m esquema descoberto em escolas particulares no Recife transformou adolescentes que estão no ensino médio em especialistas em apostas. Alunos formam grupos em redes sociais, entram em sites especializados em disputas esportivas, escolhem os jogos dos quais querem participar e formalizam as participações. O caso já começou a ser investigado pela Polícia Civil de Pernambuco, que informou ter detectado o problema em, pelo menos, 16 instituições das Zonas Norte, Sul e Oeste.
De acordo com a denúncia do pai de um dos alunos envolvidos, há casos de adolescentes que forjam assaltos para vender o celular para poder pagar as dívidas. “Já teve menino que vendeu as coisas que pegou em casa e outro que chegou a roubar a própria mãe e a tirar dinheiro da carteira dos pais para poder pagar o débito. Tudo isso em consequência do vício lá no jogo que tá infiltrado dentro dos colégios”, conta o denunciante.
Ainda de acordo com o responsável, o filho chegou ao ponto de não conseguir pagar o que apostava. “Fui surpreendido por ele, quando chegou a um patamar de débito que ele não conseguia mais pagar. Ele estava envolvido com as apostas e, quando chegou a um valor mais alto, que ele não tinha condição, veio pra mim para poder revelar e informar que estava precisando desse dinheiro pra pagar a banca”, diz, referindo-se à quantia de R$ 3 mil.
Segundo o denunciante, depois que a aposta é formalizada, o pagamento só pode ser feito em dinheiro. Em cada um dos grupos, há um banqueiro e cambistas, todos estudantes do ensino médio. Há apostas a partir de R$ 2 e o comprovante de pagamento é enviado ao apostador.
A produção da TV Globo entrou em um dos grupos, apostando R$ 30 em jogos de futebol. Um cambista marcou o horário e o local para fazer o pagamento e, no local combinado, um adolescente com uniforme escolar recebeu o dinheiro.
Os adolescentes gerenciam tudo, desde a captação dos apostadores ao pagamento aos ganhadores, passando pelo recebimento de dinheiro de apostas e do oferecimento de quantias a quem não teve recursos para jogar. Os que não pagam recebem ameaças.
De acordo com a denúncia do pai de um dos envolvidos, o dono de uma das bancas tem intimidado os adolescentes. “Ele vai até a porta dos colégios e para a casa dos meninos também”, revela.
Delegado Joselito do Amaral é o chefe da Polícia Civil de Pernambuco (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)
Investigação policial
Desde o início das investigações, a Polícia Civil ouviu quatro adolescentes e dois pais. Dois aliciadores foram identificados. “Um deles é um universitário do Centro de Tecnologia de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que cooptou esse adolescente de um dos colégios da Zona Norte do Recife. A partir daí, foram rastreadas suas contas bancárias”, pontua o chefe da corporação em Pernambuco, Joselito do Amaral.
Em um dos depoimentos, um adolescente, que atuava como banqueiro, explicou que mantinha um livro caixa com a movimentação do mês inteiro. Ele disse, ainda, que o gerente da banca recebia todo o dinheiro arrecadado com as apostas e distribuía as comissões.
Grande somas
Amaral informou que, em uma semana, o movimento é de R$ 50 mil. O banqueiro recebe R$ 5 mil e cada um dos cambistas fica com 10% desse valor, o que dá R$ 500 por cambista. Em um mês de quatro semanas, o banqueiro ganha R$ 10 mil. Segundo o policial, cada banqueiro tem cinco cambistas.
O chefe da Polícia Civil disse, ainda, que quando ganha a aposta o estudante recebe uma parte do prêmio. “Por exemplo, o menino que deveria ganhar R$ 500 numa aposta, recebe R$ 150. Ou seja, 30% do valor do prêmio. O restante do dinheiro fica com o gerente da banca”, completa
Punições
Após as denúncias, a Polícia Civil procura os adultos envolvidos, que devem responder por crimes como corrupção de menores, associação criminosa e ameaça. Quanto aos adolescentes, eles podem ser considerados mais do que vítimas, segundo a corporação.
“Também podem ser infratores, podem estar cometendo atos infracionais e vão responder conforme o que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente”, explica o delegado Darlson Macedo, gestor do Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA).
A polícia também investiga a responsabilidade dos colégios. “Fica bem claro que a responsabilidade, quando da matrícula e do contrato formal pela prestação de ensino, inclui a diligência sobre o aluno. Então, é razoável que todos os colégios tenham sobre seus alunos o total domínio do que anda ocorrendo”, afirma o chefe da Polícia Civil de Pernambuco, Joselito do Amaral.
Apostas feitas por estudantes no Recife são pagas em dinheiro (Foto: Reprodução/TV Verdes Mares)
Presa fácIL
Para o professor de psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luciano Moreira, o adolescente vira uma presa fácil se não estiver inserido num ambiente de acolhimento e diálogo, na família e na escola, favorável para construir sua autonomia.
Segundo ele, assim, os jovens se sentem protagonistas e autores das suas próprias vidas. "Muitas vezes, esse protagonismo é frágil, porque não existe um ambiente de diálogo que pode promover uma autonomia mais fortalecida, onde o jovem pode decidir e perceber o que está acontecendo. Perceber que está sendo usado e que está dentro de um esquema virtual, onde ele é uma peça, um objeto, para um adulto, um terceiro”, comenta.
Diante disso, o professor acredita que esse tipo de esquema só será banido se a família e a escola atuarem juntas e mais próximas aos adolescentes. “Essa aproximação é fundamental para perceber os sinais de que há algo errado. O afastamento ou mesmo coisas materiais como aparecer com itens que estão além do seu poder próprio de aquisição podem ser percebidas, mas elas dependem do diálogo entre pais, mães, filhos e filhas”.
Além de denunciar o esquema no âmbito criminal, é de extrema importância que esse jovem seja ouvido e instigado pelos pais a refletir sobre o que o levou a integrar o grupo de apostas e o que ele pensava estar fazendo.
“Obviamente, isso tem que ser tratado nos canais policiais, mas é preciso acolher e fortalecer os laços que vão permitir pensar sobre o que está acontecendo e superar. É possível que seja necessário um cuidado terapêutico”, conclui Luciano Moreira.