domingo, 22/12/2024
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O Brasil e a maconha uruguaia

Uma delegação governamental brasileira, composta de autoridades do governo federal e do estado do Rio Grande do Sul, pretende visitar o Uruguai, nos próximos dias, para — segundo informam os jornais — “alertar” as autoridades de Montevideu a respeito do projeto de lei que legaliza a venda e o cultivo de maconha que está para ser votado este mês naquele país.

O Brasil estaria preocupado — e para isso tentando se meter em um assunto que só interessa ao povo uruguaio — com as consequências do projeto para o país de Mujica e os “outros países da região”. 

Do ponto de vista do Brasil — mergulhado em uma pandemia de crack e em uma guerra tão inútil quanto mal sucedida contra uma praga que já contaminou toda a sociedade — não dá para perceber em que aspecto a venda de maconha no Uruguai poderia piorar ainda mais a situação. E muito menos que tipo de “orientação” o Brasil poderia dar, nesse aspecto, ao governo de Pepe Mujica.

Será que o Brasil vai ensinar ao Uruguai a defender suas juízas para que elas não sejam assassinadas ao descobrir que dezenas de  policiais, trabalhando em um mesmo bairro,  recebiam regularmente dinheiro de traficantes de drogas? 

Ou será que vai propor à polícia uruguaia que use kits de teste para evitar prender automaticamente qualquer um que esteja portando um papelote, ou uma “pedra”, mesmo que ali só haja anfetamina misturada com pó de mármore e bicabornato de sódio?

Será que iremos ensinar o Uruguai a não perder, em confrontos relacionados à repressão ao tráfico de drogas, em apenas três cidades, quase 2 mil pessoas assassinadas por ano?

Ou será que vamos ensinar a solucionar os problemas de superlotação, de péssima condição e das mortes por problemas de saúde e de violência nas cadeias uruguaias?

Como mostram estas poucas perguntas — irônicas, está claro — há uma série de assuntos, entre eles corrupção, tráfico de drogas, violência, situação carcerária, procedimento legal, etc, em que o Brasil não está em condições de dar lições a ninguém. E muito menos ao povo uruguaio, um país que tem uma cultura e uma qualidade de vida — para ficar apenas em dois aspectos — muitíssimo superior às que nós temos aqui.

Para resolver o problema de drogas no Brasil e em outros países é preciso, primeiro — como está fazendo o Uruguai — parar de relativizá-las hipocritamente. O cigarro e a bebida — considerando-se o câncer, a violência e os acidentes de trânsito — matam tanto, direta e indiretamente, quanto a maconha, o crack e a cocaína, por exemplo.

Toda substância que afeta a mente e o comportamento é droga. Nunca vi ninguém deixar de fazer bêbado, o que faria sob o efeito de outras drogas, até porque o álcool é a droga de entrada, a partir da qual o usuário é apresentado às outras.

Um sujeito, sob o efeito de cocaína, pode matar a família a pauladas, em São Paulo, do mesmo jeito que outro faz o mesmo a machadadas, no interior da Bahia, depois de passar a noite bebendo pinga e fumando cigarro de palha.

Ora, se sequer proibimos a publicidade de álcool na televisão, como queremos nos meter nos assuntos internos de terceiros países para influenciar o que eles vão fazer com relação á maconha?

No Uruguai, e em alguns estados norte-americanos, cansados de armar a polícia gastando milhões, sem nenhum resultado palpável a não ser milhares de mortos e cadeias superlotadas, transformadas em universidades do crime, o que fizeram os governos?

Optaram por controlar e taxar a produção e a venda de maconha, tirando das mãos dos traficantes e dos corruptos que vivem à custa deles, e colocando nas mãos do Estado, milhões de dólares que podem, por meio dos impostos, beneficiar a toda a sociedade.

O proibicionismo radical e intolerante, em um mundo em que a Europa e os EUA já  descriminalizaram, de fato, a maconha — e a situação pré-existente não piorou em razão disso — é anacrônico e descabido, e só serve para manter em funcionamento um Estado repressivo fundamentalista, no qual uma multidão de espertos explora a ignorância alheia e sobrevive da indústria do medo e da violência.

Se não se tivesse ido com tanta sede ao pote, a repressão ao tráfico de cocaína, antes restrito a pequena parcela dos jovens da classe média, talvez não tivéssemos hoje o fenômeno do crack.

Incomodados no seu “negócio”, os traficantes resolveram trocar o pequeno atacado por uma droga de varejo, para consumo de massa, que, pela disseminação e a quantidade de usuários, não pudesse ser rastreada ou controlada.

Hoje, até eles estão sendo alijados do processo. Até porque o que se está vendendo hoje nas ruas é uma série de produtos químicos altamente tóxicos, que em suas diversas composições muitas vezes não têm nem traço de cocaína.

Se esse fosse o caso, a produção boliviana não daria para abastecer nem o estado de São Paulo.

 

 

Jornal do Brasil

Mauro Santayana

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Parmenas Alt
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