quinta-feira, 07/11/2024
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O orçamento impositivo: o resgate da cidadania

Constantemente realizam-se nos parlamentos legislativos, audiências públicas para discutir assuntos pertinentes a questões dos Orçamentos Públicos. Observa-se um profundo e preocupante desinteresse da população pela questão. Não deveria ser assim, pois afinal passam pelos orçamentos públicos federal, estadual e municipal, cerca de 37% da renda nacional. Porque esse desinteresse?
Em primeiro lugar: porque o orçamento é um instrumento de difícil entendimento pelo público leigo, sendo de leitura específica dos técnicos da área. E em segundo lugar: porque os recursos livres para programação são pouco representativos.
O orçamento do governo federal para o exercício de 2010, por exemplo, monta em 1.676 bilhões, sendo que deste montante apenas 47 bilhões destinam-se aos investimentos. Vale dizer, menos de 3% são passíveis de serem programados, o restante já está comprometido com despesas de pessoal, despesas de custeio da máquina pública, pagamento de encargos e amortizações da dívida pública, gastos com a previdência social e outras despesas obrigatórias.
Ulisses Guimarães, o grande timoneiro da democracia, apelidou a Constituição Federal de 1988 de “constituição cidadã”. Mas tanto ele, matreiro como era, bem como os demais constituintes, não atinaram que o exercício da cidadania, quando se trata da administração pública, se manifesta, principalmente, através do Orçamento Público, pois é ali que estão previstas as receitas e as despesas que alimentam a máquina pública incluindo os investimentos que trarão benefícios para a população. E os representantes dos cidadãos, no sistema republicano, são os parlamentares, e estes, no caso brasileiro, têm um poder muito limitado sobre a programação da despesa pública.
É impressionante como um poder abriu mão de suas prerrogativas e se subordinou a outro como o legislativo o fez em relação ao poder executivo. Apesar de alguns discursos exaltados e indignados de seus membros, na verdade o Poder Legislativo, por não ter ingerência sobre o caixa do governo, se auto-mutilou. Manda quem tem a chave do cofre, e esta está nas mãos do Poder Executivo, que não partilha com ninguém.
Essa posição de passividade não coaduna com suas origens. O parlamento moderno surgiu quando os senhores feudais, em 1215, na Inglaterra, impuseram a “João Sem Terra” a aceitação do controle sobre o erário público, não só no poder de tributar, mas também no controle da destinação do produto da arrecadação. No Brasil, a Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I estabelecia que a fixação das contribuições seria feita pelos parlamentares, bem como a sua distribuição.
A Constituição de 88, nesse aspecto, foi um retrocesso. No art. 61, § 1º, II outorga ao Chefe do Poder Executivo, em caráter privativo, a iniciativa das leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica e que fixem ou aumentem a sua remuneração, organização administrativa; matéria tributária e orçamentária; serviços públicos; criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública, entre outros
Ao parlamentar, por ser o veiculador da vontade popular, é conferido pelo texto constitucional, como função típica e exclusiva, o poder de emendas aos projetos cuja iniciativa seja ou não de sua competência. O direito de emendar constitui parte fundamental do poder de legislar. Sem ele o Legislativo se reduziria a um simples ratificador da vontade do titular da iniciativa ou um simples votante.
Mas a mesma Constituição, que outorgou ao Poder Legislativo o poder de emendar as leis de iniciativa do Executivo reservou a este o poder de veto, pelo critério de conveniência e oportunidade. Fundamenta-se essa regra de reserva no princípio da separação dos poderes e no entendimento de o Chefe do Poder Executivo ser também o Chefe da Administração pública, por cujos interesses tem que zelar e só ele está em condição de saber quais são esses interesses e como agir para resguardá-los.
Além do mais, no caso específico dos orçamentos públicos, mesmo sancionando as emendas oriundas do legislativo, ao executivo cabe o poder discricionário de executar, ou não, as emendas propostas. Isto porque o orçamento não é impositivo, apenas autorizativo. Vale dizer: pela lei, o Executivo não pode executar obras que não estejam inseridas no orçamento, mas não é obrigado a executar as que foram aprovadas pelo parlamento.
As audiências públicas transformam-se, então, num ato inócuo, que serve apenas para cumprir a legislação e, na maior parte das vezes, num ato político de cunho meramente eleitoral. Daí o desinteresse da população que cansou de exercer o papel de claque de um sistema de faz de conta.
É preciso mudar. A administração pública moderna, no sistema republicano, não pode prescindir da participação da população, tanto na programação como no controle do gasto público. Daí a necessidade, urgente, de aprovar a emenda constitucional n° 22/2000, que está em discussão no Congresso Nacional. Com a aprovação dessa emenda, o Poder Executivo será obrigado – e não apenas autorizado – a cumprir o Orçamento, tal como aprovado pelos parlamentares. Somente não o fazendo em caso de frustração das receitas previstas, o que deverá ser convenientemente justificado. Com o orçamento impositivo o Governo não poderá, por exemplo, cortar investimentos para compor o superávit fiscal. Perderá a discricionariedade.
O orçamento impositivo favorece a participação popular. O poder passa então a ser exercido pelo povo através do parlamento. Quem conhece a realidade de sua gente é o parlamentar. Não é o burocrata que só a conhece por mapas e dados estatísticos.

(*) Waldir Serafim é economista e professor universitário.

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Parmenas Alt
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