Para enfrentar as drogas e a violência, São Paulo implementou a internação compulsória e o Congresso discute a redução da maioridade penal.
Na visão do ex-presidente colombiano César Gaviria, essas políticas são inócuas e estão na contramão de experiências bem-sucedidas.
Ele é um dos três ex-presidentes da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. A iniciativa inclui Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Ernesto Zedillo (México) e defende medidas como o fornecimento controlado de drogas pelo Estado para diminuir o lucro e o tamanho do narcotráfico.
Gaviria, 66, fala de cátedra. Seu governo (1990-1994) enfrentou os cartéis de Cali e Medellín. Em seu mandato, o narcotraficante Pablo Escobar foi morto.
Folha – Pesquisa recente do Datafolha revela que o envolvimento de um jovem da família com drogas é o principal temor entre os moradores de São Paulo, com 45% do total. Isso o surpreende?
César Gaviria – Não me surpreende. Esses números são consequência de uma política que todos os latino-americanos e os EUA já observam por várias décadas, e o que temos para mostrar são apenas fracassos.
O Brasil tem de olhar as experiências europeias de menor dano e começar a tratar como problema de saúde, e não como um tema criminoso. E tentar desmontar o imenso tamanho desse negócio, que o transforma em um problema de segurança tão grave.
Ainda que seja fácil pensar numa solução autoritária, isso não resolve. Basta ver o que está acontecendo nos EUA, onde as pessoas estão votando em massa pela legalização da maconha.
Mas no Brasil o problema crescente tem sido o crack. Não há diferença na hora de lidar com um droga muito barata e mais viciante?
O que o Brasil tem de fazer é olhar Portugal, onde podemos observar o que há de melhor no mundo para enfrentar esse problema.
Portugal decidiu, anos atrás, tratar isso como um problema de saúde pública. Qualquer consumidor pode chegar a um hospital e receber atenção, tratamento, prevenção. E tem sido uma política bem-sucedida, que tem reduzido a violência, a corrupção e que permite ao Estado enfrentar problemas de vício como o do crack.
O que o Brasil faz, em contrariedade com toda a América Latina, Europa e Estados Unidos, é começar o caminho de criminalizar mais o consumo ou de pensar que enfiar mais pessoas na prisão vai resolver os problemas. Obviamente, é preciso combater os cartéis. Mas é possível apoiar os consumidores no sistema de saúde.
A internação compulsória é uma solução?
É uma política que se presta a todo tipo de abuso de direitos humanos. A China está abandonando por causa de enorme quantidade de abusos. Por que não olhar Portugal, onde não passou pela cabeça o tratamento compulsório? É preciso apoiar as pessoas a partir do sistema de saúde, para que não tenham medo de ir a hospitais.
O tratamento compulsório é uma má ideia e quem olhar a experiência internacional concluirá que os resultados são ruins.
Mesmo com relação ao crack?
O principal problema no crack, e se viu há pouco nos EUA, onde a diretriz está sendo retificada, é que termina sendo uma política terrivelmente discriminatória contra afro-americanos e pobres. Ser mais duro com o crack do que com as outras drogas só serve para enormes discriminações e para que pobres e negros acabem nos presídios.
O Brasil voltou a discutir a redução da maioridade penal. Qual é a sua posição?
Essas decisões não servem para nada. A única coisa que funciona são políticas integrais. Temos experiência na Colômbia. Medellín chegou a ter 300 mortes por 100 mil habitantes. Isso é mais do que qualquer guerra civil, é dez vezes a taxa do Brasil. Saímos por meio de trabalho social, tratamento integral. As empresas da cidade criaram fundações para levar educação e saúde aos meninos.
É possível transformar um assassino de 14 anos num bom cidadão se a sociedade se mobiliza para fazê-lo. Esses problemas não mudam com leis, mudam quando a sociedade decide resolver.
É o que as pessoas do Rio e de São Paulo têm de fazer. Se todas as empresas se dedicarem, verão como esses meninos sairão da violência.
Dói em mim ver o que está ocorrendo no Brasil, pensando em soluções tão contraindicadas e alheias ao que está acontecendo no mundo.
O sr. defende a administração de doses pequenas de droga. Como funcionaria?
Dou um exemplo. Na Suíça, há muitos anos, se fez um grande esforço para que as pessoas deixassem a heroína. No entanto, para os viciados que não foram capazes de abandoná-la, se a pessoa tem uma vida produtiva, o Estado fornece a morfina, e ela vai trabalhar todos os dias.
A sociedade tem de ser prática. Esses programas não podem ser administrados com moralismo e preconceito.
É melhor que o Estado forneça as drogas aos viciados que não se recuperam e não respondem ao tratamento do que ter meninos assaltando pelas ruas do Rio e de São Paulo para conseguir dinheiro e assim comprar drogas.
Por que o sr. prefere falar em regular em vez de legalizar?
Legalizar é uma palavra que expressa cansaço, um rechaço à política. Mas o que precisamos fazer é regular, porque obviamente só se vai permitir o acesso às drogas a pessoas de certa idade, em certas condições, com os controles necessários.
A regulação é algo que chegará aos EUA em breve, enquanto o Brasil começa o caminho contrário, ao insistir numa política fracassada.
A política brasileira para as drogas está defasada?
Esse tratamento compulsório do qual o Brasil está se aproximando não é o caminho do Uruguai, da Argentina, da Colômbia, do Peru.
O Brasil está começando a tomar o caminho do autoritarismo ao usar uma legislação de 2005, que parecia razoável, mas que os juízes aplicam de tal maneira que o que fizeram foi multiplicar a população carcerária. E isso não está levando a lugar nenhum. Alguns Estados dos EUA condenam jovens a até sete anos de prisão por consumir maconha, mas 60% dos presos de lá fumam maconha. Qual é o sentido de destruir a vida de uma pessoa para que ela inche as prisões e faça a mesma coisa?
Folha de São Paulo
FABIANO MAISONNAVE