domingo, 22/12/2024
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Paraíso perdido

Geiza Rodrigues veio para São Paulo no fim de 2010. Mas às vezes perde a memória exata das coisas. Sabe o que aconteceu, mas não sabe quando.

Começou a ser modelo aos 17 anos, em Curitiba. Estava no terceiro colegial. Ficava entre a escola e a agência. Mas o mercado da cidade era modesto, trabalhos minguavam. Em 2010, a agência onde trabalhava foi comprada por uma outra, de Lisboa. Então, Geiza foi para Lisboa. Ficou na capital portuguesa três, quatro meses. Em novembro do mesmo ano, voltou ao Brasil e decidiu passar um tempo em São Paulo, numa agência que também havia sido comprada pelos portugueses. 

Dos 12 até os 17 anos, morou em Braganey, uma cidade de 2 mil habitantes, próxima a Cascavel, no interior do Paraná. A avó dela vive lá até hoje. Aos 14, quando descobriu a internet, o Orkut, Geiza decidiu que não queria mais ficar no interior. Via tudo acontecendo fora dali. Lembra que era o boom da MTV. Gostava de hardcore, de rock. Legião Urbana, Smashing Pumpkins, Silverchair. Decidiu ser modelo. A cena que enxergava era a de Curitiba, queria fazer parte daquilo. Geiza sempre foi muito sozinha. Tem uma irmã mais nova, de 12 anos. Geiza tem 22. 

Não é mais uma new face, mas ainda não tem uma carreira consolidada. Considera ruim esse lugar intermediário, uma espécie de vão, nem uma coisa nem outra. Fala que a transição é difícil, a competição é grande: se você é um nadador, vai ter que nadar mais rápido, se preparar, treinar. Uma modelo, por mais que faça dieta, seja magra, tenha atitude, às vezes isso tudo não basta, às vezes o que procuram é uma beleza específica, não adianta ser loira se para o trabalho querem uma ruiva.

Quando se mudou para São Paulo, Geiza começou a ver filmes, para buscar referências. O cinema começou a influenciar sua vida de modelo. Aprendeu que de trabalho para trabalho, as personalidades mudam, que às vezes é preciso ser mais contida; outras, mais atirada, ou misteriosa, encontrar o gestual adequado. É um tipo de inteligência. Saber caminhar, onde pôr as mãos. Nisso o cinema a ajudou.

Um dos filmes preferidos de Geiza chama-se Fuga da realidade, do alemão Christian Bach. É a história de um homem que vai perdendo o controle de sua própria mente. Geiza também gosta de Waking lifeO show de TrumanCloser. E de cinema brasileiro. O homem que copiava,Amarelo mangaPraia do futuroDurval discos. Diz que cada filme tem um ponto de delicadeza, uma cena, um insight. Fala que sempre consegue tirar algo dos filmes. Mas não gostaria de ser atriz. 

Geiza foi para Londres, Nova York e Lisboa. Gostou muito de Lisboa. Gosta de Nova York, mas diz que Lisboa tem um aconchego, acha que poderia morar lá. E lá aprendeu a se virar. Lisboa é uma cidade pequena, Geiza andava muito a pé. Ia de um lado para o outro. Geiza gosta de viajar. Quer conhecer Is-rael, o Japão, a Alemanha. Geiza, canceriana, discute com um amigo, ariano: Preciso viajar, estou cansada de São Paulo. Ele: Não adianta você viajar, o cansaço está em você, não é a viagem que vai mudar isto. Mas ela não dá bola. Diz que viajar cura.

Ela descobriu um jeito de viajar quando estava em Lisboa. Começou a conhecer a cidade através dos livros do Fernando Pessoa. Em Nova York, foi guiada pela cena hip-hop, queria viver como imigrante, como alguém de fora. Lá, gostava dos bairros indianos, muçulmanos. O primeiro lugar que morou em São Paulo foi na rua Francisco Leitão, em Pinheiros. Diz que Durval discos, o filme, se passava ali perto. Ela gosta disso. De saber que aquele lugar havia sido cenário da história, desses detalhes. Fala que tem sempre algo mágico que envolve os lugares. 

Hoje, Geiza mora com mais quatro meninas, todas modelos. Elas se dão bem. Quando veio a São Paulo, morava com dez meninas. Era um apartamento grande, mas com dez pessoas dividindo banheiros, uma cozinha, um fogão. Dez pessoas cozinhando: alguém acorda, faz barulho, Geiza lembra que era difícil. As meninas com quem mora agora já são mais estabelecidas, mais seguras. Geiza gosta disso. Considera uma segunda fase em sua vida. E nesta fase quer aprender a nadar.

Geiza se afogou duas vezes. A primeira foi quando tinha 5 anos, no parque Tanguá, em Curitiba; a outra foi com seus primos, no sítio da família. No parque Tanguá, ela estava com o pai. Eles moravam perto do parque. Todos os dias, quando chegava da escola, o pai a levava até lá. Ela tinha uns 4, 5 anos. 

Um dia, Geiza ficou olhando, hipnotizada, os girinos num dos lagos. Nessa hora, um amigo do pai, que passava pela ciclovia, o chamou. O pai se distraiu, e Geiza caiu. Ela lembra que estava com uma camiseta do Mickey, foi para casa toda molhada, a camiseta grudada no corpo. O pai dizendo: Não conta para sua mãe, não conta para a sua mãe. Depois, o pai e a mãe brigaram. Não foi fácil. Na praia, depois, não deixava a água passar do joelho. Geiza perdeu um trabalho por não saber nadar. Ela pensava: se eu cair na piscina, o que eu faço? 

Mas está num processo de perder o medo. Diz que está se soltando. Também está perdendo a timidez. Geiza conta que, na infância, era sempre a mais calada. Mudava de escolas quase todos os anos, mas não se lembra do motivo. Os pais mudavam bastante de casa, e sempre que se mudavam, Geiza ia para uma escola nova. Mas sorri e diz que considera esse o seu destino. Em São Paulo, morou em quatro casas, em quatro anos. Parece que nunca vai parar, que nunca vai comprar uma casa, ou ter uma família. Parece que está sempre pronta para mudar tudo.

A verdade é que Geiza se vira bem sozinha. Se quer ir ao cinema e não tem companhia, vai assim mesmo. No último mês, Geiza leu Marsemfim, do navegador Amyr Klink. Ela gosta da maneira como Klink descreve a solidão no mar. Ele fala do silêncio, de como os dias passam de um jeito diferente quando se está no mar. Geiza tem uma frase preferida de Klink: pior que nunca terminar uma viagem é nunca partir.

 

 

 

RevistaTRIP-FonteSiteTrip

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Parmenas Alt
Parmenas Alt
A estrada é longa e o tempo é curto. Não deixe de fazer nada que queira, mas tenha responsabilidade e maturidade para arcar com as consequências destas ações.
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