Descrevendo as difíceis condições de seus homens e cobrando equipamentos novos, o general Augusto Heleno Ribeiro, ex-chefe das tropas das Organização das Nações Unidas no Haiti, e atual comandante do Exército na Amazônia, defende que a região precisa de mais atenção do resto do País e diz que o risco de internacionalização da floresta deve ser levado a sério. Ele cobra investimentos e revela que seus homens ainda usam fuzis de 1964.
1 – Qual a situação do Exército na Amazônia?
Temos um efetivo aproximado de 25 mil militares e basicamente duas estratégias: a presença, com 28 organizações militares, e a dissuasão, baseada na nossa capacidade de combate e intervenção. Temos o melhor combatente de selva do mundo. Nossos soldados e cabos são locais e totalmente adaptados. A selva só é aliada de quem a conhece bem. Para quem não é íntimo pode haver surpresas desagradáveis.
2 – O Exército tem controle da fronteira?
São 11,5 mil quilômetros, quase cinco vezes a fronteira do México com os Estados Unidos e com características de selva em grande parte dela. Thomas Shannon (secretário-assistente de Estado norte-americano) admitiu que nem mesmo eles conseguem controlar totalmente a fronteira. Isso com toda tecnologia e meios que têm. Para nós é muito difícil, mas hoje temos um sistema de vigilância bastante efetivo e nossas organizações estão nas calhas dos principais rios penetrantes. Do ponto de vista militar, é eficiente. Do ponto de vista de controle de tráfico e entrada de armas temos que melhorar muito. Mas aí não é só com o Exército. A presença da Polícia Federal, do Ibama, da Receita Federal e do Incra precisa aumentar.
3 – É necessário aumentar o efetivo?
Todo mundo sempre quer mais homens, mas hoje essa não é a prioridade. Não adianta aumentar o
efetivo e agravar os problemas. Na selva, isso significa servidão logística, custa caro. Aspiramos equipamento modernizado e meios de transporte com agilidade e flexibilidade compatível com a Amazônia. O que queremos, o mais rápido possível, é que as promessas de reaparelhamento sejam cumpridas.
4 – Como está o equipamento hoje?
Temos alguns pontos que merecem consideração. Nosso fuzil é de 1964. Temos deficiências de energia e sérios problemas de transporte. Há pelotões que não têm luz e outros que não têm água potável.
5 – Como o comando brasileiro avaliou a crise diplomática entre Colômbia e Equador?
Ao avaliar o problema chegamos à conclusão que o incidente tinha sido longe da fronteira, envolvia dois países amigos e que não haveria reflexos no território nacional. Diante da postura do governo brasileiro, que, de acordo com nossas tradições históricas, entraria como poder moderador, com diplomatas competentes nesse tipo de crise, preferimos não movimentar tropas, não criar nenhum estado de alerta para não colocar lenha na fogueira. Mas é um sinal amarelo. Seria imprudente achar que o Brasil, com a estatura estratégica que possui, não vá precisar respaldar decisões e interesses com um poder militar compatível com sua expansão no cenário militar.
6 – Existe o risco de haver bases das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) no Brasil e do País sofrer invasão semelhante a que aconteceu no Equador?
Não. Temos controle da nossa faixa de fronteira. Não se instala uma base de uma hora para outra. Isso seria percebido e, qualquer detecção, as minhas tropas iriam neutralizar.7 – O general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, ex-comandante militar da Amazônia,
sempre alertou para o risco de internacionalização da região. Ainda há esse perigo?
Sim e acho que isso tem que ser levado a sério. Há hoje uma teoria intervencionista que justifica certas ações pelo mundo. É preciso atenção. Ainda somos bastante precários em termos de conhecimento de potencial na Amazônia. Sem dúvida é uma área cobiçada e precisa de presença para que haja o desenvolvimento sustentável. A sociedade precisa escolher entre o desenvolvimento sustentável ou um crescimento aleatório em que o ilícito é comum e admitido.
8 – Como está a questão do índio?
É o maior problema da Amazônia. Não há uma unidade de pensamento. As opiniões e doutrinas em relação ao trato são as mais diversas possíveis. É algo que também precisa ser tratado com muita urgência.
9 – As organizações não-governamentais (ONGs) ajudam ou atrapalham?
Muitas fazem um trabalho muito meritório e importante, mas há também várias que são organizações de fachada, de gente que não tem nenhum compromisso com o Brasil. É preocupante o que existe por trás de muitas delas. Elas são organizações que substituem o Estado. Diante do potencial da Amazônia, causa estranheza o número de ONGs na região. Nós não temos nenhuma relação direta com elas, mas é lógico que, se a atuação passar a interferir com problemas de segurança nacional, isso começa a nos preocupar. Se alguma ONG começa a questionar a presença das Forças Armadas e pregar a exclusão de alguns territórios do País, é problema nosso.
10 – Sua experiência comandando as tropas da ONU no Haiti ajuda na Amazônia?
Foi uma experiência pessoal e profissional fantástica, mas as condicionantes são bem diferentes. A Amazônia é uma enorme extensão de terra com um potencial incalculável em que há problemas sérissimos. E a solução depende da vontade do povo. É apaixonante porque a gente respira Brasil dia e noite. Tenho a esperança de ver a Amazônia desenvolvida de forma sustentável.
Por Daniel Santini/F.U