quinta-feira, 21/11/2024
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Quem são os padres brasileiros denunciados por abusos sexuais citados no filme candidato ao Oscar Spotlight

Aos 19 anos, P.H. não quer relembrar os abusos que sofreu aos 14. Coroinha de uma igreja em Franca, no interior de São Paulo, afirma ter sido molestado pelo padre José Afonso Dé. Procurado pela reportagem de ISTOÉ, disse que precisaria “rezar” antes de decidir se daria entrevista. “É um assunto de más recordações”, limita-se a responder. Dé foi condenado em 2011 a 60 anos e oito meses de prisão pelo estupro de nove adolescentes. Ao recorrer, garantiu sua liberdade enquanto espera o julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, sem previsão para acontecer. O advogado do religioso, José Chiachiri Neto, afirma que Dé foi acusado por crimes que não cometeu, que só fazia brincadeiras como se fosse tocar nos órgãos genitais dos jovens. Afastado da igreja, o sacerdote recebe fiéis em casa, faz evangelização de casais e dá aulas de religiosidade. Depois de depor contra o padre, P.H. prefere o anonimato para evitar a dor. O caso de Franca é um dos quatro citados nos últimos minutos de projeção do filme candidato ao Oscar “Spotlight: Segredos Revelados”, que retoma os escândalos envolvendo padres pedófilos em Boston, nos Estados Unidos (leia mais no quadro ao lado). A cidade aparece numa lista com outras cem ao redor do mundo em que foram abertos processos judiciais contra sacerdotes, incluindo outras três brasileiras: Mariana (MG), Rio de Janeiro e Arapiraca (AL). Escândalos de repercussão nacional, as investigações contra padres dessas localidades levaram a uma absolvição e três condenações de réus que recorreram em liberdade, entre eles Dé. Um cumpriu pena de prisão.

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“Não sei se é oportuno mexer nesse latão de lixo”, afirma o padre Gino Nasini ao ser questionado sobre o assunto, para na sequência encerrar a conversa. Nasini é o autor de um dos únicos estudos brasileiros sobre o tema, publicado em 2001, que mostra que em 65% das dioceses a orientação é transferir o sacerdote envolvido em situações de má conduta sexual. “Era só o que se fazia, transferir o padre, até que as histórias de Boston foram denunciadas. Agora o acusado responde judicialmente”, afirma o religioso dominicano Frei Betto, referindo-se à história de “Spotlight”. Mas os casos que chegam à Justiça ainda são uma exceção entre os milhares acobertados pela Igreja Católica durante décadas. Desde o pontificado de João Paulo II (1978-2005) e principalmente no de Bento XVI (2005-2013), o manto do sigilo foi tirado à força e histórias de abusos de crianças por homens ditos religiosos vieram à tona. O papa alemão, inclusive, teria renunciado também para que seu sucessor tivesse energia para combater essa chaga dentro de suas fileiras. Francisco criou uma comissão específica, trata do assunto publicamente, mas nada mudou até agora. Além da omissão do Vaticano, a morosidade dos processos denota falta de rigor com a legislação. “Casos com vítimas crianças e adolescentes deveriam seguir o princípio constitucional da prioridade absoluta”, afirma Ariel de Castro Alves, fundador da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Alves também afirma que os tribunais de Justiça levam em média dois anos para julgar uma apelação. Nos casos brasileiros, salvo o que houve cumprimento de pena, essa espera já leva pelo menos cinco anos.

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Bonifácio Buzzi, de Mariana, foi o único a ser preso definitivamente por abusar sexualmente de um menino de 10 anos. Em depoimento, a criança afirmou que Buzzi praticou sexo oral nele e lhe deu R$ 5 para que ficasse em silêncio. Em outra situação, pagou mais R$ 3 e repetiu a prática. Condenado em 2004, ficou foragido e foi preso em 2007, ao terminar de celebrar uma missa em um asilo em Barbacena. Cumpriu pena até 2015. Antes disso, foi condenado em 13 anos de prisão domiciliar em 1995 por abusar de dois meninos de 5 e 10 anos. 

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Em 2007, no Rio de Janeiro, o padre polonês Marcin Michal Strachanowski começou a trocar mensagens de tom sexual com um rapaz de 16 anos, segundo depoimento do próprio jovem. As investidas culminaram na cena que um juiz carioca descreveu posteriormente como “masmorra erótica”, expressão que repercutiu mundialmente. Segundo o relatório de maio de 2010 em que se justifica a prisão preventiva de Strachanowski, ele algemou o rapaz a uma cama na casa paroquial e fez sexo oral nele. O mesmo documento afirma que o padre “fazia uso de sua autoridade de sacerdote” e ameaçava o adolescente. Nos autos do processo, o polonês admite ser gay e ter fotos e vídeos de relações sexuais entre homens, mas afirma nunca ter praticado o ato com ninguém. O caso foi encerrado em novembro do mesmo ano e Strachanowski foi absolvido. Procurada, a Arquidiocese do Rio de Janeiro esclarece que “nada foi comprovado e ele retornou à Polônia”. 

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Em outra denúncia no Rio de Janeiro, em Niterói, o padre Emilson Soares Corrêa foi indiciado em 2013 pelo Ministério Público por abuso sexual de uma jovem de 13 anos. Ele responde a processo criminal e está afastado de suas funções sacerdotais, de acordo com a Arquidiocese de Niterói. Na última cidade da lista, Arapiraca, segunda maior de Alagoas, apesar da condenação de três padres em 2010 e da repercussão nacional, os processos estão parados, segundo o promotor de Justiça Alberto Tenório de Vieira. A história foi divulgada por uma rede de tevê aberta, que teve acesso a um vídeo em que um dos sacerdotes fazia sexo com um adolescente. A denúncia foi feita por três rapazes. Um deles afirmou ser abusado desde os 9 anos. Disse também, em meio à CPI da Pedofilia, em 2011, que era coagido a dormir no mesmo quarto que um dos sacerdotes e fingia estar dormindo enquanto era beijado e acariciado nos órgãos genitais. Monsenhor Luiz Marques Barbosa foi condenado a 21 anos de prisão e os padres Edílson Duarte e Raimundo Gomes, a 16 anos e quatro meses. Foi a primeira vez que o Vaticano reconheceu um caso brasileiro de abuso sexual contra jovens. Os três acusados recorreram em liberdade. Gomes, porém, morreu em 2014, ao sofrer um AVC.

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Ao relembrar a história, o promotor Vieira, que acompanhou a acusação desde o começo, salienta a situação de vulnerabilidade das vítimas. “Eram menores carentes, os pais procuraram refúgio espiritual e colocaram os filhos como sacristãos na igreja. Em troca disso, tinham um futuro bancado”, diz. Coincidentemente, em um diálogo do filme “Spotlight”, essa mesma nuance é ressaltada quando traçado o perfil social dos menores abusados pelo padre John J. Geoghan nos Estados Unidos, desde 1974. Lá, foram quase 30 anos para que o criminoso fosse punido.

Consultada sobre os escândalos de pedofilia envolvendo o clero brasileiro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não respondeu à reportagem até o fechamento desta edição. Das arquidioceses inquiridas, só a do Rio de Janeiro e a de Niterói se manifestaram. Três especialistas em religião ligados à Igreja foram procurados e também se negaram a comentar. Sem qualquer apoio eclesiástico, aqueles que se vêem em uma situação de abuso também se calam. Em “Spotlight”, muitas vítimas decidiram contar suas histórias como maneira de expurgar o trauma. Por aqui, o único caso de um depoimento aberto foi Marcelo Ribeiro, autor do livro “Sem Medo de Falar – Relato de Uma Vítima de Pedofilia” (Companhia das Letras). O empresário de 50 anos consegue falar dos abusos sofridos com detalhes. Diz que começaram aos 11 anos, quando dormia em um alojamento com outros colegas do coral católico do qual participava. Acordou no meio da noite, olhou para trás e viu o maestro, um padre, na mesma cama que ele fazendo sinal de silêncio. Notou a calça do pijama abaixada. Sem entender o que acontecia, voltou a dormir. Coagido pelo poder que o sacerdote representava, acreditava que o certo era obedecê-lo. Foi estuprado pelo padre João Marcos Porto Maciel desde os 13 e quase diariamente entre os 15 e 16 anos, até que decidiu cortar sua ligação com a igreja. Afastado do sacerdócio, Maciel é investigado pelo Ministério Público desde 2014 por crimes de abuso contra crianças que teria cometido nos últimos anos, processo cuja abertura foi incitada pelo relato de Ribeiro. “Há muitas histórias como a minha, mas ninguém quer falar. A pessoa vai denunciar padres por que, se nada é feito?”  

 

 

FONTE:SiteISTOÉ

Camila Brandalise (camila@istoe.com.br)

 

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