Antes de Portugal, três das mais bem cotadas seleções que disputam a Copa do Mundo da África do Sul haviam sucumbido na Cidade do Cabo. França, Itália e Inglaterra não conseguiram vencer seus jogos no charmoso estádio Green Point. Mas a equipe de Cristiano Ronaldo destruiu essa sequência. Nesta segunda-feira, despachou a zebra norte-coreana com uma vitória por 7 a 0, a maior goleada do Mundial, a sexta maior da história das Copas, e cumpriu a promessa feita pelo técnico Carlos Queiroz:
– Estamos acostumados a enfrentar as tormentas do Cabo da Boa Esperança – afirmou o treinador lusitano na véspera da partida.
Queiroz se referia ao fato de o navegador português Bartolomeu Dias, em 1488, ter vencido o mar agitado do Cabo descobrindo uma nova rota para o oriente. Um toque de erudição do comandante português.
Cristiano Ronaldo também comprovou sua teoria. Depois de dois anos sem fazer um gol sequer pela seleção em jogos oficiais, o astro desencantou. Os gols saíram como ketchup para Portugal, como ele havia comparado.
– Podem demorar a sair, mas vêm todos de uma vez – frisou, para minimizar o jejum.
Portugal chega a quatro pontos no Grupo G, dois a menos que o Brasil. Na próxima sexta-feira, as seleções se enfrentam em Durban, às 11h (de Brasília). Os brasileiros vão jogar pelo empate para ficar em primeiro da chave. Em caso de derrota, os portugueses só perdem o segundo lugar se forem superados no saldo de gols pela Costa do Marfim, que tem um ponto e vai enfrentar os norte-coreanos também na sexta. Os marfinenses precisam tirar uma diferença de dez gols para não depender dos critérios de desempate. A Coreia do Norte está eliminada.
Cinco zagueiros, quatro cães de guarda no meio-campo e um homem de frente. Pela disposição tática, a Coreia do Norte que enfrentou o Brasil de portas fechadas na estreia deu a entender que usaria a mesma fórmula contra Portugal. E assim foi nos primeiros dez minutos, momento em que os lusos se mostraram mais determinados e ansiosos para decidir. Bem aberto pela esquerda, Cristiano Ronaldo teve dois novos companheiros de ataque. Danny e Liedson deram lugar a Simão e Hugo Almeida. Coube ao astro do Real Madrid tomar a iniciativa, aos dois minutos. Uma arrancada, chute de canhota sem muita força, atrapalhado pela marcação. Norte-coreanos pareciam brotar do campo quando o craque tocava na bola, e as vuvuzelas nunca foram tão ensurdecedoras na Cidade do Cabo.
Ricardo Carvalho foi quem chegou mais perto e mais longe. Primeiro, recebeu passe na área, sem marcação, e isolou. No lance seguinte, aos seis, o goleiro Myonge Guk saiu de forma atabalhoada para cortar o escanteio, e o zagueiro cabeceou na trave.
A Coreia do Norte passou a jogar bola. Surpreendentemente, articulou jogadas, tentou ser criativa e ousada. Assustou de verdade em chutes de longa distância. Jong Hyok, Yong Hak, Tae Se, o “Rooney asiático”, e o camisa 10 Yong Jo . Todos tentaram e chegaram a dar trabalho ao goleiro Eduardo. Seria inspiração em 1966? Na Copa da Inglaterra, nas quartas de final, os norte-coreanos abriram 3 a 0 contra Portugal, mas sofreram uma virada histórica, 5 a 3, que faz do jogo um dos clássicos daquele Mundial.
Desta vez não haveria sustos. Além do ataque, o técnico Carlos Queiroz mudou a lateral e o meio-campo de Portugal. Miguel substituiu Paulo Ferreira na direita, e Deco deu lugar a Tiago na armação por conta das dores nas costas. Tiago foi preciso. Em jogada bem trabalhada, o meia espiou e lançou Raul Meireles na área. Em ótima condição, o volante surpreendeu os marcadores, bateu forte e rasteiro para abrir o placar. A torcida portuguesa voltou a se animar, apesar da chuva e do frio.
Se a bola não chegava na esquerda, Cristiano Ronaldo foi buscá-la na direita. Com as tradicionais pedaladas, o luso tentou dar arrancadas, teve vontade, chutou a gol, mas sem sucesso. Os portugueses tentaram ampliar, e Raul Meireles por pouco não fez mais um. Após sobra de bola na área, ele bateu firme, mas a bola se perdeu pela linha de fundo.
Lusos passeiam, e Cristiano Ronaldo encerra jejum
Os cães de guarda do técnico Kim Jong Hun foram muito bem comportados no primeiro tempo. Correram atrás dos adversários sem fazer uma falta sequer. Os portugueses fizeram dez. Na etapa final, preferiram os gols. Um atrás do outro. Começou com Simão. Aos oito minutos, Hugo Almeida foi lançado por Miguel na entrada da área, deixou com classe, de calcanhar, para Raul Meireles, que achou Simão livre para ampliar. Sozinho, na cara do gol, ficou fácil: 2 a 0.
Pelo lado esquerdo Fábio Coentrão e Cristiano Ronaldo deitaram e rolaram. Era o caminho para construir a goleada. Pobre Jong Hyok. Nas costas dele saíram mais duas jogadas fatais de Portugal. Aos nove, Coentrão avançou e cruzou na cabeça de Hugo Almeida: 3 a 0. O quarto teve a participação e o talento de Cristiano Ronaldo, três minutos depois. A arrancada pela esquerda, em alta velocidade, deixou o marcador tonto. O passe, rasteiro e preciso, encontrou Tiago no entrada da área para concluir.
Cristiano Ronaldo. Como o craque da seleção pode ficar dois anos sem fazer um gol sequer em jogos oficiais? Um incômodo e cruel jejum. Ele não marcava desde a Eurocopa de 2008, contra a República Tcheca. Aos 25, uma bomba de direita, de fora da área, viajou até encontrar o travessão norte-coreano. Sorriso aberto após o lance, mas, no fundo, ele estava ansioso. Tanto que tentou logo depois. Bateu cruzado, e o goleiro defendeu. Até Liedson, que entrou na parte final, deixou o dele. Aos 35, aproveitando um vacilo da zaga adversária, o atacante mostrou oportunismo dentro da área e disparou, sem chances para Myonge Guk: 5 a 0.
Mas Ronaldo não deixou de tentar. Aos 42, dividiu com o goleiro, dominou a bola sem querer na nuca, no estilo foquinha, e empurrou para o gol. Gol do alívio do craque. Tiago ainda fez o sétimo. A maior goleada da Copa é de Portugal.