De acordo com o estudo, clínicos gerais e responsáveis pelos primeiros cuidados aos pacientes podem tratar casos de alcoolismo com eficácia, não sendo necessários, em muitos casos, especialistas no assunto. E com vantagens: isso geraria menos custos para o governo e maior ganho para a sociedade, com a expansão do acesso ao tratamento.
A pesquisa recrutou 1.383 dependentes, em 11 centros clínicos de pesquisa, que foram designados de forma randômica (escolhidos aleatoriamente) para determinados tipos de tratamentos: naltrexone ou seu placebo, acamprosato (Campral) ou seu placebo e aconselhamento comportamental adicional intensivo ou não. Além disso, os pacientes tiveram uma breve conduta médica focada no uso do remédio. Um dos grupos recebeu aconselhamento sem remédios e nenhuma conduta médica. O tratamento ativo durou 6 semanas. A necessidade e o comportamento dos pacientes foi avaliado semanalmente e em intervalos de 3 meses a um ano após o término do estudo.
A conclusão é de que todos os pacientes, incluindo o grupo que recebeu placebo, reduziu substancialmente o consumo de álcool. Mesmo assim, a pesquisa mostra que o uso de um medicamento tem papel importante. A droga naltrexone, aprovada em 1994 pelo US Food and Drug Administration (FDA) para este objetivo, foi considerada muito eficaz, o que representa uma nova opção de tratamento padrão. Enquanto isso, acamprosato não mostrou os resultados esperados. Isso causou surpresa entre os cientistas, já que o medicamento parecia possuir efeito em outros estudos clínicos. Por esse motivo, acredita-se que são necessárias mais pesquisas para esclarecer o resultado.
O estudo também mostrou a importância do aconselhamento. “Mesmo que breve, ele pode ser muito eficaz. A maioria dos médicos que prescrevem medicações para tratamento de dependência de álcool acredita que ela possa funcionar melhor junto com aconselhamento”, afirma Henry R. Kranzler, professor de psiquiatria da University of Connecticut School of Medicine e autor de comentário sobre a pesquisa no JAMA. “Dar orientações gerais em si já é um excelente tratamento. Quando isso acontece de forma combinada com grupos de auto-ajuda, melhor. E quando os novos medicamentos são utilizados, melhor ainda”, resume Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que esteve presente no encontro anual da American Psychiatric Association, em Toronto, no final de maio, quando o estudo foi amplamente discutido.
NOVOS RUMOS PARA O TRATAMENTO
“O governo americano está considerando estimular os clínicos gerais a considerarem o alcoolismo como uma doença crônica, passível de ser tratada por qualquer médico”, explica Ronaldo Laranjeira, da Unifesp. Para Henry R. Kranzler, da University of Connecticut School of Medicine, o estudo fornece justamente esta evidência, de que o naltrexone pode ser usado por médicos generalistas, não apenas especialistas, para tratar a dependência ao álcool.
O componente da conduta médica estabelecido na pesquisa foi desenvolvido para uso em locais de cuidados de saúde primários, não necessariamente em programas para tratamento de alcoolismo (apesar de também poder ser usado nestes).
“Se o clínico geral seguir uma prescrição determinada, como fazer um acompanhamento e utilizar o naltrexone ou o disulfiram (outra droga aprovada pelo FDA), o paciente terá um acesso muito maior a este tipo de tratamento”, acredita Laranjeira, da Unifesp. Até porque as chances de esses pacientes serem observados pelos médicos que prestam os primeiros cuidados são grandes e identificá-los antes que o problema já tenha evoluído muito é um grande avanço.
“A expansão da capacitação de provedores de cuidados primários para tratar pessoas com problemas de álcool é consistente e reforça o foco da tentativa do U.S. National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism”s (NIAAA) de educar médicos sobre a prevalência do problema em seus pacientes e a importância de investigar o alcoolismo”, diz Dennis M. Donovan, diretor do Alcohol & Drug Abuse Institute, professor de psiquiatria da University of Washington School of Medicine e um dos autores da pesquisa. Para completar, esse tipo de tratamento sairia mais barato aos cofres públicos que programas especiais para alcoolismo.
A pesquisa, entretanto, traz à tona alguns problemas. “Existem ainda questões não respondidas sobre o tempo que se deve tomar o medicamento e há de se pensar se os ganhos obtidos nas 16 semanas podem ser mantidos ou ampliados com mais aconselhamento”, reconhece Donovan. “É necessário considerar abordagens que forneçam tratamento mais intensivo e aconselhamentos para pacientes que não respondam bem a naltrexone associado a condutas médicas.
O U.S. Institute of Medicine, assim como diversas pesquisas, concluíram que não existe apenas um tratamento considerado o melhor para a dependência de álcool, mas algumas opções eficazes disponíveis. A principal questão é determinar qual tratamento funciona melhor para cada pessoa”, esclarece o psiquiatra.
NO BRASIL
Mesmo nos Estados Unidos, onde o tratamento para alcoolismo é mais avançado, entre os 8 milhões de dependentes, apenas uma minoria recebe algum tipo de cuidado – e a parcela que toma medicamentos é incrivelmente reduzida. No Brasil, então, a situação é bem pior. “Por aqui, apesar de o custo social do alcoolismo ser imenso, uma política como esta ainda está muito longe de ser organizada”, lamenta Ronaldo Laranjeira, da Unifesp. “O naltrexone custa mais ou menos R$ 5 por comprimido, o que daria um total de R$ 150 por mês, mas o custo de não receber tratamento é muito maior para a sociedade. Apenas para citar alguns exemplos, há mais acidentes, mais violência doméstica. Precisamos buscar uma forma de termos tratamento disponível”, acredita.