Diego Freire, da CNN, em São Paulo
O Ministério da Agricultura e Pecuária da China oficializou, na última sexta-feira (29), a retirada de cachorros da lista dos animais para consumo no país. Após consulta pública iniciada em abril, quando houve a primeira sinalização do governo para impedir o abate de cães, o ministério confirmou a nova posição em uma declaração oficial que destacou “a mudança dos tempos e a conscientização das pessoas”.
A medida foi bem recebida por entidades ligadas à proteção dos animais, que ainda cobram posições mais rígidas do governo chinês para impedir que o abate e o consumo de cães siga ocorrendo em regiões do país, mas reconhecem um importante avanço.
Segundo dados divulgados em 2016 pela ONG Human Society International, cerca de 30 milhões de cachorros são mortos para consumo humano anualmente na Ásia – entre 10 e 20 milhões desses animais são abatidos na China. As estimativas apontam cerca de 5 milhões de abates anuais no Vietnã, 2 milhões na Coreia do Sul, 1 milhão na Indonésia e cerca de 80.000 em países como Tailândia, Laos e Camboja.
Agora, cresce a pressão para que outros governos da região tomem medidas contra a prática. “É a hora de Vietnã, Camboja e Indonésia finalmente agirem como a China para proteger a saúde pública e acabar com esse comércio cruel”, declarou a veterinária Katherine Polak, representante da ONG Four Paws, ao jornal australiano Sydney Morning Herald.
Alerta maior após pandemia
Na última semana, a Aliança de Proteção Canina da Ásia (ACPA, na sigla em inglês) divulgou uma carta aberta ao governo do Vietnã pedindo urgência para o tema.
“Estamos escrevendo sobre nossas preocupações com o comércio de carne de cachorro e gato no Vietnã e a ameaça que representam para a saúde pública. Os negócios também representam um abuso grave dos padrões estabelecidos globalmente de bem-estar animal. Em todo o mundo, os países estão unidos na luta coletiva contra os mortais”, diz o documento.
A carta destaca que o Vietnã, como país até aqui considerado modelo no controle da propagação do novo coronavírus (Covid-19), deve também concentrar seus esforços para combater a existência de mercados de animais silvestres em seu território.
O surgimento da pandemia é considerado o principal fator que levou o governo chinês a acelerar as medidas para alterar tradições do tipo no país. Há indícios de que o vírus começou a se espalhar de forma significativa em um mercado de animais silvestres em Wuhan.
No caso do abate de cães, as entidades alertam para o alto risco de contágio humano com doenças como raiva, mas também há risco que tipos de vírus específicos de certos animais se adaptem para contaminar seres humanos após se instalarem em outros animais intermediários. No mercado de Wuhan fechado após o registro de casos de coronavírus, por exemplo, animais como cães, galinhas, bois, porcos, gatos, aves, pangolins e morcegos eram expostos vivos e abatidos para consumo no local.
“As Nações Unidas e ONGs de todo o mundo alertam que os governos devem tomar medidas imediatas para fechar permanentemente os mercados que vendem animais silvestres, considerados a origem da Covid-19. Países como o Vietnã devem ter um papel importante para liderar esse movimento”, afirma a entidade na carta do governo vietnamita.
“O comércio de cães e gatos para consumo humano é muito significativo no Vietnã, envolvendo o abate e consumo de cerca de cinco milhões de cães e um milhão de gatos todos os anos. Está comprovado que esse comércio facilita a transmissão de doença mortais”, completa.
Hábito de uma minoria
Embora reconheçam avanços na retirada dos cachorros da lista dos animais que podem ser criados para abate, as ONGs e outras entidades cobram o governo chinês por uma legislação mais restrita para criminalizar também o consumo.
Karanvir Kukreja, também representante da Four Paws, disse entender que a retirada dos cães da lista impede que sejam “criados e comercializados para fins alimentícios ou venda de pele”, mas que “até onde se sabe, não há uma proibição real contra o consumo”.
Os grupos cobram que as leis nacionais da China sejam mais explícitas nesse sentido, seguindo exemplo de cidades que se adiantaram na proibição do consumo de carna canina, como Shenzhen e Zhuhai.
Em seus posicionamentos, as entidades também salientam que não se deve criar um estigma sobre as culturas locais e que o hábito de consumir carne de cachorro é restrito a uma minoria.
“A maioria das pessoas na China não come cães; na verdade, a carne de cachorro é consumida com pouca frequência por menos de 20% da população chinesa. Uma pesquisa de 2017 revelou que, mesmo em Yulin, sede do famoso festival de carne de cachorro, a maioria das pessoas (72%) não come carne de cachorro regularmente, apesar dos esforços dos comerciantes para promovê-la”, diz um texto no site da Human Society International.
“Em toda a China, uma pesquisa realizada em 2016 pela empresa de pesquisa chinesa Horizon e encomendada pelo grupo chinês China Animal Welfare Association, em colaboração com a Humane Society International e Avaaz, descobriu que a maioria dos cidadãos chineses (64%) quer ver o fim do festival Yulin , mais da metade (51,7%) acha que o comércio de carne de cachorro deve ser completamente proibido e a maioria (69,5%) nunca comeu carne de cachorro”, acrescenta.