quinta-feira, 07/11/2024
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Nova lei seca: bombom com licor, um ano sem habilitação; enxaguante bucal, três anos de cadeia

 

O Brasil, com a política da “tolerância zero” de álcool no sangue, se tornou uma dos doze países do mundo mais rigorosos em matéria de embriaguez ao volante. Dentre os 82 países pesquisados pela International Center for Alcohol Policies (EUA) (Folha de S. Paulo de 25.06.08, p. C3), onze deles adotavam o tolerância zero de forma absoluta: Armênia, Azerbaijão, Colômbia, Croácia, República Tcheca, Etiópia, Hungria, Nepal, Panamá, Romênia e Eslováquia. A esse rol agora temos que inserir o Brasil. Décimo segundo país a se incorporar no restrito grupo da tolerância zero.

Ficar sem habilitação durante um ano em virtude de um bombom com licor, no entanto, nos parece uma regra excessiva. Há duas formas de a lei penal não produzir eficácia preventiva: quando ela não é aplicada, garantindo dessa forma a impunidade do infrator (caso Edmundo, por exemplo), ou quando ela é exageradamente desproporcional, desequilibrada e desarrazoada.

A criminologia midiática, por força do populismo penal, normalmente apoia tudo quanto é tipo de endurecimento das normas, porque ela acredita, tanto quanto nossos ancestrais das cavernas, que pintando o animal na parede já se tem a posse dele (que basta a edição de nova lei e tudo vai ser resolvido). Ela acha que quanto mais dureza, menos crimes. Crença infundada. De 1990 a 2012 o legislador brasileiro aprovou 86 leis penais e nenhum crime diminuiu (muito menos as mortes no trânsito).

A reportagem da Folha de S. Paulo (31.01.13, p. C9), com autorização da Polícia Militar, fez o seguinte teste: uma pessoa comeu um bombom com licor, outra usou um enxaguante bucal e a terceira bebeu 200 ml de cerveja (menos de meio copo de cerveja). Em seguida passaram pelo etilômetro (bafômetro). Resultado: 0,08 mg, 0,34 mg e 1,31 mg, respectivamente. A primeira situação teria sido enquadrada na infração administrativa e as duas últimas no crime do art. 306. Dura lex sed lex, disse o militar (com outras palavras) que acompanhava o teste.

Os critérios puramente quantitativos, como se vê, criam situações de muita injustiça e de desequilíbrio. A Resolução citada, de qualquer modo, tem fundamento no disposto no art. 276 do CTB: “Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012).

A tolerância zero passou a ser absoluta em relação ao exame de sangue e relativa no que diz respeito ao etilômetro, visto que ele exige o mínimo de 0,05 mg/L de ar alveolar expirado. Nada, praticamente nada, escapa do novo regramento jurídico.

O parágrafo único do art. 276 diz:

“O Contran disciplinará as margens de tolerância quando a infração for apurada por meio de aparelho de medição, observada a legislação metrológica. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012). Isso foi feito na Resolução 133/2012.

A tolerância, antes, equivalia a 0,1 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, correspondente a 2 decigramas de álcool por litro de sangue. Havia uma alcoolização absolutamente insignificante inclusive para fins administrativos (sancionatórios). Com a nova resolução tudo se alterou. A tolerância é praticamente zero (0,05 mg/L).

Mas é justo cassar a habilitação, por um ano, de quem, com baixíssima ingestão de álcool ou outra substância psicoativa (bombom com licor ou enxaguante bucal), dirige normalmente, com segurança, com domínio da direção, sem afetar, com uma condução anormal, o nível de segurança viária, muito menos o princípio da condução segura?

Não seria o caso de se aplicar o princípio da insignificância, livrando o sujeito de qualquer tipo de sanção? Ou, pelo menos, não seria o caso de se fazer um segundo teste do etilômetro, alguns minutos depois? No caso da reportagem da Folha de S. Paulo, 15 minutos depois nada mais foi constatado! Daí o novo posicionamento do capitão da PM Sérgio Marques: “O motorista tem o direito de aguardar 15 minutos antes de fazer o teste” (a contraprova). Para ele, o bombom com licor não vai dar multa (O Estado de S. Paulo de 04.02.13, p. C1).

Uma legislação tão rigorosa como a que temos agora acaba desestimulando até mesmo a colaboração do motorista, que certamente vai raciocinar da seguinte maneira: é melhor não fazer nenhum tipo de teste e deixar que tudo seja julgado pelos “sinais indicadores da embriaguez”, que implicam uma valoração subjetiva fluida e lotérica. Soprando o etilômetro, com certeza vai haver punição e até mesmo injustiça. Não soprando, pode ser que sim, pode ser que não. Logo…

Ponto de vista e escrito por Luiz Flávio Gomes:  doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).

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Parmenas Alt
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