por Cintia Oliveira*
Pertencente à família das Fabaceae, que reúne os frutos que crescem dentro de vagens, como feijão e fava, as leguminosas têm importância vital na nossa alimentação. Seja pelo aspecto econômico ou cultural, é impossível imaginar a culinária japonesa sem o shoyu e o tofu, elaborados a partir da soja fermentada, ou a cozinha indiana sem a lentilha e o grão-de-bico, amplamente consumidos pela população. Mas nem precisamos ir tão longe assim: o feijão é o primeiro ingrediente que vem à cabeça quando se pensa no prato do dia a dia do brasileiro.
A importância desses grãos, ricos em proteína vegetal, foi reconhecida durante a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em setembro do ano passado em Nova York (EUA). Os cerca de 120 chefes de Estado presentes chegaram a um consenso: 2016 foi eleito o Ano Internacional das Leguminosas. O programa, comandado pela FAO – órgão de promoção da alimentação e agricultura da ONU –, tem como o objetivo incentivar o consumo e produção dos ingredientes pelo mundo, tanto pelo aspecto nutricional quanto econômico. “Uma de nossas linhas é promover a agricultura familiar, já que as leguminosas são rentáveis e de fácil cultivo, e a saúde da população mundial, que sofre com a má nutrição e o sobrepeso, muitas vezes causado pelo consumo excessivo de gorduras trans e de origem animal”, explica Alan Bojanic, representante da FAO no Brasil.
Apesar de estarem sob os holofotes neste ano, não é de hoje que as leguminosas têm o seu merecido reconhecimento – ao menos entre os vegetarianos. Graças a aspectos nutricionais, os grãos são os grandes protagonistas da dieta desprovida de carne. “Além de serem fontes muito ricas de proteína, as leguminosas têm um custo baixo e permitem infinitos preparos. Faço desde saladas até hambúrgueres”, diz a chef Priscilla Herrera, do restaurante vegetariano Banana Verde, de São Paulo. Entusiasta das leguminosas, Priscilla tem o hábito de ir aos mercados e zonas cerealistas em busca de diferentes grãos.
Recentemente, voltou de sua terra natal, Poços de Caldas (MG), com uma caixa recheada com diferentes variedades de feijão – a segunda leguminosa mais produzida no Brasil, com cerca de 3 milhões de toneladas ao ano (só perde para a soja, com 97 milhões de toneladas anuais), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Gosto de conversar com os pequenos produtores, que me ensinam qual feijão rende um bom caldo, qual combina com sabores mais defumados e por aí vai”, explica a chef. E Claudia Mattos, chef do vegetariano Zym, de São Paulo, também investe na variedade de leguminosas. Usa o feijão-azuki, por exemplo, como base de um bolo vegano com cacau e frutas secas. “O Brasil é muito rico em grãos para ficarmos restritos ao feijão-preto e o carioca, que encontramos no supermercado”, diz ela.
Por dentro das leguminosas
Saiba um pouco mais sobre as características nutricionais das leguminosas escolhidas pela chef Priscilla Herrera, do restaurante vegetariano Banana Verde, para compor as receitas que ilustram esta reportagem
Embora as leguminosas sejam ricas em proteínas e ferro, elas não bastam para suprir a ausência dessas substâncias vindas da carne. “É necessário um planejamento dietético adequado, porque o ferro presente nos vegetais precisa de vitamina C para facilitar a absorção”, explica a nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Maria Carolina von Atzingen.
Para se ter um melhor aproveitamento dos nutrientes presentes em lentilhas, grãos-de-bico e feijões, os vegetarianos costumam utilizar a técnica de germinação (confira abaixo). Esse gênero é difundido, principalmente, entre os adeptos do crudivorismo, dieta vegetariana na qual se consome apenas alimentos crus ou cozidos, no máximo, a 42ºC – temperatura que torna inviável o cozimento das leguminosas. “Depois de algumas horas mergulhados em água, os grãos ‘despertam’ e isso ajuda a potencializar os nutrientes”, explica a chef Inês Braconnot, do restaurante Ró, especializado em raw food, no Rio de Janeiro. Ela costuma utilizar os grãos tenros e crocantes em saladas e no suco verde do café da manhã. Independentemente da técnica de preparo, todas as leguminosas devem ser deixadas de molho antes do preparo. “Elas são ricas em fitotoxinas, que causam desconforto estomacal. Por isso, vale seguir esse conselho de nossas avós”, recomenda Inês.
A convite da Menu, Priscilla elaborou quatro receitas inspiradas em leguminosas amplamente utilizadas pelo adeptos da alimentação sem proteína animal. Sendo vegetariano, ou não, aproveite para explorar os inúmeros preparos que as leguminosas podem nos oferecer.
abará com favas e molho de amendoim
por Priscila Herrera, do Banana Verde
abará
300 g de favas, deixadas de molho por 12 horas
½ cebola branca picada
Sal e pimenta-do-reino a gosto
1 colher (café) de bicarbonato de sódio
1 colher (sopa) de salsinha picada
Folhas de bananeira
molho de amendoim
½ xícara (chá) de amendoim tostados
½ xícara (chá) de azeite
3 talos de raiz de coentro
¼ de pimenta dedo-de-moça, sem as sementes
Sal marinho a gosto
½ colher (café) de gengibre ralado
Suco de 1 limão
2 pedras de gelo
abará
Descasque as favas e, em um processador de legumes, coloque as favas, cebola, sal, pimenta-do-reino e bicarbonato. Bata por 10 minutos até a massa ficar homogênea. Retire e misture a salsinha. Lave as folhas de bananeiras. Corte as folhas em retângulos de 30 cm por 15 cm. Passe as folhas de bananeira sobre a chama para que se tornem mais flexíveis. Coloque a massa no começo da folha de bananeira e enrole em triângulos. Em um panela própria para cozinhar a vapor, coloque os abarás e cozinhe por 30 minutos com tampa.
molho de amendoim
No liquidificador, coloque todos os ingredientes, bata até ficar cremoso. Corrija o sal e a pimenta-do-reino se necessário.
para servir
Coloque os abarás em um prato e sirva com molho de amendoim.
rendimento 12 porções; preparo 1h; execução moderada
pão sem glúten
por Priscila Herrera, do Banana Verde
mistura sem glúten
1/2 xícara (chá) de farinha de arroz integral
1/2 xícara (chá) de farinha de arroz
1/2 xícara (chá) de farinha de milho
1/2 xícara (chá) de amido de milho
1/2 xícara (chá) de polvilho azedo
¼ xícara (chá) de farinha de batata
ingrediente secos
Farinha de milho para untar
3 xícaras (chá) de mistura de farinha sem glúten
1 colher (sopa) de goma xantana
1 colher (chá) de sal marinho
4 e 1/2 colheres (chá) de fermento biológico seco
ingredientes úmidos
Quanto baste de azeite ou óleo vegetal (canola, girassol, milho, etc) para untar
1 e ¼ xícara (chá) de água morna (37,7ºC)
1 colher (chá) de vinagre de maçã
¼ xícara (chá) de azeite de oliva
2 ovos orgânicos
2 colheres (chá) de melaço de cana
mistura sem glúten
Misture as farinhas e guarde em pote de vidro bem fechado na geladeira.
pão sem glúten
Aqueça o forno a 190ºC. Unte a forma de pão com o azeite ou óleo vegetal. Envolva com papel-manteiga (deixe a parte brilhante para baixo). Unte o papel-manteiga. Salpique com farinha de milho. Misture os ingredientes secos em uma bacia, mas não coloque o sal junto com o fermento. Coloque o sal, misture tudo e depois coloque o fermento e misture novamente. Se colocar junto o sal mata o fermento. Misture 1 xícara (chá) de água morna junto com o vinagre, azeite, os ovos e o melaço de cana. Cuidado para não acrescentar muita água no início. Em uma batedeira em velocidade baixa, use a raquete e, aos poucos, acrescente os ingredientes úmidos aos secos. Quando tiver acrescentado tudo, aumente a velocidade da batedeira para médio e bata por uns 4 a 5 minutos, até a massa se unir e começar a grudar nas laterais da batedeira. Adicione aos poucos o restante da água morna à massa, no máximo 1 colher (sobremesa) por vez, até a massa ficar brilhosa e começa a querer cair e se soltar da espátula, mas sem realmente cair. Unte uma bacia com óleo e farinha sem glúten e coloque rapidamente a massa na bacia. Chacoalhe e mexa a bacia de modo que a massa fique envolta de farinha e forme uma bola redonda. Rapidamente coloque a massa na forma de pão de forma e mexa a forma para acomodar bem a massa para ficar no formato de pão de forma. Unte a superfície do pão com o azeite. Use as costas de uma colher para espalhar sobre a massa. Cubra com papel manteiga untado e deixe descansar por uns 30 minutos. Asse por uns 35 a 45 minutos a 190ºC. O pão estará pronto quando a sua temperatura interna for de 95ºC. Deixe descansar em uma grelha para ventilar por todos os lados por uns 20 minutos antes de servir.
para servir
Deixe esfriar, fatie e faça torradas com um fio de azeite de oliva.
rendimento 1 unidade; preparo 2h30; execução difícil
quenelle de edamame
por Priscila Herrera, do Banana Verde
2 bananas verdes
300 g de soja verde em grãos, cozida
3 colheres (sopa) de azeite extravirgem
1 cebola roxa picada
1 alho-poró picado
Sal marinho, pimenta em grãos e noz-moscada a gosto
1 colher (sopa) de salsinha picada; 1 colher (chá) de cebolinha picada;
100 g de cebola caramelizada
torrada sem glúten
1 pão sem glúten (veja receita acima)
Azeite extravirgem e sal a gosto
queijo de castanhas
1 e ½ xícara (chá) de castanhas de caju
Quanto baste de água
¼ xícara (chá) de azeite extravirgem
1 pitada de sal marinho
1 pitada de pimenta-do-reino
Raspas e sumo de 1/2 limão-siciliano
cebola caramelizada
1 cebolas, em lâminas,
1 colher (sopa) de azeite extravirgem
2 colheres (sopa) de vinagre balsâmico
1 colher (sopa) de açúcar mascavo
torrada sem glúten
Corte um pão sem glúten em fatias e, depois, corte as fatias em quartos. Arrume as fatias de pão em uma assadeira e leve para torrar em forno a 180ºC. Retire as torradas do forno e deixe esfriar. Regue cada torrada com um pouco de azeite e sal a gosto e reserve.
queijo de castanhas
Cubra as castanhas com água e deixe-as hidratando por 8 horas. Em seguida, escorra as castanhas em uma peneira. No liquidificador, bata todos os ingredientes até ficar cremoso. Corrija os temperos, se necessário, e reserve em geladeira.
cebola caramelizada
Em um bowl, misture todos os ingredientes. Leve uma frigideira grande ao fogo médio-alto e, quando estiver quente, adicione a mistura. Cozinhe até que as cebolas murchem e fiquem com a cor mais escura.
quenelle de edamame
Prepare primeiro a biomassa de banana: coloque-as, com casca, em uma panela de pressão, cubra-as com água e leve ao fogo. Quando a panela apitar, conte 15 minutos e retire as bananas da panela. Descasque-as ainda quentes, coloque em um processador e bata por 5 minutos. Retire a biomassa e processe os grãos de soja verde. O ideal é deixar alguns pedaços de soja na massa. Misture a biomassa e a soja verde processada e reserve. Em uma frigideira levada ao fogo médio-alto, aqueça o azeite e refogue a cebola e o alho-poró até dourar. Misture a cebola e o alho-poró dourados à biomassa com a soja verde. Tempere a gosto com sal, pimenta, noz moscada, salsinha e cebolinha. Modele o edamame com uma colher de sopa, em formato de quenelles. Coloque as quenelles em uma assadeira coberta com papel manteiga e leve ao forno preaquecido a 180ºC. Asse por 15 minutos até levemente dourar.
para servir
Coloque a quenelle sobre as torradas sem glúten, regue com o queijo de castanhas e coloque um pouco das cebolas caramelizadas por cima.
rendimento 4 porções; preparo 30 minutos; execução fácil
salada de lentilhas germinadas e figos turcos
por Priscila Herrera, do Banana Verde
300 g de salada de lentilhas germinadas e figos turco
1 maço de radichio
Folhas de dill a gosto
salada de lentilhas germinadas e figos turcos
250 g de lentilhas libanesa germinadas
Quanto baste de água
½ cebola roxa picada
2 figos turcos picados
2 colheres (sopa) de azeite extravirgem
1 limão espremido
1 colher (sopa) de dill picado
¼ pepino sem sementes, em cubos
Sal e pimenta-do-reino a gosto
salada de lentilhas germinadas e figos turcos
Deixe as lentilhas de molho durante 10 horas (da noite para o dia). No dia seguinte, escorra em uma peneira e lave. Deixe na peneira em cima de um bowl e molhe até 2 vezes por dia durante, dois dias. No segundo dia os brotos começarão a aparecer. Reserve. Em um bowl, misture todos os ingredientes restantes, menos as folhas de radichio. Adicione as lentilhas, tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e reserve.
para servir
Coloque a salada de lentilhas germinadas por cima de uma folha de radichio previamente higienizada e decore com as folhas de dill. Repita com as outras folhas de radichio até acabar a salada de lentilhas.
rendimento 12 porções; preparo 3 dias; execução moderada
tutu de feijão sangue-de-tatu com legumes chamuscados
por Priscila Herrera, do Banana Verde
tutu de feijão sangue-de-tatu
2 xícaras (chá) de feijão sangue-de-tatu
1 folha de louro
Quanto baste de água
100 g de tofu defumado
2 colheres (sopa) de azeite
¼ de cebola branca picada
2 dentes de alho, picados
Sal marinho e pimenta-do-reino a gosto
2 colheres (sopa) de cebolinha picada
¼ de xícara (chá) de farinha de milho triturada
legumes chamuscados no forno a lenha
1 abobrinha em rodelas grossas
½ buquê de couve-flor em buquês
2 mandioquinhas em rodelas
1 cenoura cortada em palitos
Sal, pimenta-do-reino e azeite extravirgem a gosto
tutu de feijão sangue-de-tatu
Em uma panela de pressão, coloque o feijão, a folha de louro e água suficiente para cozinhar. Deixe cozinhar por 40 minutos. Em uma assadeira coloque o tofu defumado e leve para assar por 10 minutos em forno a 180ºC. Retire, corte em cubos e reserve. Leve uma panela ao fogo médio-alto, aqueça o azeite e refogue a cebola e o alho picado até dourarem. Adicione o feijão cozido com o caldo e cozinhe até o caldo engrossar. Tempere com sal, pimenta-do-reino e cebolinha. Junte tofu e a farinha de milho e mexa bem até o caldo engrossar. O ponto ideal é a textura de purê cremoso.
legumes chamuscados ao forno a lenha
Disponha os legumes em assadeiras separadas e tempere-os com o sal, a pimenta-do-reino e azeite a gosto. Aqueça um forno a lenha até chegar a temperatura de 200ºC. Asse a abobrinha por 6 minutos, a couve-flor por 5 minutos, a mandioquinha por 20 minutos e a cenoura por 15 minutos.
para servir
Sirva com os legumes grelhados.
rendimento 6 porções; preparo 1h30; execução moderada
Banana Verde
rua Harmonia, 278 – Vila Madalena (veja no mapa)
(11) 3814-4828 – São Paulo – SP
bananaverde.com.br/ISTOÉ