Experimentos de teatro, dança e intervenção urbana prometem exercitar empatia e sustentabilidade, além de denunciar violências
Dez grupos de dança e teatro já se espalham por praças, parques e equipamentos culturais de Cuiabá dando início à residência artística que vai promover uma ocupação inteligente dos espaços públicos da cidade. As propostas foram selecionadas pelo projeto Arvinte – Artes em Residência 2020, idealizado pelos artistas e produtores culturais Caio Ribeiro e Luiz Marchetti e contemplado no edital FUNDO/2019 da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo.
A iniciativa surge como uma forma de democratizar o acesso a arte, aproximando população e artistas no processo criativo de montagem de espetáculos. O ciclo de apresentações dos trabalhos começa a partir do dia 28 de março e termina em 16 de abril. Os experimentos de teatro, dança e intervenção urbana prometem exercitar práticas como a empatia e sustentabilidade, bem como denunciar violências contra corpos e populações marginalizadas.
“Nos colocamos no lugar de todos, de como um projeto poderia ser articulado a ponto de atender todas nossas demandas. E assim, pensamos em expandir nossas ações”, explica Luiz Marchetti.
Ao seu lado, Caio Ribeiro ressalta que os artistas estarão amparados em várias frentes. “Desde a criação até a exibição dos trabalhos. Com som, iluminação, palco, tudo que for necessário. Sem contar que a residência é um espaço de troca. E acima de tudo, com a oportunidade que o Arvinte está criando, novos trabalhos artísticos estão sendo gerados e logo poderão tomar os palcos de todo o país”.
Cada um deles escolheu um local na capital para realizar seu trabalho. Isso significa que grandes espaços de circulação de público serão tomados por ações artísticas e assim, o cotidiano da cidade será transformado.
Da imersão criativa às apresentações, os artistas participarão também de oficinas de capacitação, palestra, laboratórios e ensaios abertos que em sequência culminarão em exibições ao público. Ao final, ainda terão em mãos, um catálogo impresso.
No cronograma da Arvinte há ações de conversas, chamadas Arvinte Diálogos, abertas para toda a comunidade.
A primeira acontece no dia 15 de março, com Martihê Azevedo, doutora em Artes Cênicas e Mestre em Cinema pela ECA/USP e pesquisadora associada do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO/UFMT).
No dia 21 de março eles se reúnem também, em um bate-papo sobre história do processo criativo no Brasil, com Johana Albuquerque. Ela é diretora, atriz, produtora e pesquisadora teatral e pós-doutora pela ECA/USP, em Pedagogia da Encenação.
Conheça um pouco mais dos dez grupos selecionados:
1. Brincando de reciclar com o Siminina
Brincar reciclando – ou reciclar brincando – também é fazer arte. Essa foi a proposta dos bonequeiros do grupo SpectroLab para o Arvinte. A ideia é entrar no plano pedagógico de um projeto social durante a residência para trabalhar conscientização ambiental, desenvolvimento artístico e, como resultado, reunir a criançada em cena.
Para isso, a atriz Millena Machado e o ator Douglas Peron vão ensinar crianças a dar formas animadas a diversos materiais descartados e recolhidos pelos artistas desde 2018. A experiência deve culminar em uma intervenção urbana no Parque das Águas, onde os artistas encontraram um espaço propício para tratar da questão do lixo e ciclo d’agua em Cuiabá.
2. Transformando o olhar em dança
O grupo Diamond Dance Crew quer levar seus bailarinos para as ruas e transformar em jogos de dança expressões e trejeitos de quem passar por eles. Tudo na base do improviso, da criatividade e leitura subjetiva do indivíduo comum. Trata-se de um exercício de olhar o outro e interpretar o diferente.
A residência será realizada no Espaço Mosaico, Centro, até ocupar o Parque da Nascente, no bairro Morada do Ouro. O espaço recém-criado pela Prefeitura de Cuiabá também contempla bairros periféricos da região, como Tancredo Neves, Centro América, Bela Vista e Carumbé.
3. Experimentando o número 3
A ideia do trabalho conjunto entre a bailarina Elka Victorino e as atrizes Tatiana Horevicht e Juliana Capilé surgiu com a participação das três artistas em festivais e residências internacionais, na Dinamarca e no Cabo Verde, em oficinas sobre treinamento do ator/bailarino.
Depois de compartilhar experiências com artistas do mundo inteiro, o número três começou a “persegui-las”, brincam. Tal geometria que simboliza frutificação, poder, multiplicidade, interação social e unidade entre mente, corpo e espírito irá guiar as imagens e ações do espetáculo como nome provisório “Tríade”.
4. Um grito contra o feminicídio na Praça Alencastro
“Contidas Nunca Mais” é o primeiro espetáculo do núcleo de mulheres do grupo Cena Livre de Teatro. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma esquete criada pelo grupo, que escolheu como tema a menopausa precoce e refletiu sobre a interrupção do ciclo feminino pelo estresse da sociedade patriarcal.
Na residência, que ocupará a Praça da Alencastro, a ideia do núcleo, atualmente composto por sete mulheres, é desenvolver o terceiro ato da peça que conta com dramaturgia coletiva. “Queremos avançar na pesquisa sobre a mulher trans e pensar em como incluí-las nessa abordagem”, explica.
5. Denúncia à violência doméstica nas lentes e no palco
“Coió” passará por residência no Centro Audiovisual Luiz Marchetti (Calm), a morada do Arvinte. O trabalho, que teve exibição única no local, nasceu do encontro entre os atores Caio Ribeiro e Douglas Peron, e foi criado a partir de situações de violência doméstica sofridas pelas mães dos artistas que ecoaram na vida de todos das famílias. O espetáculo também conta com depoimentos de mulheres que vivem em casa de amparos em Cuiabá, vítimas de violência.
6. Uma vida provisória no Clube Feminino
“Vida Provisória” é um monólogo encenado pela atriz Edilaine Duarte, que transformará o Clube Feminino em seu próprio lar durante a residência, realizada em parceria do coletivo Coma a Fronteira.
A dramaturgia será composta por relatos pessoais da jovem sobre família, relacionamentos amorosos, nascimento, violência e descoberta de suas origens.
7. A história de um mundo livre contada no Pedra 90
O “Conto do Vigário”, escrito por Luisa Lamar, ia originalmente para o Youtube. Mas com a oportunidade da residência artística, a história de um mundo onde todos eram livres e não havia distinção de gênero, nem de sexualidade, será apresentado aos moradores do Pedra 90 por meio da contação de histórias e do movimento de corpos não-binários.
Na praça central do bairro, enquanto Luisa narra o conto, a amiga e atriz Raphaelly Luz, ambas travestis e acadêmicas, performará a narrativa sobre o desejo de se viver livremente.
8. Desanestesiando os sentidos no Centro Histórico
Na correria do dia-a-dia, detalhes da cidade e populações invisíveis passam despercebidos aos nossos olhos. O Theatro Fúria quer então desanestesiar os sentidos, a partir de um laboratório realizado pela dupla Péricles Anarkos e Carolina Argenta no entorno do Misc e região do Beco do Candeeiro.
Durante a residência, eles querem desenvolver a experiência junto a outros artistas interessados, que resultará em uma intervenção urbana de performances. “A finalidade é perceber como e por que empobrecemos nossas percepções em relação ao mundo que vivemos e a nós próprios”.
9. A história do invisível menino gordo
Em “O Invisível Menino Gordo”, cantora e atriz HendSantana protagonizará a história de um menino índio e gordo que abandona sua aldeia e seu pai em busca de alimento e fartura para o seu povo. A dramaturgia é inspirada em um mito contato por diversas tribos da América Latina e também deve ser desenvolvida e encenada no Misc.
A partir da dramaturgia, o projeto vai colocar em cena questões afro-indígenas, fazendo um paralelo entre Cuiabá e o Brasil da escravidão. A peça de teatro também deve misturar outras linguagens artísticas, como a música e o audiovisual.
10. Um tour pelo inferno
Como é possível se levantar depois de uma violência? Como encontrar forças para (re) existir? Sensibilizados pela história do garoto que foi morto pelo pai por lavar louça, o diretor Einstein Halking e o bailarino Michell Charlles pretendem buscar respostas na criação de um solo de dança que mistura diferentes estilos, como o jazz, streetdance, stiletto e voguing.
Para idealizar o espetáculo “/Mic_hell” – traduzidos por Einstein como um “tour pelo inferno” – eles entrevistaram mulheres negras, gays, lésbicas e transexuais que já foram vítimas de violência física, verbal e mental. Essas histórias irão ganhar corpo e movimento com a ocupação do Museu de Imagem e Som de Cuiabá (Misc).