O TSE será a principal arena da nova contenda entre governo e oposição. Depois que a decisão do STF de alterar o rito do impeachment garantiu uma sobrevida a Dilma Rousseff, setores da oposição passaram a considerar o pedido de impugnação da chapa presidencial como a possibilidade mais concreta de afastar a presidente do Palácio do Planalto. A dobradinha da petista e de seu vice, Michel Temer (PMDB), é alvo de ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de autoria do PSDB. Os tucanos acusam a campanha vitoriosa em 2014 de abuso do poder econômico e político, além de uso da máquina pública e de custear despesas eleitorais com dinheiro desviado da Petrobras. A tramitação dos processos será retomada no dia 1º de fevereiro, com o fim das férias do Judiciário.
Nas últimas semanas, houve uma mudança importante nos bastidores do tribunal. No início do ano, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, atualmente Corregedora-Geral Eleitoral, votou pelo arquivamento da principal ação proposta pelo PSDB. Naquele momento, com base nas informações então disponíveis, a avaliação da ministra era a de que não caberia a tramitação do processo. O Palácio do Planalto comemorou. A coligação Muda Brasil e o candidato derrotado Aécio Neves recorreram da decisão. Em outubro, ao julgar o recurso, o TSE concluiu que a ação deveria, sim, prosseguir. O caso permanece sob a responsabilidade de Maria Thereza, mas a ministra indica ter uma nova compreensão sobre o caso. Numa avaliação feita a interlocutores, ela confidenciou que o volume de informações disponíveis hoje é bem maior e que agora pode ver a ação com outros olhos. Desde sua primeira decisão, o Tribunal de Contas da União (TCU) enviou ao Congresso parecer pela reprovação das contas de Dilma relativas a 2014 por manobras contábeis no Orçamento da União – irregularidade que mascarou uma situação negativa e certamente teve impacto eleitoral.
Além disso, foram compartilhadas informações da Operação Lava Jato com o TSE. Foram enviados ao tribunal documentos que mencionam o repasse de dinheiro ao PT e ao ex-tesoureiro João Vaccari Neto, preso em Curitiba desde o primeiro semestre. Em sua delação premiada, o empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC, afirmou que pagou R$ 20,5 milhões em propina ao PT, entre 2004 e 2014. Maria Thereza é relatora de uma ação de impugnação de mandato eletivo (Aime) e duas ações de investigação judicial eleitoral (Aije). Existe ainda sob a responsabilidade do ministro Luiz Fux uma representação contra a campanha do PT. A tendência é a de que tudo fique concentrado na mão de Maria Thereza. Há um outro flanco que atemoriza ainda mais o governo. A Polícia Federal apura irregularidades envolvendo fornecedores contratados pelo comitê de Dilma, num inquérito aberto na Superintendência em Brasília. Segundo agentes a par da investigação, a tendência é de que o trabalho tenha desdobramentos a partir de janeiro em formato de operação.
Para obter êxito no TSE, a oposição conta com a contundência dos votos de dois ministros que, durante a sessão do STF que reiniciou o jogo do impeachment na Câmara, alterando o rito estabelecido inicialmente, votaram contra o Planalto: Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Embora tenha sido indicado pelo PT, Toffoli tem demonstrado independência nas últimas intervenções. Já Gilmar Mendes é autor de um dos votos mais marcantes no TSE em desfavor de Dilma. Ao pedir a reabertura do processo contra a presidente em agosto, Mendes disse que “ladrões de sindicato transformaram o País em um sindicato de ladrões”.
De acordo com o inquérito aberto pela PF, a pedido de Gilmar Mendes, a Focal Comunicação Visual recebeu R$ 24 milhões para montar os comícios da candidata, enquanto cerca de R$ 23 milhões foram pagos à VTPB serviços Gráficos para intermediar a contratação de serviços de impressão de santinhos. As suspeitas apontadas por Mendes incluem, entre outros problemas, uso de notas frias e ocultação de despesas. A frente de investigação inclui ainda a apuração de um “laranjal” de empresas de fachada abertas para, ao que tudo leva a crer, lavar dinheiro de campanha. Em agosto deste ano, o ministro pediu que o Ministério Público de São Paulo investigasse a empresa inscrita na Junta Comercial de São Paulo como “Ângela Maria do Nascimento Sorocaba – ME”. O CNPJ foi criado dois meses antes da eleição, com a única finalidade de atender a campanha do PT e emitiu R$ 1,6 milhão em notas para o comitê de Dilma. A empresa nunca prestou serviço, não tem sede e a suposta proprietária é uma empregada doméstica que trabalhou como cabo eleitoral na campanha grampeando cartazes em cavalete.
A prestação de contas foi aprovada com ressalva pelo plenário do TSE em 11 de dezembro de 2014, mas na avaliação de Mendes evidências de irregularidades surgiram no decorrer de 2015, algumas delas reveladas pela Lava Jato. No caso da empresa VTPB há suspeitas de que a empresa tenha sido remunerada com recursos desviados da Petrobras, como sugeriu empresário Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia em delação premiada. O PT rechaça as acusações de irregularidades nas contas eleitorais de Dilma. A chegada ao TSE de documentos da Lava Jato ajudará a esclarecer essas suspeitas. Às vésperas do primeiro turno das eleições de 2014, Pessoa teve encontros com o tesoureiro do partido, que teria vinculado uma eventual vitória de Dilma à manutenção de contratos da empreiteira com a Petrobras.
A oposição reconheceu que a decisão do Supremo tornou o impeachment uma via um pouco mais complicada para tirar Dilma do Palácio do Planalto. “O caminho do TSE será a salvação”, afirmou o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB). O tucano avalia que a tendência é a de que a crise chegue muito mais aguda nos meses de março e abril, o que exigirá uma saída pela via eleitoral. Tirar Dilma por meio impeachment, colocando Temer no lugar, na avaliação do parlamentar, pode não resolver o problema, com um PMDB cada vez mais afundado nas ‘petrotraficâncias’ desvendadas pela Operação Lava Jato.
ISTOÉ Independente: Marcelo Rocha e Mel Bleil Gallo