exemplo. O crime ocorreu no dia 25 de agosto. No dia 31 de outubro, Lucas Rodrigues Ramos, acusado pelo latrocínio, foi condenado a 28 anos de prisão.

Algumas circunstâncias proporcionaram a agilidade da Justiça – mesmo deixando de lado o peso político da vítima. O autor do crime foi flagrado por um militar da reserva logo depois do assassinato. Além disso, como a morte ocorreu depois de um assalto, o caso não precisou ser levado a júri popular e a sentença pode ser dada pelo juiz de primeira instância da Vara Criminal do Estado.

Falta a mesma vontade política para o grosso dos casos que se concentram nos bairros quentes brasileiros. Identificar as redes que fazem a engrenagem de conflitos girar. Focar a inteligência e a perícia técnica nesses lugares e entender essas dinâmicas é um dos caminhos para derrubar as taxas de homicídios no Brasil.

Bruno Paes Manso é jornalista e pesquisador do NEV-USP-FonteG1

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