O MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) ingressou com uma ação popular na Vara Especializada, em Cuiabá, pedindo o afastamento do Presidente do Tribunal de Contas, Valter Albano, e a anulação da lei que criou mais quatro cargos de auditor substituto. Segundo entende o MCCE, a lei é ilegal e inconstitucional, porque fere dispositivos da Constituição Federal de 1988.
Por iniciativa do TCE e de seu presidente, Conselheiro Valter Albano, foi editada a Lei Complementar estadual número 439/2011 (Diário Oficial 25666, de 18/10/2011 página 01) que entre outras alterações na estrutura da Corte, criou mais quatro cargos de auditor substituto de conselheiro. Em seguida, o próprio Valter Albano fez um ‘aproveitamento’ de candidatos classificados em cadastro reserva de um concurso antigo, realizado há cerca de quatro anos (meados de 2007).
“A criação de quatro novos cargos de auditor substituto deveria importar na realização de um novo concurso público, dando chance igual a todos”, opina o advogado Vilson Nery, do MCCE. Na ação popular os autores pedem à Justiça para que anule as convocações e nomeações dos candidatos do cadastro reserva. O salário de cada um dos novos nomeados é de mais de vinte mil reais (R$ 20.000,00) por mês e o cargo é vitalício, emprego prá ‘vida inteira’ e direito a foro privilegiado.
O MCCE informou no processo que as despesas atuais do TCE com folha de pagamento superam a marca de 1,4% da receita corrente líquida do Estado e o limite legal é de 1,3%. Logo, criar cargos e nomear pessoas em tais condições também viola a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A situação preocupa o coordenador do MCCE, Antonio Cavalcante Filho, o Ceará, que justifica: “Nós devemos valorizar o controle realizado pelo Tribunal de Contas e respeitar a instituição, por
isso a ação pretende anular os atos não hígidos, para que não pairem dúvidas sobre os julgamentos ali realizados”.
Além da anulação dos efeitos da lei e dos atos de posse dos novos auditores, a ação popular pede punição a Valter Albano, com a perda da função pública e outras sanções da Lei de
Improbidade Administrativa. É que uma das candidatas aprovadas no cadastro reserva era sua assessora, e ele presidiu a Comissão do Concurso Público 001/2007, o que implicaria em vedação. A assessora também foi nomeada por Valter Albano para o novo cargo.
Deste modo os atos administrativos contêm vícios insanáveis, por não observar os princípios da impessoalidade, moralidade e finalidade, resultando em desvio de poder e improbidade administrativa.
Além da anulação dos atos e punição a Valter Albano, o MCCE pede para que seja imposta ao TCE a obrigação de realizar um novo concurso, para os novos cargos de auditor substituto. O salário está entre os mais altos do funcionalismo público e supera a casa dos vinte mil reais mensais, devendo interessar a muitos bons candidatos.
SEGUE A PETIÇÃO INICIAL NA ÍNTEGRA:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ESPECIALIZADA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR DA COMARCA DE CUIABÁ-MT.
ANTONIO CAVALCANTE FILHO, brasileiro, casado, assistente administrativo, portador do CPF n. e RG n. inscrição eleitoral número Z39, residente e domiciliado nesta cidade de Cuiabá, na rua Mestre João Monge Guimarães, 102, em pleno gozo de seus direitos políticos, por seu advogado (mandato incluso), amparado no dispõe a Constituição Federal (art. 5º, inc. LXXIII c/c art. 1º e seguintes da Lei 4.717/65) vem à presença do Juízo propor
AÇÃO POPULAR COM PEDIDO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTS
em desfavor do ESTADO DE MATO GROSSO, pessoa jurídica de direito público, por seu representante legal, encontradiço na PGE, Centro Político Administrativo em Cuiabá/MT, VALTER ALBANO DA SILVA, brasileiro, casado, economista, CPF n. 080.983.951-20, com domicílio profissional no TCE, Centro Político Administrativo em Cuiabá/MT e TCE – TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MATO GROSSO, pessoa jurídica de direito público, por seu representante legal, domicílio no Centro Político Administrativo, neste município de Cuiabá-MT, diante das razões de fato e de direito que passa a expor.
Do Objeto
A presente demanda visa sustar os efeitos (validade e eficácia) da Lei Complementar estadual 439/2011 (Diário Oficial 25666, de 18/10/2011 p. 1), do Edital de Convocação relativo ao Concurso Público TCE/MT 001/2007 publicado três dias depois, em 21/10/2011 (DOE/MT edição 25669 p. 31) bem como do Ato 109/2001 (exarado pelo réu Valter Albano da Silva) que deu posse a quatro novos Auditores Substitutos de Conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso.
Em decorrência lógica, a sustação tornará nula (sem efeitos) a nomeação de 04 (quatro) Auditores Substitutos de Conselheiro, feita pelo Presidente do TCE, tendo em vista que a criação dos cargos e o seu provimento foram realizados pelo órgão que se encontra com despesa total com pessoal excedente a 95% do limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal/LRF, § único do artigo 22 da Lei Complementar nº 101/00. Os atos ilegais foram expedidos no período de 180 dias que antecedem o final do mandato (§ único, art. 21).
Há que se declinar que tais atos normativos (criação de cargos e nomeação de pessoas de cadastro reserva de concurso público já realizado) ferem os princípios da moralidade, impessoalidade (art. 37, CF/88) e também a finalidade do ato administrativo (art. 2º lei 9784/99).
Narrativa Fática
Por meio da Lei Complementar nº 439, de 18 de outubro de 2011 (que altera dispositivos da LC 269, Lei Orgânica do TCE/MT) os réus propuseram (competência exclusiva cf. art. 4º, IV) a criação de câmaras julgadoras e de mais quatro (4) cargos de Auditores Substitutos de Conselheiros.
Numa agilidade nunca antes vista (neste Estado), a Assembléia Legislativa votou e o Executivo sancionou e – três dias após – os réus convocaram e nomearam as pessoas de João Batista de Camargo Junior, Jaqueline Maria Jacobsen, Moises Maciel e Ronaldo Ribeiro de Oliveira para a exercência do cargo de auditor substituto de conselheiro.
Todavia, dos recém-nomeados pelo menos dois postulantes, Jaqueline Maria Jacobsen e Ronaldo Ribeiro de Oliveira eram assessores diretos de autoridades administrativas que presidiram o concurso público (conselheiros Valter Albano e Alencar Soares), de modo que estavam impedidos (os candidatos) de participação no referido concurso público.
O mais grave é que – mesmo não aprovados nas três vagas existentes no Edital do Concurso 001/2007 – tiveram através da alteração normativa posterior (LC 439/2011) a possibilidade de ingresso no cargo. Uma grave afronta aos princípios da impessoalidade (ora, a lei foi feita prá eles, sob medida), inobservância da legalidade (a mens legis) e desatenção ao principio da finalidade do ato administrativo (proposta normativa), visto que o ato (que se tornou norma geral e abstrata) não pode ser manejado para favorecer ou prejudicar determinado administrado.
E ainda há mais ilegalidades (e inconstitucionalidades).
Tais atos de nomeação foram produzidos ao arrepio da Lei nº 101/00 e da Constituição Federal de 1988, revestindo-se de ilegalidade e inconstitucionalidade conforme restará provado a seguir.
Da Ilegalidade
A malfadada Lei Complementar nº 439/2011 (além de ‘caber’ para nomear pessoas determinadas em cargos públicos) também permitiu o aumento de despesas com pessoal, o que é vedado pela norma de regência (art. 22, § único, inc. III e IV e art. 23, LC 101).
Vejamos:
Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.
Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:
III – alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV – provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;
Ora, o limite das despesas com pessoal é estabelecido (parâmetros) pelos dispositivos da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF):
Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
I – União: 50% (cinqüenta por cento);
II – Estados: 60% (sessenta por cento);
Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:
II – na esfera estadual:
a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado
§ 1º Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar.
§ 2º Para efeito deste artigo entende-se como órgão:
II- no Poder Legislativo:
b) Estadual, a Assembléia Legislativa e os Tribunais de Contas; (grifo nosso)
Ocorre, Excelência, que no TCE o limite de gastos é de 1,23% da Receita Corrente Líquida do Estado. A forma de apuração dos parâmetros (art. 18, LC 101) deve abranger o montante da despesa realizada no mês em referência somada aos últimos 11 (onze) meses imediatamente anteriores, cujo percentual deverá ser calculado sobre a Receita Corrente Líquida – RCL que, na forma do artigo 2º, inciso IV da mesma Lei Complementar, compreende o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes somando-se as do mês em referência e de onze anteriores, excluídas as duplicidades, deduzidos, nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9º do art. 201 da Constituição.
E aí está o nó górdio.
O Relatório de Gestão Fiscal – RGF do TCE/MT, referente ao 2° Quadrimestre/2011, publicado no DOE/MT em 30/09/2011, não demonstra a realidade dos fatos, porque apresenta várias inconsistências resultando num demonstrativo irreal e inverídico, devido à inexatidão das informações nele contidas.
DESPESAS COM PESSOAL
DESPESAS EXECUTADAS
(Últimos 12 Meses)
LIQUIDADAS (a)
INSCRITAS EM RESTOS A PAGAR NÃO PROCESSADOS (b)
DESPESA BRUTO COM PESSOAL
101.049.118,30
0,00
PESSOAL ATIVO
83.629.095,31
0,00
PARCELA PATRONAL FUNPREV (22% s/ Pessoal ATIVO )
17.420.023,00
0,00
DESPESAS NÃO COMPUTADAS (§ 1° DO ART. 18 DA LRF) (II)
0,00
0,00
Indenizações por Demissão
0,00
0,00
Decorrentes de Decisão Judicial
0,00
0,00
Despesas de Exercícios Anteriores
0,00
0,00
Inativos e Pensionistas com Recursos Vinculados
0,00
0,00
DESPESA LÍQUIDA COM PESSOAL (III) = (I – II)
101.049.118,30
0
DESPESA TOTAL COM PESSOAL – DTP (IV) – IIIa + IIIb)
101.049.118,30
APURAÇÃO DO CUMPRIMENTO DO LIMITE LEGAL
RECEITA CORRENTE LÍQUIDA RCL (V)
7.572.356.327,93
% da DESPESA TOTAL COM PESSOAL – DTP sobre a RCL (VI) = (IV/V)*100
1,33%
LIMITE MÁXIMO (incisos I, II e III, art. 20 da LRF) 1,23%
93.139.982,83
LIMITE PRUDENCIAL (parágrafo único, art. 22 da LRF) 1,17%
88.596.569,04
Fonte: Relatório de Gestão Fiscal – ANEXO I
Cabe ressaltar que no total das despesas com pessoal apresentado não está incluído o pagamento das remunerações dos servidores lotados nos gabinetes dos Conselheiros, as quais são empenhadas no elemento de despesa “3390.36- Outros Serviços de Terceiros Pessoa Física”. Também excluem os pagamentos referentes à mão-de-obra terceirizada (substituição de servidores) através de contratação com a Fundação de Apoio e Desenvolvimento da Universidade Federal de Mato Grosso – UNISELVA e a Fundação de Apoio a Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico de MT – FUNDETEC[1] (Contratos nº 09/2011, 25/2010 e 42/2010).
DEMONSTRATIVO DO PAGAMENTO DE MÃO DE OBRA TERCEIRIZADA
PERIODO: SET/2010 A AGO/2011
VALORES EM R$
Valor líquido pago a UNISELVA
6.548.733,26
Valor líquido para a FUNDETEC
258.081,56
VALOR TOTAL PAGO
6.806.814,82
Valor líquido = Valor bruto descontado o valor referente a IRRF e INSS.
DEMONSTRATIVO REAL DAS DESPESAS COM PESSOAL
APURAÇÃO DO CUMPRIMENTO DO LIMITE LEGAL
CONTAS
VALORES EM R$
% PARTICIPAÇÃO
RECEITAS
DESPESAS
RECEITA CORRENTE LÍQUIDA RCL (V)
7.572.356.327,93
PESSOAL ATIVO
83.629.095,31
1,1044
PARCELA PATRONAL FUNPREV (22% s/ Pessoal ATIVO)
17.420.023,00
0,2300
Valor líquido pago a UNISELVA
6.548.733,26
0,0865
Valor líquido para a FUNDETEC
258.081,56
0,0034
TOTAL GERAL
7.572.356.327,93
107.855.933,13
1,4234
É oportuno salientar que, de acordo com a justificativa elaborada pelo réu (TCE) encaminhada à Assembléia Legislativa anexa ao Projeto da Lei Complementar nº 37/2011 (gênese da LC 439), o aumento estimado no montante de despesa anual com o preenchimento das vagas nos cargos criados é de R$ 1.550.667,28.
Portanto, tem-se aqui o primeiro aspecto ilegal da Lei Complementar estadual nº 439/2011, ora questionada, por representar três das cinco proibições da norma (art. 22, parágrafo único, inciso III e IV do artigo 23) oponíveis aos órgãos que se encontram acima do limite permitido pelo artigo 19 da mesma Lei Complementar, como é o caso do Tribunal de Contas de Mato Grosso (terceiro réu).
Da Inconstitucionalidade
Claro está que a Lei Complementar nº 439/2011 alterou a estrutura de carreira do quadro de pessoal do TCE, criando mais 04 vagas no cargo de Auditor Substituto de Conselheiro, implicando em aumento de despesa, o que é vedado pelo art. 169 caput da Constituição Federal, tendo em vista que a despesa com pessoal do TCE já está acima do limite permitido (art. 19, LC 101).
Os atos emanados da presidência do Tribunal de Contas (e o réu Valter Albano da Silva, em especial) também configuram violação constitucional, pois ferem frontalmente o princípio da impessoalidade (e da finalidade do ato administrativo), como restará demonstrado.
Um dos beneficiários nomeados (destinatário privilegiado da norma), Jaqueline Maria Jacobsen Marques, é servidora efetiva detentora de cargo comissionado (Secretaria Geral da Presidência Auditor Público Externo Secretário Geral da Presidência) diretamente subordinada ao réu Valter Albano, presidente da Comissão do Concurso Publico autor do projeto de lei da criação das vagas e autoridade nomeante.
A vinculação direta com destinatária da norma (e com outro o co-premiado, Ronaldo Ribeiro de Oliveira, Consultoria Técnica Auditor Público Externo Secretário-Chefe da Consultoria Técnica assessor do Conselheiro Alencar Soares) intriga. Ora, o corréu Valter Albano, superior hierárquico da então candidata, presidia a Comissão de Concurso Público e viu a “beneficiária da norma” (Jaqueline) lograr aprovação no certame somente após um recurso manejado. Saiu do status de “REPROVADA” para “APROVADA” e classificada (no cadastro reserva). Só havia três vagas no quadro e somente com criação de mais quatro posições, por meio da LC estadual 439/2011, é que obteve a chance de assumir o concurso em que se classificou há quatro anos.
Assim tem-se que o esforço para a criação de mais vagas ao cargo de Auditor Substituto de Conselheiro, refletem claro ato (administrativo) de favorecimento (violação à finalidade do ato administrativo) e achaque ao princípio da impessoalidade (art. 37, CF/88). Deste modo, Excelência, conclui-se que a criação dos 04 (quatro) cargos de Auditor Substituto de Conselheiro, como estabelecido na Lei Complementar estadual nº 439/2011 aqui questionada é flagrantemente ilegal.
A uma que representa aumento dos gastos com pessoal (vedado pela LRF) à consideração de que despesa com pessoal (réu TCE) está muito acima do limite estabelecido no artigo 20, inciso I, alínea “a”, da Lei Complementar 101/2000.
A duas que fere frontalmente o art. 22, Incisos II, III e IV, da Lei Complementar nº 101/2000, que proíbe, na situação já demonstrada, a criação de cargo, emprego ou função, a alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa e o provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança.
A três que viola o preceptivo do art. 23 (LRF), que determina a redução imediata das despesas com pessoal quando o total das mesmas ultrapassar os limites definidos no art. 20 da mesma norma.
Em quarto lugar: contraria o disposto no § único do artigo 21 da Lei Complementar nº 101/2000 por representar ato expedido em menos de 180 dias anteriores ao final do mandato do titular da Presidência do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.
Ademais os atos de criação da norma (lei estadual complementar 439/2011) afrontam a Constituição Federal (art. 169 caput e § 3º) que veda expressamente que a despesa com pessoal exceda aos limites estabelecidos e determina providências para saneamento dos gastos.
A edição da lei estadual (e os atos de convocação e nomeação de servidores dessa norma decorrentes) viola o princípio constitucional da impessoalidade (art. 34, CF/88) visto que ao propor o ato administrativo geral e abstrato (lei) o réu Valter Albano já sabia quem seriam os destinatários da norma (os servidores subordinados), violando a finalidade do ato administrativo (art. 2º, Lei 9.784/99).
Da Improbidade Administrativa
Não resta duvida que o réu Valter Albano da Silva, em vista de sua posição de julgador de contas (Conselheiro do TCE), sabia que estava impedido de presidir concurso público em que sua assessora fora candidata inscrita. E mais. Ao propor lei instituidora de mais quatro cargos, em que os beneficiários seriam servidores hierarquicamente subordinados, tinha plena ciência de que os atos eram atentadores à probidade (e à honestidade) que se espera dos agentes políticos.
Portanto sabia (e como sabia!) o que estava fazendo.
A Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) regulamenta o parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição Federal. Diz-se que, para que ocorra a improbidade prevista constitucionalmente, é necessário um processo de adequação que passa não apenas pela Lei 8.429, mas também por toda uma normatização que não aparece explicitamente naquela norma e que envolve a regulação dos atos dos agentes públicos, o chamado Direito da função pública.
É o caso em apreço.
Para julgar a regularidade do processo do concurso público questionado ou da norma (finalisticamente comprometida) por exemplo, o juiz não pode deixar de lado a legislação que preside os concursos públicos, inclusive normas constitucionais, os princípios aplicáveis, bem como as leis orçamentárias para o tema das despesas públicas. Há quem diga que a lei de improbidade seja uma espécie de norma em branco, porque os tipos são preenchidos também por outras regras heterogêneas. Trata-se de normas sancionadoras em branco.
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 915.322-MG) já decidiu que violar concurso público é “ato inválido (…) a violação principiológica era de conhecimento palmar. Não havia zona cinzenta de juridicidade capaz de desestimular o agente ao cumprimento de seu dever legal e constitucional.”
Não se permitindo (em apreço à brevidade) a repetição de Jurisprudências nesta peça inicial, o autor popular se permite encartar julgado proferido pela eminente (e corajosíssima) Min. Eliana Calmon:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – EX-PREFEITO – NULIDADE DA CITAÇÃO – SÚMULA 7/STJ – INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO – PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF – APLICAÇÃO DA LEI 8.429/1992 – COMPATIBILIDADE COM O DECRETO-LEI 201/1967 – AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS – ART. 11 DA LEI 8.429/1992 – ELEMENTO SUBJETIVO – DOLO GENÉRICO – DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE – POSSIBILIDADE – CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO.
1. Inviável a verificação de irregularidade no mandado citatório, afastada pela instância ordinária, por demandar a reapreciação das provas. Incidência da Súmula 7/STJ.
2. A decretação de nulidade do julgado depende da demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica, à luz do princípio pas de nullités sans grief. Precedentes do STJ.
3. Não há antinomia entre o Decreto-Lei 201/1967 e a Lei 8.429/1992.
O primeiro impõe ao prefeito e vereadores um julgamento político, enquanto a segunda submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato.
4. O julgamento das autoridades – que não detêm foro constitucional por prerrogativa de função, quanto aos crimes de responsabilidade –, por atos de Improbidade Administrativa, continuará a ser feito pelo juízo monocrático da justiça cível comum de 1ª instância.
5. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de estar configurado ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, independentemente da ocorrência de dano ou lesão ao erário público.
6. Não caracterização do ato de improbidade tipificado no art. 11 da Lei 8.429/1992, exige-se o dolo lato sensu ou genérico.
7. É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, de lei ou ato normativo do Poder Público, em ação civil pública desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes do STJ.
8. A contratação de funcionário sem a observação das normas de regência dos concursos públicos caracteriza Improbidade Administrativa. Precedentes.
9. Recurso especial não provido.
(REsp 1106159/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 24/06/2010)
Deste modo, em relação ao réu Valter Albano da Silva, reconhecendo o Juiz que o mesmo tenha se excedido em sua função (Presidente do TC, Presidente da Comissão de Concurso e Autoridade nomeante), deverá ser reconhecida a prática (dolosa ou culposa) de improbidade administrativa com a aplicação das sanções dos artigos 9, 10, 11 e 12 da Lei de Improbidade Administrativa (reparação do dano, perda da função pública) a inelegibilidade da Lei Ficha Limpa (LC 135) inclusive possibilidade de punição por frustração de concurso público e seus desdobramentos penais, devendo neste caso, serem os autos remetidos ao Parquet.
encarte Doutrinário
È sempre de bom alvitre lembrar que se trata de atos (que se deseja declaração de nulidade e de inconstitucionalidade) produzidos no seio de um tribunal de contas que tem a missão constitucional de manter a intangibilidade da res publica (art. CF/88), mantendo estreita vigilância à legalidade, legitimidade e economicidade dos atos de gestão.
Não por acaso que PASCOAL (Auditor Conselheiro do TCE/PE) leciona que “O Tribunal de Contas é um órgão constitucional dotado de autonomia administrativa e financeira, sem qualquer subordinação com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.” (VALDECIR FERNANDES PASCOAL, in Direito Financeiro e Controle Externo, Rio de Janeiro : Elsevier, 2008, p. 126). Já o seu o seu colega LUIS HENRIQUE (ex-TCU e Auditor Substituto de Conselheiro do TCE/MT) escreveu que “O Tribunal de Contas tem o nome de Tribunal e possui a competência, conferida pela Carta Magna, de julgar contas e aplicar sanções.” (LUIS HENRIQUE LIMA, in Controle externo, teoria e jurisprudência, Rio de Janeiro : Elsevier, 2009, p. 111).
A produção de um ato em violação a princípio administrativo (finalidade, impessoalidade e moralidade) é conduta que não se espera de uma Corte de Contas (ou de seus membros).
O ilustre CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO é taxativo: “Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato em desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la.” ( CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO in Curso de Direito Administrativo, São Paulo : Malheiros, 2010, p. 106).
Para HELY “A alteração da finalidade expressa na norma legal ou implícita no ordenamento da Administração caracteriza o desvio de poder.” (HELY LOPES MEIRELLES in Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo : Malheiros, 1999, p. 135).
É a mesma opinião de MARIA SYLVIA : “seja infringida a finalidade legal do ato (sem sentido estrito), seja desatendido o seu fim de interesse público (sentido amplo), o ato será ilegal por desvio de poder.” (MARYA SILVIA ZANELLA DI PIETRO in Direito Administrativo, 20ª ed., São Paulo : Atlas, 2007, p. 195).
E por fim colacionamos lição do Prof. MAZZA, que ensina “Desvio de finalidade, desvio de poder ou tredestinação é ato que torna nulo o ato administrativo quando praticado, tendo em vista o fim diverso naquele previsto, explicita ou implicitamente na regra de competência.” (ALEXANDRE MAZZA in Direito Administrativo, São Paulo : SARAIVA, 2011, p. 103).
Requerimentos Finais
Em assim sendo, requer-se de Vossa Excelência as seguintes providências, avaliando os limites propostos na presente controvérsia, combinando os argumentos e documentos encartados, provendo os pedidos, e entre os quais destaque para as seguintes medidas cautelares:
1. Seja concedida liminar determinando ao réus para que tragam aos autos os documentos originais referentes ao Concurso Público Edital TCE-MT nº 001/2007 (editais, adendos, inscrições, provas, recursos interpostos, inclusive eventuais arquivos em áudio e vídeo etc.) sob pena de multa diária de R$ 10.000 (dez mil reais) de natureza coercitiva.
2. Liminarmente e sem oitiva da parte contrária, sejam suspensos os efeitos (validade e eficácia) da Lei Complementar Estadual 439/2011, que alterou a estrutura de do TCE/MT e criou cargos de auditor substituto de conselheiro.
3. Em menor extensão, se assim entender o Juízo (de modo a permitir novo concurso público de ingresso para os mesmos cargos) liminarmente e inaudita altera pars, sejam suspensos os efeitos dos atos administrativos do Edital de Convocação (Diário Oficial 25669 pág. 31) e do Ato n. 109/2011 (Diário Oficial 25673 pág. 41) à justificação de que os mesmos violam os postulados (mais que princípios) da impessoalidade, moralidade e da finalidade, ao final (ocasião da sentença) declarando-os nulos.
4. De imediato, sejam citados os réus nos endereços declinados (e intimados das decisões interlocutórias) com prazo para formar a defesa (20 dias) e caso o Juízo entender pela necessidade de litisconsórcio passivo necessário (art. 47, CPC) sejam citados também os beneficiários da Lei Complementar estadual 439/2011, senhores João Batista Camargo Junior, Jaqueline Maria Jacobsen, Moises Maciel e Ronaldo Ribeiro de Oliveira (todos com endereço no Tribunal de Contas de MT) para constarem a ação, se querendo.
5. Em sede incidental de controle difuso de constitucionalidade, sejam declarados incompatíveis com a Carta Magna a Lei Complementar Estadual 439/2011 (art. 4º que modificou art. 94 da LC 269), devendo irradiar efeitos somente para o futuro (ex nunc), bem como a inconstitucionalidade do Edital de Convocação de candidatos (DO 25669) e do ATO 109/2011 que nomeou os beneficiários do ato tido como afrontoso.
6. Do mesmo modo, em relação a todos os réus, sejam os mesmos obrigados a revogar os atos irregulares e ao réu Valter Albano da Silva – reconhecido o ato ímprobo – sejam impostas as sanções de perda da função pública, obrigação de reparar o erário e proibição de contratar com o poder público, sem esquecer as penas criminais, a encargo do Parquet.
7. Por fim que seja julgada totalmente procedente a ação, declarando a nulidade do Ato nº 109/2011 do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso que promoveu a nomeação dos 04 (quatro) Auditores Substituto de Conselheiro, tornando sem efeito, de imediato, todos os atos dele decorrentes, bem como declarada a inconstitucionalidade dos atos administrativos (normativos), impondo as sanções pertinentes, inclusive a perda da função pública, e determinando a realização de novo concurso público para tais vagas, se ainda restarem presentes a conveniência e a oportunidade, tudo em consonância com o disposto no art. 2º da Lei 4.717/65.
7. Após a oitiva do Ministério Público, face ao evidente interesse coletivo, seja determinado aos réus para que tomem imediatamente todas as providências necessárias ao seu enquadramento aos dispositivos legais da Lei Complementar nº 101/00 (redução de despesas) visto que o dispêndio supera a 1,4% da RCL.
8. Por fim, protesta pelo direito a ampla produção de provas (testemunhas, oitiva pessoal, pericias etc.), requer a gratuidade de justiça (art. 10 LAP c/c Lei 1060/50) e dá a causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) condenando os réus às penas de sucumbência e honorários.
DOCUMENTOS QUE INSTRUEM O FEITO
a) Cópia da LC estadual 439/2011 que alterou a Lei Orgânica do TCE e criou novos cargos.
b) Cópia de excertos da LC estadual 269 (Lei Orgânica do TCE) e sua redação primeva, prevendo somente três cargos de Auditor Substituto de Conselheiro.
c) Cópia do Edital 11/2008 (Concurso Publico 001/2007) com a lista dos aprovados e cadastro reserva.
d) Representação formulada em junho/2008 pela ONG Moral com relação às irregularidades no citado concurso público beneficiando candidatos próximos aos dirigentes TCE.
e) Notícias extraídas do site do TCE sobre abertura do edital do concurso e as nomeações, ocorridas há quase quatro anos.
f) Diário Oficial de 21/10/2011 (edição 25669) e DO 25673 (27/10/2011) com a convocação e posse dos assessores do TCE beneficiários do ato inquinado de ilegal e inconstitucional.
g) Lotacionograma do Tribunal de Contas que indica os cargos em comissão exercidos pelos beneficiários do ato geral e abstrato.
h) Ementa do STJ que acolhe declaração de improbidade a ato que viola concurso público.
Pede Deferimento.
Cuiabá/MT, 11 de novembro de 2011
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Antonio Cavalcante Filho