O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quer o governo mobilizado pela tentativa de obter anistia para o deputado cassado José Dirceu (PT-SP). Na reunião da coordenação política, ontem, Lula deixou claro que o Planalto não deve se envolver, embora haja no palácio quem defenda a iniciativa favorável ao ex-ministro, a exemplo do assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia.
Segundo um integrante do governo, Lula teme que o esforço pelo resgate político do ex-chefe da Casa Civil ofusque a prioridade número 1 do Executivo: a discussão e aprovação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pelo Congresso. Além disso, quer evitar a retomada de um tema tão desgastante para o governo como é o escândalo do mensalão.
A eleição da Câmara ajuda a entender a preocupação do presidente. Naquele caso, o PT contrariou Lula ao insistir na candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP). No final, ele venceu a disputa contra Aldo Rebelo (PC do B-SP), inicialmente o favorito do Planalto.
Assim como Lula, vários deputados petistas também são contra a idéia de levar adiante o plano de anistiar José Dirceu, porque temem o desgaste do PT neste início de legislatura. Os menos ligados ao deputado cassado dizem que o tema dividiria a bancada e traria constrangimento a muitos companheiros de partido. Deputados próximos a Dirceu, como Cândido Vaccarezza (SP) e Carlos Zarattini (SP), embora favoráveis à anistia, insistem que o assunto não está em discussão no PT.
Para levar adiante a anistia, o PT precisaria escalar um deputado disposto a assumir o desgaste de encampar a causa. A idéia dos aliados do ex-ministro é obter 1,5 milhão de assinaturas para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular. No entanto, esse tipo de projeto, para avançar no Legislativo, precisa ser formalmente apresentado por um parlamentar. Caso contrário, emperraria em uma série de exigências legais.
Pelas regras do Legislativo, anistiar é mais fácil do que cassar. Para o plenário aprovar a cassação do mandato de um deputado, são necessários os votos de pelo menos 257 deputados – maioria absoluta entre os 513 parlamentares. No caso da anistia, basta a aprovação por maioria simples – metade mais um dos votos dos deputados presentes à sessão. A votação é aberta, como a de qualquer projeto de lei.
Os projetos de iniciativa popular estão previstos na Constituição e tramitam como projeto de lei normal, desde que tenham a assinatura de no mínimo 1% do eleitorado nacional distribuído em no mínimo cinco Estados. Embora um deputado pudesse apresentar isoladamente o projeto de anistia, os petistas próximos a Dirceu acreditam que as assinaturas emprestariam legitimidade à pretensão do ex-ministro.
No entanto, o histórico dos projetos de iniciativa popular apresentados na Câmara mostra que vão para frente os que são encampados por um deputado. Se isso não acontecer, a Câmara é obrigada a conferir cada assinatura, o título de eleitor do signatário e o endereço, o que praticamente inviabiliza o andamento do projeto de lei.
Projetos de iniciativa popular bem-sucedidos – como o que ampliou a lista de crimes hediondos, o que criou o Fundo de Moradia Popular e o que instituiu o crime da compra de votos – tiveram deputados ou o Poder Executivo como autores.
Um petista ouvido pelo Estado disse temer que o abaixo-assinado não alcance as adesões necessárias. “O PT não tem 1 milhão de filiados, não há garantia de que conseguisse o mínimo necessário de assinaturas”, afirmou o deputado.
Zarattini, apontado como um dos possíveis autores do projeto de anistia, diz que não faltariam parlamentares dispostos a encampar a causa, mas reitera que o assunto não está em pauta no PT. “Vocês estão criando uma não-pauta. Isto não foi debatido, não está colocado. Mas, como me perguntou, respondo que um deputado poderia apoiar”, afirmou Zarattini ontem, referindo-se a eventual projeto pró-Dirceu.
Como projeto de lei, a anistia, se aprovada na Câmara, teria que ir a votação no Senado. Se passasse, iria à sanção do presidente da República. Em 1995, o senador Humberto Lucena (PMDB-PB), que teve o mandato cassado pelo uso da gráfica do Senado para imprimir material de campanha, foi anistiado. A anistia foi aprovada no Legislativo e sancionada por Fernando Henrique Cardoso.