Poucas horas depois que a música foi interrompida pelo rugido dos tiros na boate Pulse, um adolescente com brinco no nariz e jeans apertados olhou por cima da mesa de jantar. "Papai", disse Carvin Casillas, "eu sou meio gay."
O pior massacre a tiros na história dos EUA cometido por uma única pessoa, que deixou 49 mortos e 53 feridos, chocou o país e provocou conversas acaloradas sobre o acesso às armas de fogo, o terrorismo e a homofobia. Também teve o efeito incidental de "empurrar para fora do armário" alguns gays desta comunidade cada vez mais latina.
Alguns tiveram sua sexualidade revelada por acaso: Gertrude Merced só soube que seu filho de 25 anos, Enrique, era gay quando recebeu a notícia de sua morte. Outros, porém, escolheram expor suas vidas interiores, instigados pelas manifestações de apoio à comunidade gay de Orlando ou tomados pela dor e incapazes de continuar guardando segredo.
"Eu simplesmente tive de dizer a eles", contou Casillas, 19, que está ingressando na faculdade e dançava na Pulse há mais de um ano, sem o conhecimento de seus pais, um porto-riquenho e uma cubana. Sua mãe o havia criado em uma igreja cujos paroquianos ouviam que os gays iam para o inferno.
"Isso está se tornando uma parte cada vez mais importante em mim conforme passa o tempo", disse ele sobre sua sexualidade. "Eu não sabia se conseguiria esconder de minha família."
A maioria das pessoas que lotavam o clube na madrugada de 12 de junho era jovem demais para se lembrar dos primeiros dias da crise da Aids, quando a doença e a tragédia expuseram os gays como nunca antes, levando alguns deles a revelar sua sexualidade à família no leito de morte.
Mas alguns membros mais velhos da comunidade gay de Orlando veem essa catarse pós-Pulse como um eco daquele tempo, com uma notável exceção.
"Desta vez, estamos muito mais avançados em nossa autoaceitação", disse Tom Dyer, 60, que faz a crônica da comunidade gay da região central da Flórida desde que fundou a "Watermark", uma revista para LGBTs [lésbicas, gays, bissexuais e transexuais] em 1994. As atitudes culturais de modo geral também mudaram, acrescentou ele.
O pai de Casillas, que é dono de uma oficina mecânica de carros, pareceu aceitá-lo no dia do massacre, disse o rapaz, ao se debruçar sobre a mesa e beijá-lo na cabeça. "OK, Papa", disse Joe Casillas, usando uma expressão carinhosa.
Mas nem todas as famílias aprovaram tranquilamente a sexualidade de seus filhos.
Pedro Julio Serrano, 41, um ativista gay em Porto Rico, foi a oito enterros de vítimas da Pulse. Em um deles, a mãe de Gilberto Ramon Silva Menendez, que estava entre os 49 mortos, circulava pelo local com uma bandeira do arco-íris, anunciando seu orgulho pela identidade do filho.
Em duas outras ocasiões, porém, ele disse que pôde ver que alguns parentes estavam envergonhados: "Eles preferiam lidar com aquilo em particular, e ninguém precisava saber que tinham um filho ou uma filha gay. Eu posso ver e sentir isso. E apenas quero abraçá-los e lhes dizer que não há nada de errado".
Julie Turkewitz/UOL-Notícias
Em Orlando, Flórida (EUA)