De acordo com o Artigo 6º da Constituição Federal, o acesso à saúde é um direito de todos os brasileiros. Mesmo nas comunidades mais isoladas do país, a população precisa ter contato, ao menos esporádico, com médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, dentre outros profissionais da área da saúde. Com as aldeias indígenas não é diferente.
Além do atendimento médico em si, pesquisas na área também são importantes, e é este trabalho que acadêmicos da Universidade do Estado de Mato Grosso [Unemat] realizam em uma aldeia indígena da etnia Haliti-Paresí. Objetivo principal é avaliar a presença da doença causada pelo hantavírus naquela população. A hantavirose é uma doença grave, transmitida por um vírus que se hospeda em roedores silvestres. O contágio se dá quando o ser humano entra em contato com o ar de ambientes onde há secreções do roedor.
A aldeia escolhida para a pesquisa fica no município de Campo Novo do Parecis, no Estado de Mato Grosso, a cerca de 390 km da capital, Cuiabá. O município, juntamente com os outros que o rodeiam, apresenta 75% dos casos de hantavirose registrados no Estado. A pesquisa está sendo desenvolvida desde dezembro de 2014 e conta com uma equipe mista, que reúne tanto estudantes de graduação e pós-graduação da Unemat, quanto profissionais ligados a outras instituições.
O método utilizado pelos pesquisadores foi coletar amostras de sangue dos indígenas e enviá-las para análise nos laboratórios da Fundação Oswaldo Cruz [Fiocruz]. Os primeiros testes já mostram que 11% da população apresentam anticorpos contra a doença, o que indica que aquela comunidade teve contato com o vírus anteriormente.
Para saber como as pessoas infectadas entraram em contato com o vírus, os pesquisadores pretendem conversar com os pacientes para saber quais comportamentos de risco eles adotaram durante a vida. A equipe também planeja proceder o estudo da presença do vírus nos transmissores. Para tanto, uma expedição foi feita em março deste ano para coletar roedores na região.
A pesquisa em questão é desenvolvida em parceria com outras instituições. Segundo a coordenadora do projeto, Ana Cláudia Terças, essa soma de forças é muito benéfica. Ela cita a contribuição do Instituto Oswaldo Cruz, que deu acesso à tecnologia de ponta para serem realizados os testes, e da Universidade Federal de Mato Grosso, cujo conhecimento produzido na área de Saúde Coletiva contribuiu para o aspecto epistemológico da pesquisa. O projeto também conta com a participação da Escola Nacional de Saúde Pública, da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica e Distrito Sanitário Especial Indígena de Cuiabá-MT.
Entre profissionais e estudantes, a equipe reúne 17 pessoas. “Os alunos envolvidos no projeto são três acadêmicos de Enfermagem da Unemat, campus Tangará da Serra, sendo duas bolsistas PROBIC e um voluntário [este, além de aluno de iniciação científica, é indígena da etnia Paresí]”, diz a coordenadora. Ela ainda ressalta que um dos bolsistas recebe apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de Mato Grosso [Fapemat]. Ana Cláudia destaca que é muito importante ter pesquisadores mato-grossenses fazendo pesquisa sobre Mato Grosso. Isso dá autonomia para a ciência produzida no Estado, além de conquistar o reconhecimento das instituições responsáveis pelo fomento da pesquisa.
Mesmo que ainda não esteja concluída, a pesquisa já foi reconhecida. Um artigo sobre a mesma recebeu a menção honrosa de melhor pesquisa no III Simpósio Avançado em Virologia Hermann Schatzmayr, realizado em maio, na Fiocruz.
Tanto os pesquisadores quanto a comunidade Haliti-Paresí se mostram animados em continuar a pesquisa. As amostras ainda serão testadas para constatar a presença ou ausência de outras doenças, como hepatite e tuberculose. Assim, dependendo dos resultados, além das medidas socioeducativas de prevenção da hantavirose, outras ações serão feitas para atender as necessidades da comunidade.
Hantavirose
A hantavirose é transmitida para o ser humano através da inalação de partículas suspensas no ar que contêm o agente causador. Em geral, o indivíduo aspira essas partículas quando está em ambiente fechado, no qual há presença de urina, fezes e secreções de roedores silvestres. Os sintomas mais recorrentes são dor muscular, febre, mal-estar geral, dor de cabeça, calafrios, dor nas costas, náuseas e vômito ou outros distúrbios gastrointestinais. Nessa fase, como os sintomas são comuns a outras enfermidades, o diagnóstico pode ser prejudicado.
Após o primeiro estágio, caso o paciente não receba tratamento, a doença evolui para um quadro que envolve problemas cardíacos e pulmonares. O paciente pode apresentar taquicardia [quando o coração bate rápido demais], hipoxemia [diminuição da pressão do oxigênio no sangue] e taquidispnéia [respiração rápida e falta de ar]. O quadro pode evoluir para edema pulmonar e problemas circulatórios graves. Nessa fase, cerca de 50% dos pacientes morrem. Não há tratamento para a doença, somente para os sintomas.
Para combater a doença, o melhor é a prevenção. Evitar o contato com os roedores e afastá-los das casas é fundamental. Recomenda-se não deixar lixo acumulado, nem alimentos ou objetos que possam ser usados como abrigo pelo transmissor. Em caso de ambientes rurais, é indicado que as plantações fiquem a uma distância mínima de 50 metros das habitações.