quinta-feira, 21/11/2024
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Pesquisa mostra o processo migratório de Mato Grosso presente na pintura e poesia

As belezas e diversidades de Mato Grosso são temas constantes de poesias e pinturas dos artistas locais, sejam de Cuiabá ou do interior. As obras mostram que poesia não é só para falar de amor, nem quadros só para serem peças de museu. O projeto Transculturação e poéticas contemporâneas: traços identitários da cultura de Mato Grosso, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso [Fapemat], da pesquisadora Adriana Lins Precioso, da Universidade do Estado de Mato Grosso [Unemat], Câmpus de Sinop, tem o intuito de mostrar essas peculiaridades e avaliar os aspectos transculturais de artistas mato-grossenses.

 
Os resultados preliminares serão apresentados no V Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa [Simelp], de 8 a 11 de outubro, em Lecce, sul da Itália. O Simelp congrega estudiosos da Língua Portuguesa de todo o mundo no que se refere à divulgação, ao ensino e à pesquisa nas áreas da Língua, da Linguística, da Literatura, da tradução e da cultura. O projeto de literatura da pesquisadora analisa os artistas Aclyse de Mattos [Cuiabá], Pedro Casaldáliga [São Félix do Araguaia], Marilza Ribeiro [Cuiabá], Marli Walker [Sinop], Santiago Villela Marques [Sinop], Lucinda Persona [Cuiabá] e Luciene Carvalho [Cuiabá]. Já nas artes plásticas estão Cerezo Barredo [São Félix do Araguaia] e Mari Bueno [Sinop].
 
Os primeiros resultados, conforme Adriana, evidenciam que os artistas buscam a diferenciação da natureza, da geografia, do povo, como marcadores da identidade mato-grossense. Segundo a pesquisadora, cada artista tem sua peculiaridade na escrita e na pintura, mas a convergência entre eles foi um dos aspectos que impressionou.
 
Ela conta que Aclyse de Mattos expressa a experiência individual e lúdica, mergulhando nos ciclos sazonais. Tem um olhar de humor, retrata a seca, chuva, o calor de Cuiabá, lugares, avenidas e plantas próprias da região. “Tem um poema que fala do nascimento do filho na época da chuva, mostrando o ciclo sazonal”, exemplifica Adriana.
 
 
Poema de Aclyse de Mattos, evidenciando a sazonalidade climática de Mato Grosso (Reprodução)
 
 
 
Pedro Casaldáliga, bispo católico e atuante da Teologia da Libertação, manifesta nos poemas a voz engajada em nome dos marginalizados. Marilza Ribeiro, por sua vez, evoca o corpo, a mulher e a natureza em seus poemas. E nos versos de Marli Walker, natural do Paraná vindo para Mato Grosso já adulta, exprime a sensualidade que entra em confluência com as cores, cheiro, pó de serra e os sabores da Amazônia Meridional. “Ela é o sujeito transculturador, já transitou quando deixou a cidade natal e, ao chegar no interior de MT, se depara com tudo novo e registra essas peculiaridades na natureza, no ciclo sazonal, na poesia dela”.
 
Sabores da Amazônia e sensualidade são marcas da poesia de Marli Walker (Reprodução)
 
 
 
A artista plástica Mari Bueno também saiu do Paraná e começou a pintar e registrar usando o pó de serra e folhas secas como elementos. A pesquisadora menciona que o Cristo na Catedral de Sinop é negro, os anjos na pia do batismo são um índio, um negro e um branco, mostrando bem a cultura em movimento. Uma arte sacra montada em cima da simbologia. 
 
Cerezo Barredo trabalha com Casaldáliga dentro da Teologia da Libertação, em São Félix. Ele tem atividade fora do país, dentro dos murais religiosos. A docente relata que as obras trazem o povo simples, marginalizadas dentro da igreja: Cristo bem negro, a mulher, o indígena, o pequeno produtor. “Tira o povo do estado comum e coloca em murais”. Cerezo seria mais popular e Bueno, acadêmica. “O trânsito na cultura dos dois é igual, mas o procedimento de ambos é diferente”.
 
 
 
"A Ceia Ecológica", de Cerezo Barredo (2001). (Fonte: acervo da pesquisa)
 
O andamento do projeto, de acordo com a pesquisadora, mostra muita convergência entre a imagem criada pela palavra e a criada pelos traços e cores. A poesia e a pintura marcam a presença e a identidade cultural de Mato Grosso. Mas cada um com seu estilo.
 
Ela aponta que o traço migratório se destaca na pintura que tem o chimarrão, ou poesia que se remete ao tomar o chimarrão de manhã ou final da tarde, que são próprios da tradição sulista, mas que se envolve hoje com a cultura local. Principalmente em obras de artistas do interior, que tiveram mais esse trânsito. “A maioria dos artistas que se encontram na capital é de Cuiabá. Eles registram mais o trânsito local. No interior, há mais pessoas que vieram de outro lugar para se assentar aqui e se misturam com a cultura local”.
 
Para apresentar as artes à sociedade, a pesquisadora conta que todo ano a Unemat desenvolve o projeto Varal de Poesia. Nele acontecem lançamentos de livros, poesias, coletâneas, presença de artistas e exposições de pintura. Além disso, há também concurso de poesia para crianças e adultos. “A sociedade já fica esperando o evento para ver as novidades. Tem muita aceitação desse trabalho”, garante.
 
Ela expõe a dificuldade que ainda existe das pessoas perceberem que poesia não é só de amor, sendo complicado olhar para a obra, pintura, e conseguir extrair sentido. O público em geral supõe que artes plásticas são só para museu e para quem entende. “Não conseguem olhar para uma igreja que tem uma tela com o Cristo negro e pensar no que será que aquilo significa. O que quer dizer um Cristo andando na Floresta Amazônica. Às vezes, essas dificuldades limitam. Mas é por isso que o projeto veio, para tentar expandir esse olhar. Olhar que olha para a poesia e consegue ver imagem e olha para a imagem e consegue ver poesia”, reflete a pesquisadora.
 
 
 
Poesia também é lugar de engajamento e reflexão social, como mostra esta obra de Dom Pedro Casaldáliga (Reprodução)
 
 

 
Próximos passos
 
O projeto é realizado há dois anos e a pesquisadora pediu a prorrogação do prazo por mais 12 meses. No próximo semestre, seu grupo de pesquisa organizará uma oficina para professores que gostam da poesia e de formar olhares. A atividade vai apresentar questões de cultura, poesia, pintura, como fazer essa leitura de reconhecimento. Um dos próximos passos também será ouvir os artistas para saber o nível de consciência deles sobre a relação da arte que desenvolvem com esse trânsito, com a formação da identidade.
 
 
Aos 40 anos de fundação, Sinop ainda vivencia processo de migração, conforme a pesquisadora Adriana Precioso (Foto: Prefeitura Municipal)
 
 
O primeiro momento do projeto foi conhecer como aconteceu a formação migratória, que é diferente no interior e na capital de Mato Grosso. Adriana Precioso relata, por exemplo, que Sinop é uma cidade de 40 anos, nova, ainda em processo de migração. Oposto a Cuiabá, que já tem uma consolidação com valores centenários que fazem parte da cultura.
 
A docente afirma que o trabalho já mostrou a convergência do espaço amazônico, pantaneiro, com a questão das cores, do verde, do marrom, da terra vermelha, marcas da geografia local colocadas na pintura. E nos poetas a ligação é representada na palavra. “O ciclo sazonal de Mato grosso é diferente dos outros lugares do Brasil. A gente tem aqui o tempo da seca e o tempo da chuva. Essa diferença é fortemente marcada e apresentadas pelos poetas como uma formação de identidade”, conclui.
 
 
Foto de capa: EBC

 

Valérya Próspero

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Parmenas Alt
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