O mercado informal que se forma em boa parte da cidade de Porto Príncipe não tem tabela de preços, muito menos defesa do consumidor. É a lei da oferta e da demanda, de quem tem e de quem não tem, de quem quer ajudar e de quem só pensa em lucrar. Com os bancos fechados, a cidade aos pedaços, os haitianos movimentam a economia dos becos, praças e calçadas. Quanto é? Não funciona assim. A pergunta certa é: o que você tem a oferecer? Sem dinheiro para comprar, os haitianos trocam o que sobrou por espetinhos em churrasqueiras improvisadas, frutas e legumes de pessoas que trouxeram da zona rural, artigos de higiene e água.
Em alguns pontos é possível bombear água de poços, onde são improvisados locais de banho e onde muitos aproveitam também para beber, apesar de dificilmente o líquido ser próprio para consumo. O risco de infecção, com detritos por toda a parte, é enorme. O cheiro torna quase que obrigatório, mesmo para quem já está há dias respirando o ar fétido, quase uma obrigação. Quem não tem, usa camisas, panos, ou mesmo as mãos.
Encontrar gasolina em Porto Príncipe é uma missão quase impossível. Os ônibus (pau de araras improvisados em pequenos caminhões chamados de tap-taps) são na maioria movidos a diesel, cujo preço varia entre 3 e 20 dólares americanos por galão.
Os motoristas usam o dinheiro que recebem das passagens (cerca de cinco gourdes, o dinheiro do Haiti) para comprar o combustível e tirar o sustento. A superlotação desses veículos, bem como dos caminhões que levam haitianos saindo de Porto Príncipe para o interior, é praticamente uma constante.
Em bairros ricos, menos atingidos pelo terremoto, apesar de casas também terem ido ao chão, há geradores e, para os precavidos, mantimentos. A reportagem do iG ficou um dia hospedada em uma dessas casas luxuosas no bairro de Mont Calvaire e constatou o contraste.
Nesta casa, ou mansão, apesas um muro caiu, mas ao lado outra foi completamente destruída. Na descida da colina, mesmo em região nobre, já se iniciava o comércio de rua, enquanto pessoas carregavam na cabeça os caixões de parentes falecidos.
A luz elétrica em Porto Príncipe ainda não foi reestabelecida. Ainda não há previsão, pois muitos locais destruídos exibem cabos de força que podem ser um perigo para a população, que não raramente ignora o perigo e busca nos escombros a solução para a fome.
No Caribean Market, onde ainda há busca por sobreviventes, um grupo de cerca de 70 haitianos esperava por horas a fio a oportunidade de ludibriar os três policiais que faziam a segurança e buscar as mercadorias expostas pelo desastre. Tem energia quem tem gerador, ou seja, dinheiro (ou está em bases específicas como o quartel brasileiro, onde os suprimentos dão conta do recado).
Vicente Seda, enviado especial a Porto Príncipe
U.Seg