Deixaremos de usar o petróleo antes que ele termine?
O pesquisador espanhol do Real Instituto Elcano, Gonzalo Escribano, acredita que um dos cenários possíveis é que o último barril de petróleo extraído não custe milhões de euros, e sim zero, pois ninguém o comprará.
Aliás, o auge das energias renováveis torna possível que, hoje em dia, já existam territórios que eliminaram o petróleo de suas fontes de energia. Um deles é a espanhola Isla de El Hierro, que desde fevereiro de 2018 se abastece 100% com energia renovável. Gonzalo Escribano diz que “a questão não é se o final do petróleo chegará, mas saber quando vai chegar e de que maneira”.
Neste sentido, a data que poderia marcar o ponto máximo da demanda do petróleo também varia entre os diversos interlocutores. Por sua vez, a Agência Internacional de Energia situa o peak oil demand (o ponto máximo de crescimento da demanda do petróleo) em 2035, enquanto algumas empresas petrolíferas marcam 2050 como a data de crescimento máximo.
O petróleo como fonte de energia
Os combustíveis fósseis, entre os quais se encontra o petróleo, supõem 80% da demanda energética mundial. Portanto, a presença do petróleo ainda é muito significativa.
Ainda assim, o professor emérito da Universidade Politécnica da Catalunha (Espanha), Carles Riba, diz que “as tecnologias de captação de energia de fontes renováveis são suficientemente maduras para levar a cabo uma transição energética”.
De certo modo, ele coincide com Gonzalo Escribano quando o pesquisador do Real Instituto Elcano sustenta que “o atual apoio às energias renováveis não é tão necessário quanto antes pois, em muitos casos, já são competitivas”.
É difícil saber quando as renováveis vão superar os combustíveis fósseis, mas é cada vez mais fácil imaginar um mundo energéticamente limpo analisando os casos de El Hierro e de Portugal, que chegou a gerar 104% da energia que consome a partir de fontes de energias renováveis no último mês de março; ou de outras cidades do mundo. Neste ponto, Gonzalo Escribano discrepa, pois adverte que “talvez deixaremos de utilizar o petróleo na Europa, mas em outros países em desenvolvimento continuará sendo utilizado”.
Da gasolina à eletricidade
Os carros híbridos pareciam coisas de outro planeta, e hoje representam 3% dos veículos da União Europeia. Aliás, algumas cidades começaram a optar por veículos deste tipo para montar suas frotas de ônibus.
Imaginar a mobilidade sem petróleo pode ser mais fácil do que fazê-lo em outros aspectos de nossas vidas, pois numerosos exemplos mostram a mudança da forma como nos deslocamos.
No entanto, o preço da eletricidade e os deslocamentos de longa distância são questões ainda por resolver. Quanto à primeira questão, o pesquisador do Real Instituto Elcano explica que “a Califórnia, sendo o sumo-sacerdote da transição energética, é um dos lugares com a eletricidade mais cara. A consequência é que, embora existam muito carros híbridos, os usuários abastecem com gasolina, pois o preço da eletricidade é muito mais alto”.
O uso do petróleo na alimentação
Embora possa parecer surpreendente, nossa alimentação também se veria afetada pelo fim do petróleo. O professor Carles Riba explica que “os alimentos se transformam, são conservados e se transportam às grandes cidades usando petróleo e combustíveis fósseis, e que por isso o fim do petróleo não será um problema apenas para encher o tanque.
O abastecimento básico, como no caso dos alimentos, da água e das comunicações, também sofrerão”. Desta forma, Carles Riba prevê uma aproximação à natureza e uma “volta ao passado”.
O consumo de produtos de proximidade virá acompanhado de um modelo de vida mais sustentável, no qual os alimentos não chegarão à cozinha após percorrer milhares de quilômetros. Portanto, embora a globalização tenha dado acesso a alimentos do mundo todo, a renúncia ao petróleo pode voltar a nos aproximar dos produtos locais e de temporada.
Adeus ao plástico
Os derivados do petróleo estão em todo lugar. O teclado do computador, a capa do seu smartphone e a garrafa de água são alguns exemplos de objetos cotidianos que contêm derivados do petróleo. Porém, algo está mudando.
Cada vez mais marcas buscam alternativas ao plástico para produzir seus produtos. Você sabe quantas escovas de dente vai descartar em sua vida? Aproximadamente 300. O que pode fazer para evitar descartar um elemento tão cotidiano e que demora mais de 70 anos para se deteriorar? Usar uma escova feita de materiais biodegradáveis, como por exemplo escovas de dente de bambu. Em uma escala maior, também é possível evitar o uso do plástico. Uma opção é a impressão 3D em metais, com a qual obtemos peças mais duradouras e menos tóxicas para o meio ambiente, já que demoram mais em se tornar inúteis. Substituir o plástico por outros materiais não contribui apenas para cuidar do planeta, mas também reduz a dependência do petróleo.
A tecnologia terá um papel fundamental no fim do uso do petróleo, da mesma forma que o impulso de políticas que apostam por outro tipo de fontes de energia. Não podemos esquecer que “a transição energética é um dos fenômenos mais complexos que podemos encontrar, já que inclui muitas mudanças tecnológicas, econômicas e sociais”, aponta Gonzalo Escribano.
Carles Riba considera que o “autoempoderamento da cidadania é o único caminho para dar impulso a uma sociedade mais democrática, equilibrada” e que se mova no caminho da sustentabilidade.
Desta forma, além da tecnologia e da ação dos governos, está em nossas mãos que o fim do petróleo se aproxime cada vez mais. Pensar como utilizamos o petróleo no nosso dia a dia e buscar alternativas disponíveis ao nosso redor nos aproxima de forma individual deste objetivo.