Cobrança de pedágio dificultará acesso da população
A população de Carlinda, 750 km de Cuiabá, procurou ajuda da Defensoria Pública de Mato Grosso para enfrentar um problema que, para muitos, significará desemprego, dificuldade de acesso à saúde, educação, bens e serviços e, para outros, a queda de até 25% de sua renda mensal. É que a concessionária de rodovias Via Brasil passará a cobrar pedágio de R$ 4 e R$ 7,90 para motos e carros que trafegarem por trechos da MT-320 e da MT-208, que liga a cidade a Alta Floresta.
O defensor público que atua em Alta Floresta, 33 km de Carlinda, Moacir Gonçalves Neto, explica que os 10 mil habitantes de Carlinda dependem de empregos, hospitais, bancos, escolas e institutos de Alta Floresta diariamente. E que a cobrança do pedágio desses moradores significará empobrecimento e dificuldade de acesso a direitos básicos como saúde e educação.
“Estamos falando de um município que ocupa o centésimo lugar no índice de desenvolvimento humano (IDH) de Mato Grosso, onde apenas 8,8% da população tem trabalho e cuja renda de 40% deles é de meio salário mínimo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Avalio que cobrar pedágio dessas pessoas não é só imoral, como também ilegal”, afirma o defensor.
Gonçalves Neto afirma que diante de um quadro tão delicado, em que milhares de brasileiros não conseguem emprego, “não é razoável que medidas do Poder Público tornem essa situação ainda mais calamitosa”. Ele cita o exemplo de um trabalhador cujo salário seja de R$ 1,5 mil por mês e precise transitar entre os municípios seis vezes por semana, para dar a dimensão do problema.
“O pedágio comprometerá algo em torno de 25% de sua renda mensal, o que inviabilizaria a continuidade no atual emprego, trazendo esse cidadão para a estatística do desemprego”. Ele ainda questiona sobre o aumento da dificuldade para os doentes, para exemplificar o que a população irá viver. “É justo que um paciente e seus familiares, já enfermo e debilitado, tenha que pagar pedágio todas as vezes que precisar ir ao município vizinho para cuidar de sua saúde?”.
A técnica em enfermagem, Maria Félix da Silva, 53 anos, uma das que procurou ajuda da Defensoria Pública, conta que é separada, cuida de um irmão doente e que não sabe como fará para dar conta de suas responsabilidades. Ela informa que trabalha como servidora do Hospital Regional de Alta Floresta há 12 anos, mas que a maioria na cidade trabalha em serviços braçais na agricultura e agropecuária, fazendo o trajeto Carlinda/Alta Floresta, tanto para trabalhar, como para estudar.
“A minha renda é de R$ 1,9 mil por mês. Eu ando de moto e já gasto R$ 250 com combustível, fora os reparos dela. Se tiver que pagar pedágio terei que gastar mais R$ 120, porém, já vivo de forma restrita, limitada e cuidando de um doente. Isso vai penalizar demais toda a população da região. Até os médicos já estão falando em deixar Carlinda, por causa desse pedágio, Toda a população será afetada”, conta Maria.
Isenção – Após tentar, sem sucesso, negociar administrativamente com a concessionária e com o Estado a suspensão da cobrança do pedágio para os cidadãos que comprovem a vulnerabilidade econômica, o defensor protocolou uma ação civil pública, com pedido liminar, na Primeira Vara de Alta Floresta. O caso será avaliado pelo juiz Tiberio de Lucena Batista.
Na ação, Gonçalves Neto pede isenção do pedágio para trabalhadores com renda familiar de até seis salários mínimos e individual de quatro; que comprovem vínculo trabalhista formal, informal ou estudantil em Alta Floresta; que tenham veículos emplacados numa das duas cidades e que façam tratamento de saúde contínuo, que exija o trânsito. Taxistas que andam entre os dois municípios todos os dias também são abrangidos no pedido. Os requisitos devem ser cumulativos.
Casos os pedidos sejam acatados, o defensor pede que a concessionária Via Brasil e o Estado dêem ampla publicidade da isenção, no prazo de 15 dias. E para o caso do juiz não acatar o pedido da isenção total, que conceda a parcial.
Distinção – Na ação civil o defensor registra que em janeiro de 2020 o Ministério Público Estadual (MPE) organizou reunião com a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra) e a empresa, para estipular regras de oferta de isenção para os moradores da zona rural de Alta Floresta, que pediram a intervenção do órgão.
Moradores de 11 comunidades rurais conseguiram liberação do pagamento, a partir do argumento da carência econômica, necessidade do tráfego diário e por que um do pontos do pedágio, informado durante as audiências públicas que debateram o empreendimento, mudou, afetando assim, esse grupo populacional.
“A empresa e o Estado isentaram de pagamento àqueles moradores, justamente porque a cobrança do pedágio traria consequências duras nas suas vidas, consequências essas que afetariam a própria dignidade dos moradores daquelas localidades. Por que tratar diferente pessoas que, na prática, terão os mesmos problemas e pelas mesmas razões?”, pergunta Gonçalves Neto na ação.
E responde: “o Estado não pode criar distinção entre brasileiros ou preferências entre si, razão pela qual deve ser dado o mesmo tratamento aos moradores de Carlinda que se encontram na mesma situação daqueles moradores das zonas rurais de Alta Floresta e que foram agraciados pela isenção dada pelo Poder Concedente”, pede na ação que pode ser lida aqui na íntegra.
Pedágio – A Via Brasil MT-320 Concessionária de Rodovias S.A. conseguiu, via leilão, autorização para administrar o trecho da MT-320 e da MT-208. O contrato assinado com o Estado em abril de 2019, garante a instalação de três praças de pedágio. Uma no km 14,7 da MT-320, nas proximidades de Colíder; outra no km 59,8, também da MT-320, em Nova Canaã do Norte e a terceira, no km 23 da MT-208, no município de Alta Floresta. A cobrança deve começar no próximo mês.
“É certo, dentro desse contexto, que a cobrança da tarifa, com preço estipulado de R$ 7,90 por trecho, prevista para ser cobrada a partir dos próximos dias, causará impacto desproporcional em uma reduzida parcela de pessoas, que moram em Carlinda e na zona rural de Alta Floresta. Isso fere o princípio constitucional da proporcionalidade. A cobrança ainda foge à razoabilidade, ao violar o direito fundamental de locomoção”, afirma o defensor.