domingo, 22/12/2024
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Na iminência do afastamento fez Dilma perder o equilíbrio e as condições emocionais para conduzir o país

Os últimos dias no Planalto têm sido marcados por momentos de extrema tensão e absoluta desordem com uma presidente da República dominada por sucessivas explosões nervosas, quando, além de destempero, exibe total desconexão com a realidade do País. Não bastassem as crises moral, política e econômica, Dilma Rousseff perdeu também as condições emocionais para conduzir o governo. Assessores palacianos, mesmo os já acostumados com a descompostura presidencial, andam aturdidos com o seu comportamento às vésperas da votação do impeachment pelo Congresso. Segundo relatos, a mandatária está irascível, fora de si e mais agressiva do que nunca. Lembra o Lula dos grampos em seus impropérios. Na última semana, a presidente mandou eliminar jornais e revistas do seu gabinete. Agora, contenta-se com o clipping resumido por um de seus subordinados. Mesmo assim, dispara palavrões aos borbotões a cada nova e frequente má notícia recebida. Por isso, os mais próximos da presidente têm evitado tecer comentários sobre a evolução do processo de impeachment. Nem com Lula as conversas têm sido amenas. Num de seus acessos recentes, Dilma reclamou dos que classificou de “traidores” e prometeu “vingança”. Numa conversa com um assessor, na semana passada, a presidente investiu pesado contra o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato. “Quem esse menino pensa que é? Um dia ele ainda vai pagar pelo quem vem fazendo”, disse. Há duas semanas, ao receber a informação da chamada “delação definitiva” em negociação por executivos da Odebrecht, Dilma teria, segundo o testemunho de um integrante do primeiro escalão do governo, avariado um móvel de seu gabinete, depois de emitir uma série de xingamentos. Para tentar aplacar as crises, cada vez mais recorrentes, a presidente tem sido medicada com dois remédios ministrados a ela desde a eclosão do seu processo de afastamento: rivotril e olanzapina, este último usado para esquizofrenia, mas com efeito calmante. A medicação nem sempre apresenta eficácia, como é possível notar.

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DESCONTROLE

A presidente se entope de calmantes desde a eclosão da crise. Os medicamentos 

nem sempre surtem efeito, atestam seus auxiliares

Em recente viagem a bordo do avião presidencial, um Airbus A319, tripulantes e passageiros ficaram estupefatos com outro surto de Dilma. Depois de uma forte turbulência, a presidente invadiu a cabine do piloto aos berros: “Você está maluco? Vai se f…! É a presidente que está aqui. O que está acontecendo?”, vociferou. Não seria a primeira vez que Dilma perdia o equilíbrio durante um vôo oficial. No final de janeiro, o avião da presidente despencou 100 metros, enquanto passava pela região entre a floresta Amazônica e o Acre. O piloto preparava-se para pousar em Quito, no Equador. Devido ao tranco mais brusco, Marco Aurélio Garcia, assessor especial, acabou banhado de vinho e uma ajudante de ordens bateu levemente com a cabeça no teto da aeronave. Copos e pratos foram ao chão, mas ninguém se machucou. A presidente saiu de si. Na sequência do incidente, tratou de cobrar satisfações do piloto. Aos gritos. “Não te falei para não pegar esse trajeto? Quer que eu morra de susto, cace…?”. Os desvarios de Dilma durante os vôos já lhe renderam uma reclamação formal. Em carta, a Aeronáutica pediu para que a presidente não formulasse tantas perguntas sobre trajetos e condições climáticas nem adentrasse repentinamente às cabines para não tirar a concentração dos pilotos. A presidente não demonstra paciência nem mesmo para esperar o avião presidencial seguir o procedimento usual de taxiamento. Um de seus assessores lembra que, certa feita, Dilma chegou a determinar à Aeronáutica que reservasse uma pista exclusiva para a decolagem de sua aeronave. Com isso, outros aviões na dianteira tiveram de esperar na fila por horas.

O modelo consagrado pela renomada psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross descreve cinco estágios pelo qual as pessoas atravessam ao lidar com a perda ou a proximidade dela. São eles a negação, a raiva, a negociação, a depressão e a aceitação. Por ora, Dilma oscila entre os dois primeiros estágios. Além dos surtos de raiva, a presidente, segundo relatos de seus auxiliares, apresenta uma espécie de negação da realidade. Na semana passada, um presidente de uma instituição estatal foi chamado por Dilma para despachar assuntos de sua pasta. Chegou ao Palácio do Planalto, subiu ao terceiro andar e falaram longamente acerca da saúde da empresa e especialmente sobre a economia do Brasil e o contexto internacional. Ao final da conversa, observando o visível abatimento do executivo, Dilma quis saber: “Por que você está cabisbaixo?”. Franco, ele revelou sua preocupação com o cenário de impeachment que se desenhava, especialmente com o então iminente rompimento do PMDB. Ao ouvir a angústia do seu subordinado, que não está há muito tempo à frente da empresa, Dilma teve uma reação que tem se repetido sistematicamente: descartou totalmente a hipótese do seu impedimento. Ela exclamou: “Imagine, nada disso vai acontecer. Já temos garantidos 250 votos na Câmara”. O executivo tentou argumentar, mas foi novamente interrompido. A petista avaliou ser “até melhor” o rompimento com o PMDB, assim teriam a chance de “refundar” o governo. O presidente da instituição deixou a conversa completamente atônito. Considerou inacreditável a avaliação da chefe do Executivo.

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Outro interlocutor freqüente diz que a desaprovação recorde junto aos eleitores é vista como mero detalhe pela presidente. “Que falta faz um João Santana”, disse referindo-se ao marqueteiro preso e, principalmente, conselheiro para todas as horas. Aos integrantes do núcleo político, Dilma deixa transparecer que não lhe importa mais a opinião pública. Seu objetivo é seguir no posto a todo e qualquer custo e, se lograr êxito, punir aqueles que considera hoje seus mais ferozes inimigos. Especialmente os do Congresso. Na tática do desespero oferece cargos e verbas para angariar apoios à sua causa, não se importando com o estouro do orçamento e muito menos com o processo sobre suas contas abertos nos órgãos de fiscalização e controle, como o TCU. Na quarta-feira 30, chegou ao cúmulo de sugerir uma audiência com Valdemar Costa Neto, do PR, para oferecer-lhe a indicação do ministério de Minas e Energia. Ocorre que, hoje, Costa Neto apresenta dificuldades e limites de locomoção devido ao uso de uma tornozeleira. Depois da gafe, o jeito foi recorrer a emissários.

É bem verdade que Dilma nunca se caracterizou por ser uma pessoa lhana no trato com os subordinados. Mas não precisa ser psicanalista para perceber que, nas últimas semanas, a presidente desmantelou-se emocionalmente. Um governante, ou mesmo um líder, é colocado à prova exatamente nas crises. E, hoje, ela não é nem uma coisa nem outra. A autoridade se esvai quando seu exercício exige exacerbar no tom, com gritos, berros e ofensas. Helmuth von Moltke, chefe do Estado-Maior do Exército prussiano, depois de aposentado, concedeu uma entrevista que deveria servir de exemplo para governantes que se pretendam grandes líderes. Perguntado como se sentia como um general invicto e o mais bem-sucedido militar da segunda metade do século XIX, Moltke respondeu de pronto: “Não se pode dizer que sou o mais bem-sucedido. Só se pode dizer isso de um grande general, quando ele foi testado na derrota e na retirada. Aí se mostram os grandes generais, os grandes líderes e os grandes estadistas”. Na retirada, Dilma sucumbiu ao teste a que Moltke se refere. Os surtos, os seguidos destemperos e a negação da realidade revelam uma presidente completamente fora do eixo e incapaz de gerir o País.

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O PLACAR DO AFASTAMENTO 

Em frente ao Congresso, integrantes de movimentos pró-impeachment estampam

os rostos dos parlamentares contra e a favor da saída de Dilma

A maneira temperamental de lidar com as situações não é nova, embora tenha se agravado nas últimas semanas. Desde o primeiro mandato de Dilma, um importante assessor palaciano dedicou-se a registrar num livro de capa preta as reprimendas aplicadas por Dilma em seus subordinados. Ele deixou o governo recentemente por não aturar mais os insultos da presidente. A maioria injustificável, em sua visão. No caderno, anotou mais de 80 casos ocorridos entre 2010 e 2016. Entre eles, há o de um motorista que largou o automóvel presidencial no meio da Esplanada dos Ministérios depois de ser ofendido compulsivamente pela presidente e ameaçado de demissão por causa de um atraso. “Você não percebeu que não posso atrasar, seu m…Ande logo com isso senão está no olho da rua”, atacou Dilma. Consta também das anotações os três pedidos de demissão de Anderson Dornelles, que deixou o Planalto no último mês sob fortes suspeitas de ser sócio oculto de um bar localizado no estádio Beira-Rio de propriedade da Andrade Gutierrez. Nas vezes em que ameaçou deixar o governo, alegou cansaço dos destratos da presidente. “Menino, você não faz nada direito!”, afirmou ela numa das brigas. O ministro da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, também já experimentou a fúria da presidente. A irritação, neste caso, derivou das revelações feitas pelo empresário Ricardo Pessoa, da UTC, sobre as doações a sua campanha à reeleição em 2014. Participaram dessa reunião convocada pela presidente, além de Cardozo, os ministros Aloizio Mercadante, Edinho Silva e o assessor especial Giles Azevedo. Na frente de todos, Dilma cobrou Cardozo por não ter evitado que as revelações de Ricardo Pessoa se tornassem públicas dias antes de sua visita oficial aos Estados Unidos, quando buscava notícias positivas para reagir à crise. “Você não poderia ter pedido ao Teori (Zavascki) para aguardar quatro ou cinco dias para homologar a delação?”, perguntou Dilma referindo-se ao ministro que conduz os processos da Lava Jato no STF. “Cardozo, você fodeu a minha viagem”, bradou a presidente.

 

O episódio envolvendo Cardozo, no entanto, pode ser considerado até brando se comparado às situações enfrentadas por duas ex-ministras do governo, Maria do Rosário e Ideli Salvatti. Em 2011, ao debater com Rosário o andamento dos trabalhos da Comissão da Verdade, àquela altura prestes a ser criada pelo Congresso para esclarecer casos de violação de direitos humanos durante a ditadura militar, Dilma perdeu as estribeiras: “Cale sua boca. Você não entende disso. Só fala besteira”. Já Ideli conheceu o despautério da presidente logo no dia seguinte à sua nomeação para as Relações Institucionais. Quando ainda devorava jornais, Dilma leu uma reportagem em que a titular da pasta fazia considerações sobre os desafios do novo trabalho. Não gostou e deixou clara sua insatisfação: “Ideli, se na primeira coletiva você já disse bobagens, imagine nas próximas”.

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Publicamente, a presidente tenta disfarçar seu estado de ânimo atual. Mas nem sempre é possível deixar transparecer serenidade quando, por dentro, os nervos estão à flor da pele. Seus últimos discursos refletem a tensão reinante nos corredores do Palácio do Planalto. Na quarta-feira 30, Dilma converteu o evento de entrega de moradias da terceira fase do Minha Casa Minha Vida em um palanque contra o impeachment. Na cerimônia, estiveram presentes integrantes de movimentos sociais, como o MST. Os representantes, —muitos deles chamados de última hora já que nenhum governador se dignou a ir e, dos 300 prefeitos convocados, só oito compareceram —, foram acomodados em lugares destinados a convidados, onde entoaram gritos de guerra pró-governo mesmo antes de o evento começar. Os presentes chamaram o juiz Sérgio Moro, o vice Michel Temer e a OAB de “golpistas” e bradaram o já tradicional “não vai ter golpe”. Detalhe: o coro foi puxado pela militante travestida de presidente da República.

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Durante a campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff pagou para seus marqueteiros desenvolverem e disseminarem o nocivo “discurso do medo”. Espalhou o pavor entre os brasileiros mais carentes dizendo que, se seus concorrentes Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (na época no PSB) ganhassem a eleição, os programas sociais estariam em risco. Funcionou. Hoje, cara a cara com o impeachment, ela coloca sua tropa de choque novamente para atemorizar a população. Disse a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), na última segunda-feira: “Programas sociais como Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, Fies e tantos outros que beneficiam os mais pobres correm sério risco de sofrer corte caso a presidente Dilma seja impedida de continuar seu governo”.

Não bastasse a repetição da retórica cretina da campanha eleitoral, a presidente disse nos últimos dias que o que está se vendo o País é um verdadeiro “nazismo”, sem lembrar que o discurso do “nós contra eles” foi gestado e cultivado por sua equipe. O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, foi na mesma toada ao tentar reverter a posição do governo de incitador de ódio para pacificador: “Nós vamos baixar o tom ou esperar o primeiro cadáver?”. Sem mencionar, é claro, provocações até do presidente do PT, Rui Falcão, que no twitter escreveu recentemente: “Queremos a paz, mas não tememos a guerra”. Ou as palavras de Guilherme Boulos, coordenador do MTST, que disse que se o impeachment for efetivado ou Lula for preso, o Brasil seria “incendiado por greves, ocupações e mobilizações” e que “Não haverá um dia de paz do Brasil”.

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As diabruras de “Maria, a Louca”

Não é exclusividade de nosso tempo e nem de nossas cercanias que, na iminência de perder o poder, governantes ajam de maneira ensandecida e passem a negar a realidade. No século 18, o renomado psiquiatra britânico Francis Willis se especializou no acompanhamento de imperadores e mandatários que perderam o controle mental em momentos de crise política e chegou a desenvolver um método terapêutico composto por “remédios evacuantes” para tratar desses casos. Sua fórmula, no entanto, pouco resultado obteve com a paciente Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança, que a história registra como “Maria I, a Louca”. Foi a primeira mulher a sentar-se no trono de Portugal e, por decorrência geopolítica, a primeira rainha do Brasil. O psiquiatra observou que os sintomas de sandice e de negação da realidade manifestados por Maria I se agravaram na medida em que ela era colocada sob forte pressão. “Maria I, a Louca”, por exemplo, dizia ver o “corpo” de seu “pai ardendo feito carvão”, quando adversários políticos da Casa de Bragança tentavam alijá-la do poder. Nesses momentos, seus atos de governo denotavam desatino, como relatou doutor Willis: “proibir a produção de vinho do Porto na cidade do Porto”. Diante desse quadro, era preciso que ocorresse o seu “impedimento na Coroa”. Quanto mais pressão, mais a sua consciência se obnubilava, até que finalmente foi “impedida de qualquer ato na Corte”. Já com o filho Dom João VI no comando de Portugal, “Maria I, a Louca” veio às pressas para o Rio de Janeiro com a Família Real diante da invasão de Portugal. Aqui, ela tinha por hábito usar longos vestidos pretos e passava horas correndo pelos corredores palacianos gritando palavrões desconexos. Costumava acordar na madrugada e “berrava para seres imaginários descerem do Pão de Açúcar” porque nele “morava o diabo”. A sua derradeira frase em território lusitano pode ser interpretada como faísca de lucidez na loucura: “Não corram tanto, vão pensar que estamos sendo tocados ou que estamos fugindo”.

Antonio Carlos Prado

 

 

 

Fotos: Adriano Machado, Claudio Belli/Valor; Adriano Machado/Ag. Istoé; CELSO JUNIOR/AE; EPITACIO PESSOA/AE, Marcelo Camargo/Agência Brasil, Givaldo Barbosa/Agência O Globo Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco-ISTOÉ.

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Parmenas Alt
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