Na segunda-feira 22, horas depois de expedido o mandado de prisão do marqueteiro da campanha e conselheiro de Dilma, João Santana, com base na mais bem documentada operação da Polícia Federal até agora, o ex-presidente Lula sacou o telefone e ligou para o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. “Ela (Dilma) sabia que ia dar m…Que isso tudo chegaria na campanha”, esbravejou o petista. Impregnado de fúria, Lula reavivou em Wagner uma conversa mantida no Palácio do Planalto entre o senador Delcídio do Amaral (PT) e a presidente Dilma Rousseff, em junho, na esteira da prisão de executivos das principais empreiteiras do País. Durante uma reunião, o senador petista advertiu a chefe do Executivo: “Presidente, a sra. sabe que foi uma dessas empreiteiras implicadas na Lava Jato que bancaram sua campanha e pagaram ao publicitário João Santana”. Ao que Dilma respondeu: “Isso é problema do Lula. Ele que resolva”. Delcídio então rebateu: “Não, a campanha era sua. É sua a responsabilidade”.
“Pois é, agora chegou nela”, concluiu Lula no telefonema ao ministro baiano. O tom do diálogo traduz a atmosfera de pânico reinante no PT e no Planalto, a partir da deflagração da Operação Acarajé, pela Lava Jato, na última semana.
Foram 67 dias de alívio para o governo, desde a decisão do STF de alterar o rito do afastamento da presidente Dilma no Congresso. Na segunda-feira 22, o acarajé azedou e a calmaria cedeu lugar à tormenta. Para a presidente, a prisão daquele que era considerado o 40o ministro do governo, tamanha era a influência exercida por ele, constitui-se no desenlace mais grave da Operação Lava Jato até agora. Os fortes indicativos de que dinheiro desviado da Petrobras serviu para bancar João Santana, principal mentor e estrategista das campanhas petistas, colocaram o impeachment novamente na ordem do dia – tanto do Congresso, como das ruas. Com algumas diferenças fundamentais, em relação ao ano passado, que fazem com que o processo capaz de apear Dilma do poder retorne ainda com mais vigor e mais robusto do ponto de vista político. Desta vez, não há qualquer vestígio das digitais do impopular presidente da Câmara, Eduardo Cunha, responsável por avalizar o pedido anterior. Ao contrário do ano passado, Dilma também não pode se escorar no ex-presidente Lula. Enrolado com os casos do tríplex no Guarujá e do sítio em Atibaia, reformados com dinheiro da OAS, empreiteira envolvida no Petrolão, o morubixaba petista não empolga nem conduz mais as massas como em outrora. Pelo contrário. Ele nunca esteve tão fragilizado e com uma imagem tão arranhada perante a população, haja vista o panelaço do qual foi alvo na última terça-feira 23 – indiscutivelmente o mais estrepitoso entre todos até agora.
Na ausência de um inimigo número um para atribuir as ações perpetradas contra ela no Congresso, papel este exercido por Cunha em 2015, e com o seu principal mentor – Lula – a manquitolar nas cordas, Dilma volta a depender de dois partidos que se revelaram nada confiáveis em momentos pretéritos em que a presidente esteve em apuros: o próprio PT e o PMDB. É notório. Os petistas nunca morreram de amores por Dilma. Nem quando ela foi alçada ao Olimpo político em 2010. Hoje, eles se dispõem a sustentá-la tão somente por conta da sobrevivência eleitoral, traduzida na batalha pela manutenção dos mais de 20 mil cargos, em poder da legenda, na Esplanada dos Ministérios. Intramuros, integrantes do partido jogam na conta da presidente a pior crise já experimentada pelo PT, desde a sua fundação – fruto, para eles, da equivocada política econômica responsável por paralisar o País e trazer de volta o desemprego e a recessão.
O principal sintoma do estremecimento da relação entre Dilma e PT é a possível ausência da presidente no evento em comemoração aos 36 anos do partido no Rio. Já o PMDB, que ensaiou o desembarque do governo, mas voltou ao estado de ponto morto depois que o motor do impeachment esfriou no ano passado, retomou as negociações para colocar em marcha o afastamento da presidente. Na última semana, as articulações entre PMDB e PSDB, principal partido de oposição, ganharam intensidade e retornaram ao estágio anterior à decisão do STF de 17 de dezembro, quando os ministros da corte mudaram a regra do jogo com a partida em andamento e jogaram uma ducha de água fria no processo. O PMDB cogita até apresentar um novo pedido de impeachment capaz de alcançar os últimos fatos da Lava Jato, como o dinheiro recebido pelo marqueteiro João Santana no exterior. A assessoria jurídica do partido já trabalha em cima de um parecer nesse sentido. O vice-presidente Michel Temer (PMDB) mantém a discrição e evita fazer movimentos bruscos, como ocorreu no ano passado, quando foi acusado de jogar abertamente contra o governo. Mas, segundo palavras de um de seus mais próximos aliados, o vice vai deixar “a partida correr solta”.
O PMDB desenvolve um raciocínio bem pragmático para voltar a embarcar na canoa do impeachment. Por que aguardar uma decisão no TSE que pode prejudicar o partido, na hipótese de condenação da chapa Dilma-Temer, se o PMDB pode ser o fiel da balança para afastar a presidente num processo político no Congresso do qual se beneficiaria diretamente, com a ascensão automática do vice-presidente ao poder, caso seja aprovado o impedimento da petista? A seu favor, o partido ainda conta com a possibilidade de a liturgia do impeachment no Congresso ser bem mais célere do que um julgamento no TSE. Numa projeção otimista, o Tribunal Eleitoral só irá conseguir se manifestar sobre as contas eleitorais de Dilma em outubro deste ano, ao passo que um processo de afastamento no Legislativo, se houver condições políticas para levá-lo a cabo, não duraria mais do que três meses.
Por isso, neste momento, as conveniências políticas de PMDB e PSDB voltam a se entrelaçar. Para Dilma o restabelecimento da harmonia entre as duas legendas é o pior dos mundos. A senha para o reinício das tratativas foi a decisão do presidente do PSDB, senador Aécio Neves, de se engajar de corpo e alma na manifestação marcada para o dia 13 de março cujo mote principal será o “Fora, Dilma”. A decisão foi tomada após reunião com parlamentares da oposição na sede da liderança do partido no Senado. “Estamos distribuindo uma nota de absoluto apoio dos partidos de oposição às manifestações programadas para o próximo dia 13 de março, organizadas por movimentos da sociedade civil. Vamos conclamar nossos companheiros de todas as regiões do País para que se façam presentes nesse momento de profundo agravamento da crise política, econômica, social e moral que vem devastando o Brasil. Vamos botar nossa cara sim e dizer basta a tudo isso que vem acontecendo”, afirmou Aécio Neves. “Pela primeira vez temos provas documentais que vinculam a campanha da presidente Dilma à corrupção na Petrobras”, pontuou o tucano. A nota em apoio à manifestação foi subscrita pelo PSDB, PPS, DEM, PV e Solidariedade. Os oposicionistas anunciaram ainda que os líderes dos partidos na Câmara solicitarão ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, uma audiência para cobrar rapidez na publicação do acórdão do rito do impeachment.
EM MARCHA
O MBL, liderado por Kim Kataguri (abaixo, estará à frente dos protestos do dia 13.
Panelaço na terça 23 expôs decepção do brasileiro com Lula e o PT
Para esquentar ainda mais a discussão sobre o afastamento da presidente, as siglas de oposição inauguraram nos últimos dias um comitê pró-impeachment. Com a criação do colegiado, a oposição tentará criar um clima de vigília constante, exercendo uma espécie de marcação cerrada sobre Dilma no rastro da manifestação do dia 13 de março. A intenção é estabelecer um calendário de protestos nas principais capitais do País em prol da saída da petista. Servem de inspiração para o grupo os comícios das Diretas Já. Esportistas e cantores populares já foram contatados para reforçar os palanques e imprimir uma marca suprapartidária aos eventos. O grupo também busca estreitar os laços com o empresariado. Na quarta-feira 24, deputados de cinco partidos se reuniram com Paulo Skaf, porta-voz do setor industrial paulista.
Numa outra trincheira, os parlamentares da oposição prometem se dirigir à ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora de uma das ações movidas pelo PSDB no TSE contra a chapa Dilma-Temer, para reforçar o pedido para que os documentos da nova fase da Lava Jato sejam anexados ao processo. O PSDB pleiteia a análise pela Justiça Eleitoral dos novos documentos da investigação sobre João Santana. As maiores evidências contra Dilma e sua campanha derrubam a versão de Santana, segundo a qual os valores recebidos no exterior – cerca de US$ 7,5 milhões – estavam relacionados a serviços prestados por ele fora do Brasil. A principal delas é um depósito de US$ 1,5 milhão feito na conta do marqueteiro na Suíça entre julho e novembro de 2014, período em que João Santana, como é sabido, se dedicou exclusivamente à campanha à reeleição da petista. Há ainda registros de repasses que somam R$ 4 milhões na mesma época, segundo planilha apreendida na Odebrecht sob o título “Feira-evento 14”. Feira, segundo os investigadores, seria uma referência a Santana (leia mais nas páginas 34 a 38). O surgimento da comprovação de que o marqueteiro de 2014 foi pago com recursos do Petrolão pode vir a ser o Fiat Elba de Dilma – ironicamente, o caso envolvendo o ex-presidente Collor foi desvendado por quem pode derrubá-la agora: João Santana.
Sérgio Pardellas (sergiopardellas@istoe.com.br)