O diabetes atinge cerca de 14 milhões de brasileiros, ainda assim, quase metade da população desconhece que a doença pode causar cegueira nos pacientes. O levantamento foi feito pela Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV) e divulgado na manhã desta quinta-feira (3).
Foram entrevistadas quatro mil pessoas, sendo que 45% daquelas que não têm diabetes ou algum familiar com a doença desconhecem a relação do problema com a perda de visão. Já entre os diabéticos e parentes de pacientes, 57% nunca ouviram falar em retinopatia diabética (RD) e edema macular diabético (EDM), duas complicações que podem levar à cegueira.
Ambas são causadas pelo aumento do açúcar no sangue, resultado de um diabetes não controlado. A RD pode causar borrões e áreas escurecidas no campo de visão. Já o EDM afeta a região central da retina, que dá nitidez e foco às imagens, podendo gerar manchas na visão, distorção das imagens, fotofobia, diminuição do contraste e da visão de cores, além de alterações no campo de visão.
Foi o que aconteceu com a estudante Luciana Mangini Martines, de 31 anos. Ela descobriu a doença aos dez anos, fazia o acompanhamento com oftalmologista, mas deixou de realizar o exame de fundo de olho, que pode detectar o EDM, por dois anos, mesmo sabendo que já estava a um passo de desenvolver o problema.
Em uma manhã, quando tinha 20 anos, acordou com a visão embaçada. Ela colocou os óculos, que já usava por conta de uma miopia, mas ainda não conseguia enxergar. Assustada, correu para o hospital. O tratamento para conseguir estabilizar ou reverter o quadro começou em seguida, mas, por um ano e meio, a estudante ficou praticamente cega. Um dos olhos tinha apenas 5% de visão. A vida da pessoa muda completamente.
Luciana não conseguia mais se maquiar, andar sozinha na rua, já que não conseguia identificar buracos, elevações ou obstáculos e até mesmo a faculdade de medicina precisou abandonar porque não conseguia estudar.
Tratamentos
Chefe do serviço de retina do Hospital das Clínicas de São Paulo, Dr. Sérgio Pimentel explica que há vinte anos o único tratamento disponível para o edema macular diabético era um procedimento com laser, mas, hoje, já existe a possibilidade de injetar medicamentos diretamente no olho.
O especialista explica que o problema do laser é que ele não consegue reverter a perda de visão, apenas estabilizar. Já no caso da injeção, com um tratamento intensivo que costuma ocorrer por dois anos, é possível haver também ganho de visão.
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Foi o que ocorreu com Luciana. Após trocar duas vezes de tratamento, ela pode recuperar grande parte da visão com um novo medicamento e, hoje, até enxerga melhor que a própria mãe. Às vezes, ela me pede para ler algumas coisas com letras pequenas, brinca a estudante que, agora, tem 60% de visão em um dos olhos e 80% no outro.
A nova terapia usada pela estudante, com a substância aflibercepte, foi recentemente aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não é uma realidade no sistema de saúde público. Entre os três medicamentos disponíveis para o tratamento, o Hospital das Clínicas ainda têm o de menor custo. Nós recebemos três frascos por mês, conseguindo 150 doses, mas o número de pacientes é imenso. A gente não dá conta, afirma Pimentel, que também acredita que falta investimento na área.
 
Negligência médica
A pesquisa da SBRV também constatou um grande problema que ocorre dentro dos consultórios médicos. De acordo com 38% dos entrevistados com diabetes ou familiares de pessoas com a doença, seus endocrinologistas nunca pediram o exame de fundo de olho. Além disso, 10% nunca passaram por um oftalmologista durante o tratamento, e 49% declaram ter tido um diagnóstico tardio dos problemas na visão.
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O maior problema é que, mesmo com o mais novo tratamento, ainda não é possível reverter o quadro de perda de visão caso a doença já esteja muito avançada. A falta de investigação por parte do médico pode dificultar o diagnóstico porque os sintomas da retinopatia diabética e do edema macular diabético podem ser confundidos com outros problemas oculares ou até mesmo melhora de alguns quadros. Além disso, alguns pacientes só costumam perceber as complicações quando já estão em fase avançada.
Paulistanos são os que mais sabem
A SBRV ouviu brasileiros de oito capitais: Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, São Paulo, Brasília e Salvador. Diferente do restante da população, os paulistanos foram os que mais mostraram conhecimento sobre os riscos oculares decorrentes do diabetes.
Quase 90% dos moradores de São Paulo sabem que a doença pode levar à cegueira. A perda de visão é a complicação mais temida por 45% dos paulistanos diabéticos ou com familiares com diabetes, mas, na contramão deste medo, 56% nunca ouviram falar em RD ou EDM.