Quando chove, o rio Cuiabá fica triste
Personificação de um rio que pede socorro
Quando chove, o rio Cuiabá fica triste. E a tristeza do rio se justifica, quando as águas da chuva que vem de todos os cantos da cidade trazem consigo embalagens de plástico, garrafas pets, latas e todo o lixo que o homem é capaz de jogar na rua ao invés de jogar nos locais apropriados.
A ação humana é capaz de transformar a chuva em evento pernicioso para o rio que tanto anseia por novas águas, por renovação, por vida. Os reflexos do lixo que desemboca no Rio Cuiabá são gradativos e silenciosos. Os pescadores ribeirinhos são os que mais percebem as conseqüências da poluição trazidas pela água da chuva que ao invés de trazer vida para o rio, traz lixo.
Dona Ana pesca nas margens do Rio Cuiabá para manter o sustento da família. Moradora do bairro Despraiado, a senhora de 62 anos apresenta nas mãos os traços de luta e sofrimento, e na bolsa de pesca cheia de iscas, a esperança de dias melhores com muito peixe no anzol. A pescadora afirma que a dificuldade de conseguir peixe aumenta a medida que o lixo desemboca no rio. “A gente vê de tudo boiando nessas águas. Quando chove é uma tristeza só. O lixo vem e os peixes somem. Hoje é mais difícil conseguir pesca boa”, afirma.
Decoada urbana
O período chuvoso explicita todo o lixo que é jogado pelo homem e que desemboca no rio Cuiabá, causando efeito nocivo a qualidade de vida do rio. As conseqüências da poluição se assemelham ao processo natural de decoada que influencia na oxigenação dos peixes.
Decoada é um termo popularmente usado para denominar o ciclo das águas e a vegetação que nasce no período de seca nas margens do rio. A decoada acontece quando ás águas do período de cheia invadem as margens, a vegetação que fica submersa se decompõe produz uma matéria orgânica que é capaz de consumir todo o oxigênio dissolvido na água. Este fenômeno prejudica a respiração dos peixes, causando até a morte.
A vital diferença é que a “decoada urbana” é causada por ações humanas de maneira inconsciente e irresponsável. Para a engenheira sanitarista da Sanecap, Vânia Tarcila Borges, os bueiros de Cuiabá entopem constantemente devido ao acúmulo de lixo urbano. “Nós encontramos de tudo nos bueiros. Vai desde garrafa pet e sacola a objetos de plásticos que deveriam ser jogados no lixo. A falta de conscientização da população se explicita em atitudes como jogar objetos e utilidades de higiene pessoas em vasos sanitários ao invés de colocar no cesto de lixo”.
A engenheira afirmou que o lixo que é recolhido nos bueiro e nos canos de esgoto ainda pode ser retirado, o que evita chegar até o rio. O problema, segundo Borges, é o lixo que vai junto com o esgoto que não é tratado e desemboca no rio Cuiabá in natura. Cerca de 70% do esgoto de Cuiabá não é tratado, o que piora a qualidade de água do rio.
Projetos de auto-promoção
A poluição do rio da capital mato-grossense dá margem a todo tipo de ações beneficentes que mobilizam práticas simbólicas de proteção ao rio. Com campanhas que mais beneficiam os agentes idealizadores, a poluição passa a ser um aliado nas campanhas eleitorais.
Estratégias de retirada de lixo das águas, matérias jornalísticas de denuncia e ações de reposição de peixes vindos de tangues despertam simpatia da população e garantem votos nas eleições.
O vice-presidente da Federação dos Pescadores de Mato Grosso, Carlos Jesus, afirma que muitas ações de preservação só disfarçam o problema da poluição, mas não resolvem. “Muitas pessoas aparecem aqui na beira do rio, se dizem protetoras da natureza e acham que jogar peixes de tanque no rio vão salvar as nossas águas. A ação promove mais essas pessoas do que a importância da preservação”
O representante da Federação também afirma que as ações governamentais dedicam muitos recursos para projetos turísticos como implementação de muretas nas encostas do Rio Cuiabá do que para a conservação ambiental.
Um Termo de Cooperação Técnica visando a recuperação de Áreas de Preservação permanente degradas (APP’s), no Rio Cuiabá foi assinado no dia 12 de novembro entre a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) ,Ministério Público de Mato Grosso, Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), Instituto de Terra do Estado de Mato Grosso (Intermat), Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural (Seder) e a organização não governamental Ação Verde.
Declaração Universal dos Direitos das Águas
“A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão, é plenamente responsável aos olhos de todos.” Este é o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos das Águas redigida pela Organização das Nações Unidas em 22 de março de 1992.
A responsabilidade sobre a preservação deste recurso natural é de todos, o que não isenta poder público nem a população. A necessidade de medidas efetivas para salvar o Rio Cuiabá da ação humana com atos banais como jogar lixo pela janela do carro é urgente, porém não fundamental para garantir que pescadores como a Dona Ana do bairro Despraiado tenha o seu sustento.
Os relatos de pescadores que percorrem o rio em busca de lugar melhor para a pesca são os mesmos: só se encontra lixo nas águas. O diretor da Colônia de Pescadores de Cuiabá, Agnaldo Costa, afirma que muitos pescadores tem que deixar o serviço de lado para retirar lixo da água. “Tem pescador que vai pescar com sua canoa e volta com ela toda cheia de lixo que o povo joga na rua e não quer saber pra onde vai”. Costa comenta que a população deve se sentir parte do processo de revitalização do rio Cuiabá para que os resultados positivos possam aparecer.
A preocupação das comunidades ribeirinhas estão refletidas no documento da ONU que apresenta dez artigos com sugestões e informações que servem para despertar a consciência ecológica da população e dos governantes para a questão da água.
De acordo com o documento, a água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.
MARCELA BRITO