O coordenador estratégico da Polícia Civil do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo, delegado Tarcísio Jansen, criticou publicamente nesta quinta-feira o sistema da Fifa venda de ingressos do Mundial de 2014. Segundo ele, a centena de cambistas já identificados por policiais durante o torneio "expõe um descontrole total na organização do evento". Mais do que isso, levantam suspeitas até de que a própria entidade esteja por trás de esquemas internacionais de comercialização ilegal dos bilhetes da Copa.
Jansen participou nesta manhã de uma entrevista coletiva concedida pelas forças de segurança do Estado para falar de uma operação que desmantelou uma quadrilha internacional de cambistas que atuava no Mundial. A jornalistas, ele e o delegado Fábio Barucke informaram que pelo menos um membro da federação internacional repassava bilhetes da Copa para que fossem vendidos ilegalmente.
Após a coletiva, Jansen também disse que essa mesma quadrilha trabalhou em pelo menos quatro Copas do Mundo. Por tudo isso, não dá para descartar a possibilidade de que a Fifa não só tinha ciência desse esquema, assim como a entidade facilitava e se beneficiava da venda ilegal de tíquetes. "Essa possibilidade também está sendo investigada. Precisamos entender como ele se beneficiaria de tudo isso", afirmou ele, a alguns repórteres.
"Os casos de cambismo já identificados nesta Copa do Mundo expõem um descontrole total da organização do evento [Copa] no que diz respeito a controlar e vender de ingressos", complementou o delegado. "O evento é privado. O Estado não deve dizer como deve comercializar seu ingresso. Mas isso tem que deixar um aprendizado."
Barucke, delegado responsável pela operação que prendeu a quadrilha de ingressos na terça-feira, também criticou o sistema de venda de bilhetes da Copa. Segundo ele, uma parcela pequena dos bilhetes disponíveis acaba sendo posto à venda para o público. Outra grande parte é reservada pela Fifa diretamente a patrocinadores e parceiros.
A escassez dos bilhetes, segundo Barucke, acaba criando a possibilidade dos detentores desses bilhetes (torcedores, patrocinadores da Copa, jogadores de futebol e até a própria Fifa) lucrarem com a venda dos ingressos. E é isso que está sendo feito. "Os ingressos distribuídos pela Fifa acabaram fomentando o cambismo", afirmou. "Só uma pequena parte dos ingresso foi destinada ao povo."
A possibilidade de a Fifa se beneficiar da venda ilegal da venda de ingressos da Copa já havia sido levantada também pelo jornalista inglês Andrew Jennings, em seu livro Um Jogo Cada Vez mais Sujo. Segundo Jennings, 40% dos ingressos vendidos no mercado negro teriam origem na própria Fifa.
Procurada nesta tarde, a Fifa ainda não se pronunciou sobre as declarações dos delegados. Na quarta-feira, a entidade havia dito que zelava pelo sistema de venda de ingressos e que estaria disposta a colaborar com a as investigações para identificar possível criminosos responsáveis pelo comércio ilegal.
Operação Jules Rimet
A operação que descobriu o esquema foi batizada de Jules Rimet, em alusão ao nome do primeiro presidente da Fifa. Ela é resultado de pelo menos um mês de investigações da polícia e Ministério Público.
Mais de cem ingressos foram apreendidos na ação, além de dinheiro e máquinas para pagamento em cartão de crédito. Os bilhetes pegos pela polícia eram reservados pela Fifa a seus patrocinadores, a clientes de pacotes de hospitalidades (camarotes) e até a membros de comissões técnicas de seleções. Dez ingressos, inclusive, eram reservados as integrantes da comissão técnica da seleção brasileira.
Segundo Polícia Civil, a quadrilha vendia ingressos por até R$ 35 mil. Com isso, lucrava até R$ 1 milhão por jogo. Na Copa, o grupo poderia faturar R$ 200 milhões.
Suspeitos presos informaram à polícia que o esquema não é novo. Ele funcionava há quatro Copas. O trabalho seria tão lucrativo que integrantes da quadrilha trabalhariam durante o torneio e depois descansariam por quatro anos até o próximo Mundial.
Todos os presos vão responder pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa e cambismo. Podem ser condenados a até 18 anos de prisão.
Do UOL, no Rio de Janeiro