Quem vê o problema de longe acha que anorexia e bulimia soam como caprichos de adolescentes que querem parecer magras como modelos. Para os especialistas, são doenças neurológicas sérias que, se não tratadas, levam à morte. Já para as meninas que se autodenominam “pró-ana”, a favor da anorexia, ou “pró-mia”, a favor da bulimia, isso não passa de um estilo de vida. As expressões são as utilizadas pelas jovens em blogs (páginas pessoais) na internet (veja o quadro).
“Ana” assumida, Tatiane M., de 22 anos, descreveu a rotina que leva há cinco anos, com esse comportamento de risco. Com 1,73 metro de altura e 56 quilos, Tati, como é chamada, quer chegar aos 40 quilos, o mesmo peso com que morreu a modelo Ana Carolina Reston Macan, de 21 anos, em 2006, vítima de anorexia nervosa e uma conseqüente infecção generalizada.
De acordo com a psicanalista Dirce de Sá Freire, coordenadora do curso de transtornos alimentares da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), 20% das pessoas com anorexia nervosa têm complicações de saúde que podem acabar em morte. Mas isso não assusta Tatiane. “Morrer todo mundo vai, e aqueles que morrem porque comem demais?”, questiona ela, que já chegou a desmaiar algumas vezes por falta de comida.
Ela acorda e já faz o cálculo diário de calorias. Se pesa de duas a três vezes ao dia e, quando o ponteiro da balança acusa alguns gramas a mais, é hora de fechar a boca. “Fico dias sem comer e já fiz caminhadas de dias inteiros para descontar algo que comi demais. Ontem mesmo tomei um remédio para bronquite e asma que dá enjôo”, conta. Tatiane não tem problemas respiratórios e o remédio foi tomado somente para tirar a vontade de comer.
Esse é só um dos inúmeros truques criados por jovens para tentar emagrecer sem comer ou se livrar da comida vomitando. Outras técnicas incluem salgar bastante o prato, colocar todo tipo de comida que não gosta junto, tomar muita água ou passar dias só com suco light, a fim de perder peso comendo menos. Já para provocar vômito, costumam usar o cabo da escova de dente na garganta, ingerir vinagre, detergente ou shampoo. Isso sem contar o uso de laxantes e diuréticos.
Muitas dessas práticas são difundidas, sem controle, pela internet, em sites e blogs, que funcionam como diários virtuais e manuais para se manter como “ana” ou “mia”. A psicóloga Ana Helena Rotta Soares, doutora em saúde da criança e da mulher pela Fundação Oswaldo Cruz, desenvolveu um estudo sobre a divulgação dos distúrbios alimentares pela rede. ”Acompanhamos 50 blogs e 120 comunidades no orkut em seis meses. A internet potencializa o comportamento. Faz com que os jovens não procurem ajuda ou o façam mais tarde, pois se acham amparados pelas amigas virtuais”, diz. O estudo mostrou ainda que as adeptas desses espaços virtuais são, na maioria, meninas com idades entre 14 e 17 anos.
Além da visão distorcida de si próprias, pois, mesmo magras, elas se acham gordas, há outros dois indícios da doença: a culpa por comer e o desprezo pela comida. “Estou suja, mas quem se importa? Sou uma porca gorda sem coragem, sou fraca. Minha vontade é abrir minha barriga e tirar tudo de ruim que existe aqui dentro, queria arrancar meu estômago e, com ele, toda essa sujeira que me emporcalha, toda essa comida”, escreveu uma autora de blog identificada como Amanda Blood, em um dos desabafos
virtuais.
“Elas negam a doença e os pais, em geral, não prestam a devida atenção. Uma vez tratei de uma menina de 19 anos, muito magra, já em estado avançado da doença, que lhe rendeu uma osteoporose. Estava com indicação para internação urgente, mas a mãe da garota assinou o pedido de retirada do hospital porque a menina queria ir a um show, no qual, aliás, desmaiou três vezes”, conta o psicanalista Niraldo de Oliveira Santos, que coordena o curso de pós-graduação em Transtornos Alimentares e Obesidade na Universidade de São Paulo (USP). Ele também tem um grupo de atendimento gratuito a pacientes com transtornos alimentares no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Andrea Miramontes/F.Uni