domingo, 22/12/2024
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Número de presos explode no Brasil e gera superlotação de presídios

O número de pessoas presas no Brasil cresceu 6% somente nos seis primeiros meses deste ano, intensificando uma tendência que fez do Brasil um dos três países do mundo com maior aumento da população carcerária nas últimas duas décadas.

 

Segundo dados recém-divulgados pelo Ministério da Justiça, o número total de presos em penitenciárias e delegacias brasileiras subiu de 514.582 em dezembro de 2011 para 549.577 em julho deste ano.

Uma das principais consequências desse aumento é a superlotação das prisões, já que novas vagas não são criadas na mesma velocidade que o aumento do número de presos. Em julho, havia um déficit de 250.504 vagas nas prisões do país, segundo os dados oficiais.

Em 1992, o Brasil tinha um total de 114.377 presos, o equivalente a 74 presos por 100 mil habitantes. Em julho de 2012, essa proporção chegou a 288 presos por 100 mil habitantes. No período, houve um aumento de 380,5% no número total de presos e de 289,2% na proporção por 100 mil habitantes, enquanto a população total do país cresceu 28%.

Segundo levantamento feito a pedido da BBC Brasil pelo especialista Roy Wamsley, diretor do anuário online World Prison Brief (WPB), nas últimas duas décadas o ritmo de crescimento da população carcerária brasileira só foi superado pelo do Cambodja (cujo número de presos passou de 1.981 em 1994 para 15.404 em 2011, um aumento de 678% em 17 anos) e está em nível ligeiramente inferior ao de El Salvador (de 5.348 presos em 1992 para 25.949 em 2011, um aumento de 385% em 19 anos).

Se a tendência de crescimento recente for mantida, em dois ou três anos a população carcerária brasileira tomará o posto de terceira maior do mundo em números absolutos da Rússia, que registrou recentemente uma redução no número de presos, de 864.197 ao final de 2010 para 708.300 em novembro dese ano, segundo o último dado disponível.

"Por mais esforço que o Estado faça, não dá conta de construir mais vagas no mesmo ritmo", admite o diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, Augusto Rossini.

Segundo ele, o crescimento acelerado no número de prisioneiros no país é consequência tão somente do aumento da criminalidade, mas também do endurecimento da legislação penal, da melhoria do trabalho da polícia e da maior rapidez da Justiça criminal.

'Recompensa nas urnas'

Alguns críticos, porém, afirmam que falta ao Executivo e ao Legislativo no Brasil uma vontade política para encontrar saídas alternativas à prisão e evitar o aumento descontrolado no número de prisioneiros.

"A sociedade ainda não pode abrir mão da prisões, mas elas deveriam servir só para conter os criminosos de alto risco", defende José de Jesus Filho, assessor da Pastoral Carcerária Nacional.

Para ele, "entre 70% e 80% dos presos" poderiam cumprir penas alternativas, como compensação às vítimas, prestação de serviços à comunidade, vigilância à distância e recolhimento noturno.

"Isso também reduziria a taxa de reincidência e o custo para o Estado de manter tantos presos", diz. "Mas as razões do Estado são políticas, não necessariamente de interesse público, então não há vontade para investir nisso", critica.

Um dos maiores especialistas do mundo no tema, o finlandês Matti Joutsen, faz coro ao argumento. Diretor do Instituto Europeu para Prevenção e Controle ao Crime (Heuni), órgão consultivo da ONU, Joutsen diz que em vários países há "uma vontade em particular dos políticos em encontrar soluções fáceis para problemas vexatórios".

"Seus cidadãos estão preocupados com mais roubos ou assaltos? Aumente a punição. Há mais histórias sobre tráfico de drogas na mídia? Aumente a punição. Houve algum caso particularmente repulsante de estupro ou sequestro? Aumente a punição. Nunca se importam em tentar melhorar as políticas sociais, oferecer aos criminosos em potencial alternativas de vida ou investir em medidas de prevenção", observa.

Segundo ele, essas alternativas "não trazem as mesmas promessas de recompensa imediata nas urnas". "'Endurecer contra o crime' sempre cai bem com a sua base política e é certamente um chamariz de votos", afirma.

Penas alternativas

O diretor do Depen afirma que o interesse do governo é reduzir o número de presos e aumentar a aplicação de penas alternativas, além de oferecer programas de ressocialização que permitam a remissão das penas dos condenados e evitem a reincidência após a soltura.

Mas ele observa que grande parte desse esforço depende da Justiça e dos legisladores. "Se os eleitores clamam por mais Justiça, os deputados e senadores não podem ficar alheios a isso. Dar uma resposta à sociedade também é importante para que ela não saia fazendo Justiça com as próprias mãos", observa.

Segundo ele, a prisão também tem um importante aspecto de prevenção ao crime. "O povo teme a prisão, e muitos deixam de cometer crimes porque temem ir para a cadeia", afirma.

Entretanto alguns críticos contestam esse argumento e afirmam que, ao invés de prevenir crimes, o aprisionamento em massa pode ter o efeito de elevar a criminalidade.

Um estudo publicado em 2007 por Don Stemen, diretor de pesquisas do Center on Sentencing and Corrections, dos Estados Unidos, argumenta que não existe uma relação direta entre prisões e criminalidade.

Ao analisar dados de diversas pesquisas que tentaram estabelecer essa relação com base em dados americanos, ele aponta que diferentes metodologias e períodos analisados indicaram desde uma redução de 22% no crime com um aumento de 10% nas taxas de encarceramento até um aumento pequeno na criminalidade.

No Brasil, vários indicadores de criminalidade também continuaram aumentando nas últimas duas décadas, apesar das taxas recorde de aprisionamento.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, o número total de homicídios no país passou de 31.989 em 1990 para 52.260 em 2010 (aumento de 63%). Na proporção por 100 mil habitantes, houve um aumento de 23% (de 22,2 homicídios por 100 mil habitantes para 27,3 por 100 mil).

'Mentalidade criminosa'

Para Matti Joutsen, do Heuni, é possível que o aumento no número de prisioneiros provoque um aumento na violência. "Os prisioneiros são geralmente soltos na sociedade após alguns anos, e se não há tentativas efetivas de reabilitá-los e de prepará-los para a soltura, eles estarão em sua maioria mais propensos a cometer novos crimes", afirma.

"Afinal de contas, por cortesia do governo, eles acabaram de passar os últimos anos entre um grande número de criminosos, formando novas alianças, aprendendo novas técnicas criminosas, conhecendo novas oportunidades criminais e formando sua 'mentalidade criminosa'", argumenta.

Para ele, "quando os criminosos são soltos de volta para as favelas de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de qualquer outro lugar sem um trabalho, sem uma casa e com perspectivas muito ruins, é muito provável que adotem novamente um estilo de vida criminoso", diz.

Joutsen observa que a superlotação e as condições precárias do sistema prisional brasileiro tornam "praticamente impossível" a implementação de qualquer programa de larga escala para promover a ressocialização dos presos.

"Como você ensina uma profissão a uma pessoa, provê educação básica, promove valores básicos e prepara ela para voltar à comunidade em liberdade, pronta para encontrar um emprego, estabelecer uma família, encontrar uma casa e se adequar à sociedade quando o governo já tem restrições em seus gastos e não há aparentemente vontade política de gastar os recursos limitados com os prisioneiros?", questiona.

Para José de Jesus Filho, da Pastoral Carcerária, falta ao governo um plano para reintegração social dos presos. "No final do ano passado, o governo anunciou um plano de US$ 1,1 bilhão para a construção de 42,5 mil novas vagas em presídios, mas não alocou nem um centavo para a ressocialização dos presos", critica.

"O que existem são apenas projetos-piloto, sem a dimensão necessária. Não é uma política universal do Estado", afirma.

Para ele, a função do encarceramento em ressocializar o criminoso está sendo deixada de lado, e as prisões no país "são vistas mais como meio de vingança da sociedade e de isolamento das populações mais marginalizadas".

O diretor do Depen afirma que o governo brasileiro "reconhece seus problemas e vem se esforçando por uma política criminal correta, que gere segurança para as pessoas e ajude a ressocializar os presos". "Estamos constantemente em busca de soluções", afirma.

 

 

BBC/ÚltSeg

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Parmenas Alt
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