Lula está cercado. Sua situação me lembra a do personagem Licurgo Cambará, que abre a trilogia O Tempo e o Vento de Erico Verissimo, saga que retrata a história do Rio Grande do Sul. O romance inicia em um sobrado sitiado. Dentro estão Licurgo, sua família (a mulher está para parir) e correligionários; do lado de fora, os inimigos maragatos, carregando rixas familiares de décadas. A luta é tanto de tiro como psicológica. A tensão se prolonga por centenas de páginas, entrecortadas por lembranças e recordações que fazem de O Tempo e o Vento uma obra de primeira grandeza. Para suportar ou para manter o cerco, pede-se sangue frio.
Lula vive, possivelmente, seu pior momento político desde que abandonou a presidência em 2010. Naqueles tempos com a popularidade em alta e tido, segundo pesquisas, como o melhor presidente que o Brasil já tivera. Sua vida foi retratada no cinema. Erigido a mito, parecia, já fora da presidência, detentor de um capital político inabalável, lastreado na memória dos brasileiros que aprovaram seus governos e se beneficiaram (muitos deles) de suas políticas.
Tudo isso é passado. Veio junho de 2013, depois o debacle de Dilma em 2015, com a economia (menos perspectiva de consumo, mais expectativa de desemprego) puxando o redemoinho dos ventos para baixo.
Agora Lula está acuado, tendo que se ver com advogados para defender a si e a familiares.
Na Lava Jato o sítio que frequenta em Atibaia (SP), e que segundo a imprensa teve reformas bancadas por empreiteiras (os procuradores querem caracterizar isso como propina), é alvo de um inquérito da PF autorizado pelo juiz Sérgio Moro. Também está na mira um apartamento triplex no Guarujá que até aqui procuradores não provaram ser de Lula, que nega tê-lo comprado. No início do ano foi presa uma publicitária supostamente uma “laranja” associada ao condomínio onde está o triplex (os procuradores trabalham com a hipótese de bens ocultos do ex-presidente, também para caracterizar propina), mas que foi solta alguns dias depois, tendo merecido a notícia uma pequena nota no pé de página dos jornais. No cerco a Lula há tiros certeiros, mas também muito festim, com certeza.
A impressão que se tem é que a PF e procuradores elegeram um alvo para investigar (Lula) e não exatamente um crime determinado. O método espalhafatoso – quase tudo é vazado para a imprensa em tempo real – mais atrapalha do que ajuda investigações sérias. Até aqui, Lula segue inocente, mas espremido: mais dá explicações do que explica. De encarnação de um projeto de Brasil, luta pela honra pessoal e de familiares. Há um elemento trágico nessa trajetória, mas assim é a política e é disso que o povo gosta, sobretudo quando os bolsos seguem vazios.
Com o PT completando 37 anos esta semana em baixa, seu líder maior parece sentir o fogo da artilharia que se aproxima ao mesmo tempo em que tem seus movimentos tolhidos.
Mas ainda é um jogador de peso, é claro. Segundo pesquisa Datafolha feita em novembro passado, o petista perderia, se o segundo turno da eleição de 2018 fosse hoje, em todos os cenários: para Aécio, para Alckmin e para Marina. Mas nunca com menos de 30% de votos.
Lula perdeu certamente parte de sua aura, mas não toda ela. Pesquisas recentes ainda o apontam como o melhor presidente que o Brasil já teve. Não será tarefa banal transformar toda essa carga de memória coletiva em apenas uma gigantesca bandalheira. Esta narrativa está no ar, mas ainda como ensaio. Dependendo da economia, da Lava Jato e dos ventos da política, Lula poderá sair do cerco com o tempo a seu favor – ou dizimado por ele.
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