Estressado no trabalho e no trânsito, fumante, com alimentação rica em gorduras e carnes vermelhas. O estilo de vida do gerente de recursos humanos Jorge Reis, de 50 anos, não era nada saudável.
Até que o corpo dele reclamou em alto e bom som. Há três anos enfartou. “Estava tranqüilo, brincando com meus netos, quando senti uma dor súbita no coração. O mal-estar era intenso e tive que ser levado imediatamente para o hospital. Sofrer um enfarte é como sentir a morte ainda mais próxima”, conta Reis. Meses depois, ele teve outro ataque cardíaco e precisou se submeter a três cirurgias no coração.
A história de Reis endossa as estatísticas de milhares de brasileiros que sofrem de problemas cardiovasculares e que, em muitos casos, têm um final mais trágico. Segundo o último relatório do Ministério da Saúde, de 2006, as doenças do aparelho circulatório são a principal causa de morte natural no País, correspondendo a cerca de 30% do total de óbitos. “Os casos de enfartes têm se equiparado ao número de derrames, que ainda são a principal causa de morte por doenças cardiovasculares no Brasil”, diz Hermes Xavier, presidente da Sociedade Latino-americana de Aterosclerose. Segundo a organização, nos últimos 25 anos, os casos de enfartes agudos aumentaram 34%.
Para os médicos, a maior incidência de problemas cardiovasculares é resultado da vida moderna. “A urbanização trouxe consigo novos hábitos. Alguns deles, bastante danosos para o coração”, afirma Leopoldo Piegas, diretor do Hospital Dante Pazzanese, em São Paulo. “Viver no trânsito é risco para o coração”, relata Reis, que hoje evita engarrafamentos e passou a freqüentar, semanalmente, a academia.
A falta de atividade física, a má alimentação, sedentarismo e uma rotina de trabalho estressante contribuíram para que a população apresentasse, cada vez mais, doenças como hipertensão, colesterol alto e diabete. Assim como o tabagismo e a obesidade, elas são os principais fatores de risco para doenças do coração, que podem vir associadas a antecedentes familiares.
Segundo especialistas, as chances de uma pessoa ter um enfarte são aumentadas quando o pai teve um ataque cardíaco antes dos 65 anos e a mãe, até os 55 anos.
Mais cedo
Os hábitos de vida nocivos à saúde não só aumentaram os riscos da população brasileira frente às doenças do coração como também fizeram com que elas aparecessem mais cedo. “Antigamente, era mais comum ver casos de enfarte a partir dos 60 anos.
Hoje, homens e mulheres a partir dos 40 já sofrem ataques cardíacos”, comenta Ieda Jatene, cardiologista do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo.
Para o cardiologista Marcelo Sampaio, mesmo que raros, casos de enfartes podem aparecer ainda mais cedo, a partir dos 17 anos. Durante 3 anos, ele avaliou 220 enfartados atendidos no Hospital Dante Pazzanese (SP), com idades entre 17 e 40 anos. Do total, 91% eram fumantes. “Este foi o principal fator de risco”, afirma. Ainda segundo ele, há 20 anos, casos de enfartes abaixo da faixa dos 40 representavam de 4% a 7% do total no País.
Hoje, esse número saltou para 20%.
O combate ao tabagismo aparece como o melhor custo-benefício na redução das doenças cardiovasculares. “Nosso foco de prevenção é nas faixas mais jovens, quando as pessoas começam a fumar”, comenta Rui Ramos, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Segundo ele, os fatores de risco que, geralmente, estão associados entre si, aumentam as chances de problemas do coração em progressão geométrica. No caso de Jorge Reis, que fumava dois maços de cigarro por dia, comia alimentos gordurosos e não praticava exercícios, a probabilidade de ele ter um ataque cardíaco – o que, de fato, aconteceu – era oito vezes maior do que a de alguém que não possui os mesmos hábitos.
A vendedora Neusa do Nascimento, de 59 anos, visitou o médico após sentir uma dor muito forte no peito e descobriu que era hipertensa. O diagnóstico foi de uma angina, falta de irrigação do músculo cardíaco que pode anteceder o enfarte. Outra preocupação é o crescimento de mulheres enfartadas. “No País, ao longo de 3 décadas, a incidência de ataques cardíacos nas mulheres cresceu 70%, ao passo que nos homens permaneceu estável”, explica Sampaio. No Instituto do Coração (Incor), o aumento de enfartes entre as mulheres foi de 14% contra 6% entre homens, nos últimos 19 anos.
Mulheres e crianças
Após os 65 anos, as mulheres se igualam aos homens em número de enfartes, em parte, por conta da menopausa. “Elas estão cada vez mais ligadas ao mercado de trabalho e ao estresse, além de beberem e fumarem mais”, explica Sampaio.
O cenário preocupante chega às crianças que apresentam níveis de colesterol suficientemente altos para que, a longo prazo, desenvolvam doenças cardiovasculares. Estima-se que 10% a 35% delas, a partir dos 5 anos, possuam níveis alterados de gordura. “Elas se alimentam muito mal e também são mais sedentárias, o que contribui para quadros de hipertensão”, comenta Ieda Jatene. Sem falar que, na adolescência, elas começam a fumar. “A combinação de fatores de risco acentua o acúmulo de placas de gordura nas artérias. Essa doença, que pode levar uma pessoa, a partir dos 40 anos, a ter um enfarte, começa a se desenvolver já na infância”, conclui Hermes Xavier.
F.Uni/Fernando Gazzaneo