As constantes denúncias nas redes sociais contra a fragilidade de nosso sistema eletrônico de votação e o pedido de auditoria da última eleição feito pelo PSDB poderão contribuir para fazer justiça numa nação faminta de justiça. Os países que criaram as urnas eletrônicas, como Estados Unidos, Japão e Alemanha, não utilizam essa tecnologia por considerá-la frágil e suscetível a fraudes. Por fim, a tecnologia de voto eletrônico não conseguiu ainda prosperar nas democracias tradicionais, mas está se proliferando nos países em desenvolvimento, como Brasil, Venezuela, Filipinas e muitos outros países pobres da África.
Há mais de dez anos que começamos a descrever, em capítulos de livros, revistas internacionais e outras publicações nacionais, os riscos do voto eletrônico para a democracia no Brasil. Vale mencionar, ainda, os trabalhos de diversos acadêmicos e técnicos brasileiros, que vêm denunciando a utilização do voto eletrônico no Brasil e a sua falta de segurança. Naquela época, voto eletrônico era um tabu no Brasil, e quem quisesse conhecê-lo com mais profundeza ou criticá-lo teria que publicar em revistas científicas internacionais, uma vez que no Brasil havia quase que uma unanimidade em favor dessa tecnologia. Pelo que se observa nas redes sociais, as coisas mudaram muito e, a exemplo de outros países, começa a haver um descrédito do voto eletrônico no Brasil.
Portanto, o que existe de comum na tecnologia de voto eletrônico no mundo inteiro, inclusive no Brasil, é uma deterioração da confiança pública, justamente por conta da falta de transparência dessa tecnologia. Decisões sobre voto eletrônico devem considerar duas questões básicas: quais são os riscos de se utilizar essa tecnologia? E quais são os riscos de não utilizá-la? A realidade é brutalmente diferente: voto eletrônico são um mercado que alguns gostariam de ampliar para obter lucros.
Em relação à democracia, à transparência e à segurança, o que realmente existe de errado com o nosso voto eletrônico? Um dos princípios básicos da democracia habilita o eleitor a controlar, contar ou assistir à apuração de seu voto e lhe traz a certeza de que o seu voto foi registrado, contabilizado e apurado. No voto eletrônico, o controle do voto é roubado do eleitor e repassado para as máquinas e empresas privadas que fazem a apuração dos votos. Nesse caso, um dos princípios básicos e sagrado da democracia desaparecem. Isso sem falar no fato de que, com o voto eletrônico, o voto do eleitor pode ser desviado para outro candidato. Existem vários dispositivos de voto eletrônico, como é o caso do voto totalmente digital (urnas eletrônicas brasileiras), tecnologia com voto impresso, penas digitais, voto pela internet e outros. Como se observa na literatura, o voto digital é o mais inseguro de todos.
De acordo com os cientistas da computação, a tecnologia que não oferece as condições de ser auditada e é utilizada sem os devidos protocolos e certificações não é segura e transparente. É o caso do voto totalmente digital. Isto ficou evidenciado no Brasil, quando o PSDB pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma auditoria da última eleição. O pedido foi descartado. O que acontece na realidade é que a tecnologia de voto eletrônico no Brasil não pode ser auditada, pois o resultado vai sempre ser o mesmo, ou seja, qualquer processo de recontagem de votos vai oferecer o mesmo resultado, uma vez que os dados e os algoritmos das urnas são idênticos. Para piorar a situação, os fabricantes das urnas eletrônicas não permitem que as mesmas sejam submetidas a testes de controle e auditoria. Por que o TSE não entrega suas urnas eletrônicas, adquiridas com o dinheiro público, para que a comunidade científica comprove a sua segurança? Ademais, a segurança e transparência do voto eletrônico é um assunto muito complexo e não pode ficar restrito ao TSE e aos fabricantes das urnas eletrônicas.
Uma questão que começa a chamar a atenção da comunidade acadêmica mundial é o fato de que as falhas das tecnologias de voto eletrônico, que deveriam ser resolvidas por cientistas da computação, estão sendo julgadas por juízes. O que entendem os juízes da complexidade desses artefatos técnicos? Pesquisas estão sendo propostas para identificar pontos de controle para uma transparência “legalmente efetiva” dessas tecnologias. Ao se analisar as relações entre os interesses do mercado, as ações dos juízes e a própria transparência, as implicações poderão ser estarrecedoras, caso não se defina os pontos de controle de uma transparência legalmente efetiva. A defesa do voto eletrônico no Brasil pela mais alta corte de Justiça do país não parece, em muitos casos, estar de acordo com os enunciados dos cientistas da computação.
O alerta do PSDB deve ser considerado pelos demais partidos políticos e pela sociedade como um todo. A segurança e a transparência das eleições no Brasil significam o fortalecimento da nossa democracia. Nesse sentido, as diversas tecnologias de voto eletrônico devem ser avaliadas e testadas, de modo se que possa escolher ou não uma delas. As comunidades científicas nacional e internacional devem ser ouvidas sobre o tema, desde que isentas do interesse do mercado. Os fornecedores de urnas eletrônicas não poderão continuar escondidos nesse processo e defendidos pelo sistema legal do país. A transparência deve vir à tona.
Em alguns países as eleições eletrônicas começam a ser vistas como um travesti da democracia eleitoral e as fraudes oriundas delas se assemelham aos crimes de corrupção e de estupro. Ao que tudo indica, a deterioração da democracia eleitoral com as urnas eletrônicas vai continuar. Espera-se que ela não continue até que a nossa amada República do Brasil desapareça.
*José Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA)- CONGRESSO EM FOCO