O petrolão atingiu em cheio a operação das maiores empreiteiras do país, e algumas delas já entraram, inclusive, com pedido de recuperação judicial. Mas há quem encontre na desgraça do clube do bilhão uma oportunidade. Enquanto um bloqueio cautelar impede que 30 empresas envolvidas na Lava Jato prestem serviços para a Petrobras, e processos em curso na Controladoria-Geral da União (CGU) as ameaçam com a inidoneidade, que as proibiria de de trabalhar para a União, construtoras médias se preparam para crescer no vácuo das grandes. O conceito de "construtora média" é impreciso. A reportagem do site de VEJA, contudo, selecionou seis empresas com faturamento anual entre 300 milhões e 2 bilhões de reais que, seja pela saúde financeira, pelo estilo de gestão ou por contarem com alguma expertise no atendimento ao governo, estão aptas a conquistar território rapidamente: Método, Racional, Encalso, Cowan, Aterpa e Hochtief. Elas têm caminho livre para se tornar gigantes – em um novo ambiente, no qual impere a legalidade.
Dificilmente uma construtora de porte médio terá musculatura para fazer frente à Camargo Corrêa ou à Odebrecht no médio prazo. Empresas como as do clube do bilhão não se tornaram grandes do dia para a noite. Quase todas em operação há mais de meio século, elas cresceram também graças a uma janela de oportunidade: surfaram como poucas na onda da construção civil da ditadura militar. Antes de serem tragadas pelo petrolão, passaram décadas ajudando a desenvolver os grotões do país. Mas, diante da possibilidade de se tornarem inidôneas na esteira da Lava Jato, a fila se organiza para substituí-las.
Um dos caminhos para o crescimento é fazer parcerias com empresas estrangeiras, que sempre tiveram na presença das gigantes um obstáculo para entrar no Brasil. Na semana passada, o governo anunciou um novo pacote de investimentos em infraestrutura. Embora parte do plano seja pouco factível, nele também estão previstas obras que já contam com estudos de viabilidade. O mercado se move com cautela, mas empreiteiras estrangeiras fazem as contas e sondam as construtoras médias em busca de parcerias para, talvez, disputar as concessões. O advogado Fernando Villela, sócio da área de infraestrutura do escritório Siqueira Castro, conta que já foi procurado por empresários de fora interessados nos aeroportos que serão privatizados. "Diante da atual conjuntura, as estrangeiras podem, enfim, entrar no Brasil, inclusive adquirindo o capital de construtoras nacionais, sobretudo as médias", avalia.
A Racional Engenharia, fundada em 1971 em São Paulo, se movimenta para não perder o bonde. Newton Simões, um dos sócios da empresa, disse que o diálogo está aberto com empreiteiras nacionais e internacionais para a criação de consórcios. "Duas cabeças pensam melhor. Algumas associações são pontuais, e tudo dependerá das características de cada projeto", diz. A Racional mira empreendimentos nas áreas portuária e aeroportuária. Simões pondera, no entanto, que para o diálogo avançar, o governo precisa explicar as taxas de retorno sobre os investimentos e espantar temores de mudança de regras no meio do processo. A empresa não tem experiência no ramo de infraestrutura, mas se diz pronta para desbravá-lo depois de que executou mais de 500 obras em segmentos que vão da indústria à hotelaria, passando pela construção de shopping centers e edifícios corporativos.
Um dos principais estudiosos de infraestrutura no Brasil, o professor Paulo Fleury, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que dirige o instituto Ilos, diz que os novos ares que sopram no setor o deixam otimista. "Esse movimento é extremamente positivo, porque estamos há décadas prisioneiros de meia dúzia de empreiteiros, e vemos o que eles são capazes de fazer, considerando tudo o que ocorreu nos últimos meses," afirma. Ele explica que a chance das médias é grande porque, mesmo que não tenham arrematado contratos bilionários no passado, não são completamente alheias a esse tipo de empreitada. "Na construção civil, é comum que uma grande empresa subcontrate o trabalho para outras construtoras. A grande leva o contrato e coordena a execução das pequenas e médias, que acabam adquirindo know-how", explica.
Esse tipo de dinâmica aconteceu com a construtora alemã Hochtief, que entrou em um consórcio com a Camargo Correa e a Odebrecht para construir a nova sede da Petrobras em Vitória, no Espírito Santo, em 2006. A obra idealizada pelo arquiteto capixaba Sidônio Porto custou 580 milhões de reais e foi entregue em 2011 – dois anos depois do prazo inicial. Segundo Fernando Marcondes, sócio da área de infraestrutura escritório de advocacia L.O. Baptista-SVMFA, sozinha, a Hochtief não teria conseguido o contrato. "É preciso uma injeção de musculatura vinda de parcerias no Brasil ou no exterior. Para ganhar grandes licitações, é necessário apresentar garantias que uma construtora média, muitas vezes, não têm", afirma. Apesar de ser uma multinacional presente nos cinco continentes com faturamento global de 20 bilhões de dólares, a empresa sempre ficou à sombra do clube do bilhão no Brasil. Seu último resultado público data de 2014, ano em que a crise já havia se instalado. O lucro líquido da empresa foi de 31,15 milhões de reais – menos de um décimo do lucro de 490,7 milhões de reais da Odebrecht naquele mesmo ano.
Enquanto a Racional e a Hochtief não têm histórico de parcerias com o setor público, há concorrentes experientes no metier de lidar com o governo. Uma delas é a Encalso, que firmou 170 contratos com a União entre 2012 e 2015. A empresa recebeu do governo federal 32 milhões de reais entre janeiro e abril deste ano, segundo dados do Portal da Transparência – oito vezes mais do que o total do ano passado. A transposição do Rio São Francisco é uma das principais obras públicas de seu portfólio. Além disso, a empresa já anunciou que começará a investir no segmento ferroviário, uma das principais frentes do novo pacote de concessões do governo. Entre suas obras mais recentes está a movimentação de máquinas para a duplicação da Rodovia dos Tamoios (SP-99), orçada pelo governo paulista em 557,4 milhões de reais.
As mineiras Aterpa e Cowan também possuem musculatura para abocanhar licitações, tendo em vista que já realizaram obras públicas de relevância dentro e fora de Minas Gerais. A primeira participou de consórcio para a construção do lote 1 da ferrovia Norte-Sul, enquanto a segunda implantou a linha 4 do metrô do Rio de Janeiro e executou obras de ampliação e restauração do aeroporto de Confins (MG). Um desastre, contudo, arranhou a imagem da Cowan de forma talvez irremediável. Estava sob sua responsabilidade a construção do Viaduto dos Guararapes, que caiu em julho do ano passado, em Belo Horizonte, matando duas pessoas e deixando mais de 20 feridos.
Nos bastidores, as empresas de médio porte têm se articulado para ganhar força frente às grandes para obter licitações, orientadas por entidades como a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e a Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop). "Estamos tentando induzi-las a se juntar. Não só com outras empresas, mas com bancos e fundos de investimento. Além disso, temos indicado escritórios de advocacia e fornecido consultores para esclarecer como as concessões funcionam", conta Luciano Amadio, presidente da Apeop.
As entidades da categoria também têm pressionado o governo para ampliar o acesso das pequenas e médias. O principal pleito é a flexibilização dos critérios de escolha, como o tamanho mínimo do patrimônio exigido para participar de certames e a diminuição dos lotes de obras em concessões. "Não adianta ter uma concessão de uma estrada inteira de 800 quilômetros ou exigir que todas as empresas tenham um Shield [escavadeira conhecida como 'tatuzão'], que as médias não vão ter nada disso", diz Amadio.
No caso da Petrobras, as empresas aptas a substituir as grandes devem se inserir num mercado muito mais restrito, que requer experiência além da pavimentação ou terraplanagem. Muito antes da Lava Jato, a Método Engenharia resolveu se preparar para brigar com as grandes. Em 2009, fundiu-se com a Potencial Engenharia, especializada no setor de óleo e gás. Hoje, mantém 13 contratos com a estatal que somam quase 1 bilhão de reais."Nos últimos anos, muitas empresas se tornaram insolventes. E, com a questão da Lava Jato, a concorrência forte foi excluída do cadastro. Isso abriu uma oportunidade grande não só para nós, mas para todas as empresas que não quebraram e não estão na Lava Jato", diz o presidente da Método, Hugo Marques da Rosa, que relata animado o cenário de portas abertas que encontra na estatal. Cinco anos atrás, a empresa costumava competir com até 25 empresas por um contrato, feito por meio de carta-convite. "Hoje, a relação de convidadas caiu pela metade", diz.
O executivo acredita que algumas das envolvidas na Lava Jato não vão sobreviver. Até o momento, quatro empresas entraram com pedido de recuperação judicial e trinta permanecem impedidas de prestar serviços para a estatal. Quem conseguir sair do turbilhão, diz ele, ao voltar ao mercado encontrará uma nova configuração. "Dentro de dois ou três anos, as maiores serão outras", afirma. No caso da Método, Rosa quer galgar degraus sem ter de recorrer a licitações públicas. Para a empresa que deve faturar 1,45 bilhão de reais este ano, de estatal, por ora, já basta a Petrobras.
Site:Veja