Maior exportadora de carne de frango do mundo, com mais de 100 mil funcionários e presença em 150 países, a BRF viu seu gigantismo e liderança se apequenarem na segunda-feira 5, quando foi deflagrada a operação Trapaça. Terceira fase da Carne Fraca, ação coordenada pela Polícia Federal em parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a Trapaça investiga um esquema de fraudes em exames laboratoriais para burlar a fiscalização de alimentos com a finalidade de exportá-los para países com maior rigor sanitário. Laudos falsos escondiam traços de contaminação por salmonella, bactéria que pode ser nociva quando presente em alimentos não cozidos. Com 53 mandados de busca e apreensão, 27 de condução coercitiva e 11 mandados de prisão temporária, os policiais levaram preso o presidente da BRF na época da fraude, Pedro Faria, e o ex-diretor-vice-presidente Hélio Rubens dos Santos Júnior. Em um dia, as ações da BRF caíram 20% — o que fez seu valor de mercado cair R$ 5 bilhões.
A operação Trapaça coloca em xeque a capacidade de recuperação da BRF. “O problema é que a empresa está no meio de um turbilhão, com um Conselho de Administração prestes a ser inteiramente modificado”, avalia Tavico Pereira, estrategista-chefe da Guide Investimentos. “Só uma gestão eficiente será capaz de absorver esse impacto e reverter seus resultados”, afirma. As dificuldades da BRF vão muito além das irregularidades de higiene sanitária. A primeira fase da operação Carne Fraca, em março de 2017, teve uma abrangência muito maior: prejudicou não apenas a empresa como todo o setor. Para reverter os danos causados, as empresas precisaram ser mais transparentes do que nunca: “Todo esforço foi feito para fazer chegar a informação correta ao mercado. A transparência foi a arma”, diz Francisco Turra, presidente-executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal. Mas enquanto a concorrência crescia, a BRF continuava afundando. Em 2017, a receita com a exportação de frangos do setor como um todo cresceu 5,70% na comparação com o ano anterior. No mesmo período, a BRF seguiu registrando prejuízos, que somam R$ 1,5 bilhão desde 2016.
De acordo com especialistas, o centro do problema está nas decisões equivocadas tomadas pelo Conselho de Administração da BRF, encabeçado por Abílio Diniz, que assumiu a presidência em abril de 2013. Entre elas está a demissão de funcionários, a mudança da relação com os produtores de frango e suíno e, principalmente, do encurtamento do período de estoque de milho e soja, que derrubaram os resultados da empresa.
Se os problemas de gestão da BRF tiveram data de início, agora eles têm data para acabar. Pelo menos essa é a esperança de quem investiu em seus papeis. A Assembleia Geral Extraordinária que irá discutir a substituição do Conselho de Administração da BRF será em 26 de abril. A reunião foi marcada na própria segunda-feira 5, quando Abílio Diniz e o Conselho se reuniram para atender a um pedido enviado pela Petros (fundo de pensão dos funcionários da Petrobras) e pela Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), acionistas que detêm, respectivamente, 11,41% e 10,66% em ações da BRF. No pedido, enviado por carta no sábado 3, os acionistas propuseram uma nova chapa para concorrer aos cargos do Conselho.
Seja quem for os novos mandachuvas da BRF, uma coisa é certa: eles terão de lidar com uma crise a mais, uma vez que o Ministério da Agricultura paralisou as exportações de três frigoríficos da BRF para 12 destinos, o que certamente desencadeará uma nova queda em suas receitas. Um dos principais investidores da BRF ouvido pela reportagem afirma que o mercado externo será a maior dificuldade da empresa. Apesar dos escândalos, suas marcas são muito fortes. “A Sadia e a Perdigão souberam construir uma história racional e emocional com seus consumidores, antes mesmo de sua fusão”, diz Ricardo Klein, sócio da consultoria de marca TopBrands.
Para Ana Lucia de Alcântara Oshiro, especialista em branding há 40 anos e autora do livro “Reputação – Norma, Ativo, Confiança e a Gestão Virtuosa Integradora”, a gestão será o ponto-chave para a reconquista da reputação da BRF. “A maioria das marcas se preocupa com a projeção de imagem positiva, mas muitas vezes não consegue influenciar em seu modelo administrativo”, diz ela. “Em uma empresa de capital aberto, o valor do ativo depende do sentimento de confiança”. É isso que as marcas Sadia e Perdigão correm o risco de perder caso seus controladores não corrijam os rumos da empresa de uma vez por todas.
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