quinta-feira, 07/11/2024
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Na América Latina, prisões vivem condenadas à crise

Em uma prisão cujo nome é esperança, há pouca esperança de verdade. Os detentos da La Esperanza, prisão localizada em El Salvador, vivem apertados "nas cavernas", nome que dão para os espaços sufocantes debaixo das beliches, desesperados por um lugar para dormir.

Outros se espalham sobre cada centímetro de chão, por cima de um emaranhado de fios elétricos expostos nas sufocantes e sujas celas da prisão até que possam ter US$ 35 ou mais para comprar espaço em uma beliche. Nesses locais apertados, espaço se tornou um item para comércio.

Tragédia: Incêndio em prisão de Honduras deixa centenas de mortos

As 19 prisões deste país foram construídas para acomodar 8 mil pessoas. Atualmente, 24 mil lotam todas eles, fazendo com que os presos armem redes nos tetos ou durmam no chão de bibliotecas cheias demais de prisioneiros para armazenar um livro que seja.
Essa superlotação não é incomum na América Latina. Mas depois de um incêndio que matou 360 presos em Honduras no mês passado e um massacre que deixou 44 mortos no México menos de uma semana depois, os administradores prisionais e investigadores alertam que o problema tem atingido novas profundidades, impulsionado pelo crescente poder de grupos criminosos e a demanda para detê-los.

A frustração pública com assassinatos, roubos, estupros e assaltos levou à repressão policial que enfatiza as prisões em vez de ações penais, superlotando prisões e cadeias às vezes duas, três ou quatro vezes além da sua capacidade com presos que tipicamente não passaram por julgamento, muito menos foram condenados.

Venezuela: Cercados de regalias, presos fazem sua própria lei em prisão

Em uma prisão em San Pedro Sula, Honduras, Santos Vicente Hernández saltou de uma cadeira de rodas surrada e se arrastou pelo chão imundo para usar um banheiro. Ele ficou paralisado durante um tiroteio e foi preso por acusações de assassinato 12 anos atrás, mas ainda está aguardando julgamento.

Em sua penitenciária, cerca de dois terços dos 2.250 presos – que superlotam uma prisão construída para 800 – não foram formalmente condenados, segundo estatísticas do governo.

"Prefiria estar morto a estar aqui", disse Hernández.

De acordo com as autoridades venezuelanas, o número de presos que aguardam julgamento ou condenação em seu país caiu para cerca de 50%, embora monitores independentes digam ser de 66% a 70% dos detidos. Em Honduras, 53% dos reclusos não foram julgados ou condenados, de acordo com oficiais do governo local. Na Guatemala, o número é de 54%, em El Salvador, 30%, e no Panamá, 61%, de acordo com o Centro Internacional de Estudos Penitenciários, um grupo de pesquisa britânico. (Nos Estados Unidos, são 21%, diz o grupo.)

Saiba mais: Veja as piores tragédias em prisões da América Latina nos últimos 15 anos

Observadores de direitos humanos têm repetidamente alertado sobre a lotação e as condições cada vez piores para os presos. Após o incêndio em Honduras, que acredita-se ter sido causado por um fósforo ou cigarro que caiu acidentalmente em uma cama, o escritório do alto comissariado da ONU para direitos humanos lamentou um "padrão alarmante de violência nas prisões na região", listando uma série de casos em países como Uruguai, Venezuela, Chile, Argentina e Panamá.

Audiências são realizadas. Relatórios emitidos. Promessas feitas.

“Nós vamos falar sobre isso novamente em dois meses, porque haverá outro incidente e mais", disse Santiago A. Canton, secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que visitou 20 prisões na última década e emitiu relatórios sobre várias delas. "A situação está piorando, mas já está ruim há muito tempo."

O mundo das prisões é muitas vezes um universo alternativo no qual há pouca vontade pública ou política para corrigi-lo. "Nosso orçamento não tem muitos recursos", disse Nelson Rauda, o diretor de prisões em El Salvador. "Se a escolha for construir um hospital infantil ou uma prisão, o que você acha que vai ser feito?"

Ciclo

O ciclo de desastres, mortes e denúncia se repete com uma monotonia macabra.

Mais de 100 condenados morreram em um incêndio elétrico em 2004 na prisão onde Hernández está detido. Pouco mudou desde então. Quando chove, fios de alta tensão localizados no pátio soltam faíscas. As vigas de sustentação permanecem curvadas e desfiguradas. Questionado sobre o que os funcionários da prisão tinham feito para melhorar as condições desde o incêndio, um grupo de guardas riu. "Estamos à espera de uma nova prisão", disse Jorge Rubio, um oficial de alto escalão.

A prisão, é claro, deve ser desagradável. Mas os pesquisadores queixam-se que necessidades básicas como água e esgoto não são constantes em várias prisões da região e que infecções, erupções cutâneas, dificuldades respiratórias e outras doenças são comuns e poucas recebem tratamento.

Presos vendem seus alimentos, roupas – às vezes seus corpos – para ganhar dinheiro para cama, espaço, sabonete e creme dental.

Oficiais salvadorenhos afirmam que estão tentando reabilitar mais prisioneiros, mas o esforço muitas vezes fica aquém. As classes educativas são poucas em La Esperanza e outras prisões, onde os presos muitas vezes assumem a responsabilidade de ensinar.

"Não temos livros ou nada, mas eu faço o meu melhor", disse Marvin Flores, 37 anos, um criminoso deportado que passou metade de sua vida em Los Angeles e está cumprindo pena por extorsão e formação de quadrilha. Ele ensina inglês para companheiros de prisão."

Penas

Na última década, Honduras, El Salvador e outros países têm aumentado as penas para crimes relacionados à participação de gangues, muitas vezes aplicando uma definição ampla à atividade, como a presença de certas tatuagens.

No mês passado, legisladores de Honduras aprovaram uma lei que duplica a pena de prisão por extorsão em pelo menos 20 anos e as batidas da polícia em El Salvador continuam, levando sempre a prisões. Na semana passada mais de 50 jovens suspeitos de serem membros de gangues que cometeram assassinatos, extorsão e montagem ilegal foram presos.

Dentro das penitenciárias, alguns governos, como o de El Salvador, têm tomado medidas como a adição de câmeras de segurança, o bloqueio de sinais de celulares contrabandeados e a redução do horário de visita para impedir o contrabando, mas a falta de guardas bem treinados e não corrompidos permanece um problema grave, disseram as autoridades.

Isso talvez seja mais evidente na Venezuela, onde armas, granadas e drogas circulam livremente em algumas prisões. Os presos da notória prisão de La Planta, localizada na capital Caracas, andam abertamente armados e mantém a sua própria ordem, na ausência de qualquer outra autoridade.LINK

"Nós nos guardamos", disse Loibis Fuentes, 37 anos, que está servindo uma sentença de assassinato em La Planta. "Nós estamos no comando de nossa própria segurança, limpeza e tudo mais."

Antonio Sulbaran, 28 anos, preso sob acusação de assassinato, dirige sua seção da prisão, distribuindo privilégios e justiça. "Eu cuido do seu bem-estar", disse Sulbaran sobre os presos que vivem sob seus cuidados. "Alguém tem de fazê-lo de modo que exista respeito. Caso contrário, aqui seria o caos."

Ele tinha uma pistola automática escondida na cintura da calça e uma granada de mão presa ao cinto – ambos são comumente utilizados em confrontos na prisão. Mais de uma dúzia de presos armados o cercava.

Confrontos acontecem. Muitas paredes são crivadas de buracos de bala. Iris Varela, o ministro das prisões na Venezuela, forneceu dados que mostram que nas primeiras oito semanas deste ano cerca de 77 presos foram mortos, a maioria a tiros. Se esse ritmo se mantiver, o sistema poderia chegar perto dos 560 prisioneiros que um grupo de vigilância, o Observatório das Prisões da Venezuela, disse que foram mortos no ano passado, incluindo 41 em La Planta.

O governo contestou o número apresentado pelo grupo, mas não forneceu seus próprios dados sobre o ano passado.

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Internos em La Planta batem papo em seus celulares, navegam em páginas do Facebook e Twitter em computadores portáteis, recebem visitas de namoradas, jantam em restaurantes improvisados com toalhas brancas e tudo, e tem acesso a uma loja que vende de doces a cocaína.

Em uma prisão em Uribana, no oeste da Venezuela, os presos organizam brigas de faca chamadas de "coliseos" – batizadas em homenagem ao Coliseu – para seu entretenimento e apostas, levando a várias mortes.

Varela, que assumiu o sistema prisional em julho, disse que está trabalhando para reduzir as armas e drogas nas prisões. "O que está lá, está lá. Meu problema agora é tirar tudo isso de lá e limpar as prisões", disse Varela.

Corrupção

Mesmo quando os guardas estão supostamente no controle, a violência e corrupção muitas vezes reinam. No recente massacre no México, os próprios guardas libertaram membros de um poderoso grupo criminal, o Los Zetas, para que eles pudessem ir para outro bloco de celas e matar 44 membros de uma gangue rival. Após o episódio, o ministro do interior do México, Alejandro Poire, destacou um plano para construir oito presídios federais ainda neste ano.
Outros países também começaram a construir mais prisões, incluindo Brasil e Chile. Mas, sem mudança nos sistemas de justiça ou políticas anticrime, muitas vezes as novas penitenciárias superlotam assim que estão prontas para serem ocupadas, explicou Elias Carranza, diretor do Instituto para Prevenção de Crime e Tratamento dos Delinquentes da América Latina da ONU.

A Colômbia construiu um grande número de prisões alguns anos atrás e reduziu significativamente a superlotação, segundo dados oficiais. Mas seus ganhos tiveram curta duração.

O presidente Juan Manuel Santos, que tomou posse em 2010, começou uma forte repressão ao crime que levou a uma enxurrada de prisões e sentenças mais duras. A população carcerárias inchou no ano passado e a superlotação voltou a ser um problema agudo no país.

El Salvador tem tomado medidas provisórias para reduzir a superlotação. Certa tarde, um grupo de prisioneiras usava facões e outras ferramentas agrícolas – não em confronto, mas em uma tendência que pode ajudar a resolver o problema: as prisões fazenda. Um programa similar para os homens será aberto este mês para centenas de prisioneiros que estão no final de sua pena em prisões superlotadas.

"Não havia muito a fazer na outra prisão", disse Blanca de Palazos, 46 anos, terminando uma pena de seis anos pela venda de cigarros contrabandeados. "Mas aqui há muito o que fazer, e a maioria de nós gosta de cultivar alimentos e ser produtiva."

ultseg
The New York Times

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Parmenas Alt
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