Esta discussão sobre o início da cobrança de pedágios nas rodovias estaduais em Mato Grosso começa bastante atrasada, mas vem em boa hora, porque 2014 é ano de eleições, momento em que a classe política precisa ser desnudada, suas opiniões quanto às políticas públicas merecem ser conhecidas da sociedade, a fim de avaliar os projetos de estado e de país que queremos (e que vamos eleger ou rechaçar, por voto).
Inicialmente notamos, com estranheza, a ausência do ministério público no debate, em razão de que a defesa dos interesses coletivos não é uma opção do promotor de justiça, mas sim uma obrigação institucional, na medida em que uma cobrança de pedágio em rodovia envolve direitos coletivos, difusos, do consumidor e bem presente o interesse público (art. 129 incisos II e III da Constituição Federal e artigos 25 e 26 da Lei 8.625/93).
A permissão para cobrança do pedágio no Brasil sempre teve como objetivos a conservação, a restauração, adequação da malha viária, sendo reservada quantia necessária à operacionalização do sistema. Portanto estes são os insumos incluídos no valor (custo) do pedágio.
A primeira norma a prever tal sistema de cobrança, a Lei 7.712/88 determinava que 22% da arrecação seria destinada para conservação da rodovia pedagiada, 50% para sua restauração e melhora, 20% para a adequação, incluindo as obras de mobilidade, e 8% seria para operacionalizar o sistema, aí incluído o lucro do empreendedor concessionário.
Recentemente foi aprovado pela Câmara dos Deputados o projeto número 1.023/2011, que isenta de pagamento os moradores da região atendida, o que implica dizer que, no final, quem vai “pagar o pato” será o usuário que vem do interior do estado (no caso da rodovia de Chapada dos Guimarães) e também vai onerar os turistas e as empresas de turismo. Isso se choca frontalmente com uma política pública conhecida: fomento e indução da indústria turística. Essa fonte de recursos financeiros que o governo tenta atrair justificou inclusive os grandes gastos com a realização da Copa do Mundo.
Pois bem. Por que não se deve aprovar, de afogadilho, a cobrança de pedágios nas rodovias estaduais?
Em primeiro lugar porque todas as comunidades envolvidas e atingidas merecem participar deste debate, inclusive porque isso vai ter impacto na vidas das pessoas. Imagine, estamos em uma região que se pretende turística. Um assunto desta envergadura não pode ignorar a opinião dos nossos irmãos poconeanos, livramentenses, jangadenses, rosarienses, acorizanos e nobrenses.
Isso sem falar que todo o estado precisa se manifestar!
Os políticos não aprendem. As obras da Copa do Mundo em Mato Grosso são altamente polêmicas, em grande parte porque os projetos, os custos, os gastos, os aditivos contratuais, o cronograma, as licitações são desconhecidos do grande público, tudo foi feito à margem da população pagadora (contribuinte) e o “segredo” gera grandes controvérsias e ilações várias.
Fica a dúvida: se as pessoas soubessem de todas as informações (benefícios/prejuízos), reagiria de modo diverso às ruas trancadas e aos dissabores das obras da Copa do Mundo?
Será que em relação aos pedágios, o amplo debate não seria mais saudável?
Na forma como está, a concessão e instituição de cobrança de pedágio não poderia esconder a tentativa de beneficiamento de algumas empresas (quebradas) e políticos em fim de mandato e em fim de carreira?
Por fim, ousamos argumentar que, como são feitas às escondidas, as negociações sobre o pedágio podem resultar em decisão administrativa inconstitucional.
Por que?
É que o direito fundamental de ir e vir nas estradas é incluído na Constituição Federal de 1988, no título II, entre os “Direitos e Garantias Fundamentais”. Isso que significar que o direito de ir e vir é cláusula pétrea, não é possível sua violação sem macular o ato (lesivo) com inconstitucionalidade.
Deste modo, não pode e não deve ser imposta a cobrança de pedágio em rodovias estaduais, se não precedida de grande debate com toda a população estadual. Tal como está, a ideia afugenta turistas, limita o direito de ir e vir das pessoas, contraria legislação federal e desarmoniza com as políticas públicas estaduais. O orçamento 2013/2014 reservou um bilhão e meio de reais às rodovias estaduais, por meio do Mato Grosso Integrado, e isso não pode ser entregue ao especulador privado.
*Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral)