Análise leva em conta perspectiva dos setores em fechar postos de trabalho e repassar custos no valor final dos serviços e produtos
O país pode ver a inflação oscilar caso a desoneração da folha de pagamento aos 17 setores que mais empregam não seja prorrogada. A análise de especialistas consultados pela reportagem leva em conta o cálculo de empresas e centrais sindicais afirmam que, sem a continuidade da medida, há previsão de fechamento de 1 milhão de postos de trabalho e aumento no preço final dos serviços e produtos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até esta quinta-feira (23) para decidir se sanciona ou veta o projeto.
“De fato, tanto os empregos estarão ameaçados quanto os custos das empresas vão se elevar. De uma forma ou de outra, toda a economia nacional sofrerá o impacto dessa mudança: as empresas terão que cortar custos para equilibrar as contas, podendo haver redução no número de empregados e aumento no valor dos produtos, que pressionará a inflação”, avalia o economista Werton Oliveira.
A elevação dos preços ao consumidor final, segundo Oliveira, traria como efeito a curto prazo um aumento da inflação. Por outro lado, com as demissões gradativas, haveria uma diminuição do poder de compra dos brasileiros em um segundo momento, diminuindo preços, mas trazendo prejuízo ao crescimento econômico.
O efeito do veto sobre a inflação será dúbio. De um lado, com o avanço da taxa de desemprego, boa parte da população ficará sem poder de compra. Com uma menor demanda na economia, os preços geralmente caem. Porém, por outro lado, com o aumento nos custos da folha de pagamentos, as empresas vão repassar rapidamente para o mercado. Dessa forma, enquanto o primeiro efeito leva um tempo maior para se verificar na economia, o segundo é visto com maior rapidez.
WERTON OLIVEIRA, ECONOMISTA
O economista e pesquisador da Universidade Federal da Paraíba Bruno Bezerra Silva também prevê aumento de inflação a curto prazo. A oscilação, no entanto, representa uma consequência negativa à economia.
“Considerando que há a expectativa de um aumento na taxa de desemprego e que os desafios para o funcionamento das empresas em dias não letivos aumentariam, espera-se que isso afete negativamente o desenvolvimento econômico”, afirma.
Como funciona?
A desoneração possibilita ao empregador optar por substituir a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários pela incidência sobre a receita bruta da empresa. Em vez de o empresário recolher 20% sobre a folha de pagamento do funcionário, o tributo pode ser calculado ao se aplicar um percentual sobre a receita bruta da empresa, que varia de 1% a 4,5%, a depender do setor.
A contribuição não deixa de ser feita, apenas passa a se adequar ao nível real da atividade produtiva do empreendimento. Em outras palavras, as empresas que faturam mais contribuem mais. Com isso, é possível contratar mais empregados sem gerar aumento de impostos.
Se a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia não for prorrogada até 2027, 1 milhão de vagas de emprego podem ser perdidas, segundo levantamento feito por associações, entidades de classe e sindicatos. A quantidade corresponde a 1.023.540 postos abertos de janeiro a junho de 2023, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Geração de empregos
A cada 10% de desoneração da folha de pagamento, estima-se um aumento de 3,4% dos empregos formais. A conclusão é de um estudo de 2021 da Fundação Getulio Vargas (FGV) com base em números do então Ministério da Economia. O levantamento do governo federal analisou o impacto da redução de custos trabalhistas na geração de postos de trabalho.
Os setores da economia contemplados com a desoneração da folha de pagamento registraram crescimento na geração de empregos superior ao de áreas que não são atendidas pela medida. Segundo levantamento feito com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), de janeiro de 2018 a dezembro de 2022 as atividades incluídas na desoneração contrataram ao menos 1,2 milhão de trabalhadores, ao passo que os demais setores abriram 400 mil postos de emprego.
Quando a medida entrou em vigor, 56 setores eram contemplados, mas o ex-presidente Michel Temer (MDB) sancionou, em 2018, uma lei que removeu 39 segmentos do regime. A medida valeria até 2021 e foi prorrogada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). A atual desoneração acaba no fim deste ano.
As desonerações geram bastante empregos, principalmente, aos setores de comércio e serviço, principais empregadores. Ao retirar, as empresas vão rever algumas contratações e isso vai trazer prejuízo à economia. Por isso, a manutenção da medida é essencial nesse momento.
CARLOS EDUARDO SOARES DE OLIVEIRA JUNIOR, ECONOMISTA E PRESIDENTE DO SINDICATO DOS ECONOMISTAS NO ESTADO DE SÃO PAULO (SINDECON-SP)
Um veto interrompendo a desoneração, neste momento, representa um “grande risco de impactos negativos no mercado de trabalho”, é o que sustenta o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo.
“A sobrevivência dos setores deve ser levada em consideração neste momento. Se o presidente vetar, o Congresso tem poder de derrubar o veto, mas o problema maior é exatamente a questão do prazo. Essas idas e vindas prejudicam o planejamento das empresas”, analisa, ponderando que a medida da desoneração é provisória e há necessidade de uma revisão tributária para todos os setores.
Entenda
O objetivo da desoneração é aliviar parcialmente a carga tributária. A medida está em vigor desde 2011, e o projeto de lei prevê a manutenção do regime fiscal até 2027. A matéria foi aprovada pelo Congresso e aguarda sanção do presidente Lula.
São incluídos os seguintes setores: calçados, call center, comunicação, confecção, construção civil, construção de obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
R7