“A vagina é um portal poderoso de autoconhecimento, e o seu cheiro é um, dentre muitos de seus elementos, que nos comunicam sobre nossa saúde”, diz especialista.
As pessoas sabem. Mas, ao mesmo tempo, é um pouco difícil explicar e definir qual cheiro ela tem. Existem muitas tentativas de comparações e a busca por palavras mais delicadas, digamos assim, para descrevê-la O fato é que nada disso ajuda muito. O cheiro é o natural. Cheiro de vagina mesmo. “A vagina é um órgão que possui um odor característico e ele é particular de cada mulher, podendo variar ao longo da vida”, explica a ginecologista Samyra Coutrim.
De acordo com ela, há diversos fatores que justificam um cheiro que pode ser considerado “estranho”. “Esse odor se deve principalmente ao fato de ser um local úmido, já que a região íntima da mulher possui uma secreção natural que vem do processo constante de descamação pelo qual as paredes vaginais e o colo do útero passam”, explica a especialista. “Ele se deve também à presença de alguns microorganismos, como fungos e bactérias, que atuam na defesa imunológica da região e que levam o nome de ‘flora vaginal’.”
O HuffPost Brasil conversou com ginecologistas e especialistas em saúde da mulher para explicar por que é importante prestar atenção ao cheiro da vagina, o que faz com que ele varie ao longo do ciclo menstrual ― e da vida ― das mulheres e como este odor pode traduzir o que seu corpo está querendo dizer.
Quais são as variações naturais do cheiro “naquele lugar”
Ao longo do ciclo menstrual da mulher e da fase da vida, os odores da região da vagina podem mudar – e isso é considerado normal e é esperado que aconteça. Bárbara de Paula, doula, educadora sexual e multiplicadora da ginecologia autônoma, explica um pouco dessas mudanças.
“Durante a ovulação, o corpo produz mais feromônio, aquele hormônio sexual que intensifica o cheiro do corpo para impulsionar a atração sexual de outros indivíduos. Isso significa que na nossa ovulação, nossa vagina tem um cheiro mais forte e afrodisíaco. E, pasmem, esse cheiro não é de florzinha, frutinha ou sabonete químico; é o cheiro de xoxota mesmo”, diz.
Além disso, durante o período menstrual o cheiro também irá mudar. “Já na menstruação, o odor é mais forte porque o muco cervical e o sangue da descamação endometrial se misturam, e podem começar a sofrer um processo de necrose e decomposição rapidamente, dando-lhe um cheiro característico”, completa Barbara. Coutrim completa que, nessa fase, por conta da presença do sangue, pode ocorrer uma maior atividade das bactérias da vagina “deixando o odor um pouco mais forte do que o que consideramos normal”.
Por fim, Barbara também explica que a fase da vida da mulher pode influenciar. “A menopausa altera os hormônios, fazendo com que a reduzida quantidade de estrogênio torne o pH vaginal mais ácido, intensificando o cheiro.”
O que o odor na sua vagina pode significar
O cheiro e as alterações dele são, muitas vezes, considerados normais e esperados. No entanto, especialistas explicam a importância de conhecer esses momentos. “A mulher pode reparar que o odor vaginal muda perto do período menstrual, por exemplo. E devido aos hormônios o odor pode mudar ao longo da vida”, afirma o obstetra Paulo Noronha.
Assim, conhecendo essas fases e mudanças, a mulher pode reparar em outros “sinais” do corpo para saber se alguma alteração pode estar fora do esperado.
“A vagina é um portal poderoso de autoconhecimento, e o seu cheiro é um, dentre muitos de seus elementos, que nos comunicam sobre nossa saúde, fertilidade e bem estar”, explica Souza. ”É importante prestar atenção em tudo que a vagina utiliza para nos comunicar informações importantes: cheiro, fluidos, textura, temperatura, tamanho (sim, o tamanho do canal vaginal vai variando ao longo do ciclo), e até mesmo o gosto!”, explica a especialista.
A vagina é um portal poderoso de autoconhecimento, e o seu cheiro é um, dentre muitos de seus elementos, que nos comunicam sobre nossa saúde, fertilidade e bem estar.Bárbara de Paula, doula e educadora sexual
Mas os especialistas ressaltam que, em alguns casos, um cheiro que pode ser considerado diferente pode ser, sim, o sintoma de alguma questão de saúde.
“Alterações agudas do odor habitual da vagina podem estar associados a infecções”, explica Coutrin. ”Na maioria das vezes as infecções vaginais também vem acompanhadas de ‘corrimento vaginal’ e alterações de cor e consistência variados da secreção, bem como sintomas tipo coceira, ardência ou dor durante as relações.É o que podemos ver em infecções tipo candidíase, Trichomoniase e vaginose bacteriana”, aponta.
Para a ginecologista, quando a mulher identificar essas alterações é importante observar outros fatores e, se for o caso, procurar um médico para avaliação e encaminhamento adequado. Noronha também destaca esse ponto: “É importante que a mulher preste atenção no seu corpo, se toque, perceba os odores. Porque daí ela pode entender o que é normal e o que não é”.
Fatores externos que podem alterar o odor da vagina
Além da fase do ciclo e da vida da mulher, existem alguns fatores não biológicos que podem causar alteração do cheiro da vagina. “É importante a mulher perceber que a alimentação e os seus hábitos também influenciam no odor vaginal”, explica Coutrin. Entre eles, ficar muito tempo sem trocar a calcinha, usar roupas apertadas, permanecer com peças úmidas por muito tempo, ingerir açúcar, farinha, leite e derivados em excesso.
De Paula destaca ainda a influência do uso de absorventes descartáveis. “É importante ressaltar que os absorventes descartáveis aumentam o cheiro vaginal durante a menstruação, pois suas camadas de plástico abafam a região, causando transpiração e proliferação de fungos e bactérias. Isso além de conter dioxina, uma substância que causa uma proliferação endometrial, ou seja, aumenta o nosso fluxo menstrual, o que também intensifica o cheiro.”
Influência de produtos químicos no cheiro da vagina
Fora os fatores naturais e os hábitos já mencionados, há ainda outros fatores que podem afetar o cheiro e a saúde da região íntima feminina. Os conhecidos sabonetes específicos para a vagina, ao contrário do senso comum, não são indicados por todos os profissionais.
“A vagina é um órgão com pH ácido e o controle dessa acidez é feito de maneira muito eficaz principalmente pelos lactobacilos que vivem na região e protegem de infecções. Desse modo, não existe necessidade de usarmos produtos especiais para limpeza da região íntima”, aponta Coutrin, que afirma que àgua e sabão neutro são suficientes para a higiene diária.
Ela ainda destaca o cuidado para o uso indiscriminado desses produtos. “Excesso de química pode agredir a mucosa vaginal, que é bastante sensível, e levar ao surgimento de alergias e até mesmo processos inflamatórios”, mesma visão de Paulo sobre o tópico. “O uso indiscriminado de sabonete íntimo pode alterar o ph vaginal e favorecer o aparecimento de doenças”.
A educadora sexual também acredita que não há uma necessidade de uso de produtos para lavar a vagina e questiona a motivação para isso.
“Esses produtos inibem a produção de feromônios e constroem um conceito artificial sobre o que é um cheiro ‘bom’. Lembremos que o cheiro também é uma construção social”, afirma. “Se ainda há indicação para o uso desses produtos, é porque temos uma indústria que se alimenta da insegurança das mulheres e da patologização de nossos corpos para a acumulação do capital.”
Tabus e desconforto
Para os especialistas, a discussão sobre o cheiro da vagina só existe porque foi criado um padrão sobre o que seria um cheiro bom ou ruim.
“Muito dessa crença vem do patriarcado e da repressão dos processos femininos, que também nos levam a associar a menstruação a algo sujo ou vergonhoso”, avalia Coutrin. “Axilas e outras regiões do corpo possuem um cheiro particular que é oriundo, inclusive, da produção hormonal e que não vai ser um ‘cheiro de flores’ e nem por isso é sinal de que algo está errado.”
Se insisto em ‘negar’ ou ‘esconder’ o que é natural do meu organismo enquanto mulher, eu me torno escrava de um padrão inalcançável.Samyra Coutrin, ginecologista e obstetra.
De Paula também destaca fatores sociais e históricos para a existência de certo desconforto sobre essa questão. “A vagina vem sendo objeto passivo de violências, estigmas, mitos e maus-tratos. [Isso] em favoreceu o conceito de que a sexualidade feminina é meramente reprodutiva, que sangue menstrual é contaminante, que ciclicidade hormonal é histeria e que vulva é feia e fedida”.
Um caminho para lidar melhor com essa questão é buscar informações e orientação adequada sobre o assunto e sobre o próprio corpo. Especialistas concordam que o autoconhecimento é a chave para perceber quais odores e secreções são naturais ou não.
“Quando temos consciência sobre o que é natural, conseguimos identificar precocemente alterações que precisam ser tratadas. Se insisto em ‘negar’ ou ‘esconder’ o que é natural do meu organismo enquanto mulher, eu me torno escrava de um padrão inalcançável”, finaliza Coutrin.
Ana Ignacio
HuffPost Brasi